POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PENSÕES NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS, COM A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98, SEGUNDO O STF

Uma questão que levanta controvérsias, em nosso Direito Administrativo e Previdenciário, reside na possibilidade de acumulação de pensões no regime próprio de previdência dos servidores públicos. A redação original da Constituição de 1988, por um lado, vedava a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto em três hipóteses, mas, por outro, não trazia disposição vedando a acumulação de pensões ou de proventos com remuneração. Para agravar o quadro, não havia regra fixando a obrigatoriedade de contribuição pelos servidores para o custeio de sua previdência, e as aposentadorias do setor público eram pagas integralmente no mesmo valor da remuneração quando na ativa. O resultado foi o forte desequilíbrio entre os valores arrecadados pelo Estado e os despendidos com benefícios previdenciários.   

Somente com a Emenda Constitucional nº 20/98, passou a ser expressamente proibida a percepção de remuneração do cargo em conjunto com a aposentadoria, como fixado na redação do § 10º, artigo 37, CF/88:

  • 10º. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou do art. 42 e 142, com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Com esta mudança, não poderia mais o servidor aposentado retornar ao serviço público e acumular seus proventos com os vencimentos do cargo ocupado. A medida visava coibir que alguém se aposentasse precocemente motivado pela possibilidade de  retornar ao serviço público e passar a ter duas fontes de renda.

No entanto, a alteração também traria duas importantes consequências. A primeira, como o servidor aposentado não poderia acumular vencimentos com proventos, não poderia também acumular duas aposentadorias, pois mesmo que atingisse os 70 anos de idade e lhe fosse aplicada a compulsória, lhe seria vedado a percepção de qualquer renda previdenciária em duplicidade.  

A segunda, como nenhum servidor, exceto nas hipóteses de acumulação,  poderia ter duas aposentadorias, não poderia também deixar duas pensões. Mesmo na situação em que estivesse aposentado e retornasse ao serviço ativo, vindo a falecer nesta condição, também não haveria duas pensões, porque este não estaria recebendo por duas fontes. No entanto, havia casos de acumulação anteriores à EC nº 20/98, que fugiam desta proibição, pois foram excepcionados no texto da referida emenda.

Em 2011, O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 584.388, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgou o caso de um servidor, aposentado no cargo de fiscal de contribuições previdenciárias do INSS, mas que, em 1996, reingressou no serviço público, no cargo de auditor fiscal do trabalho, que ocupou até o seu falecimento, em 2001. O TRF da 4ª Região decidiu pela impossibilidade jurídica de acumulação de duas pensões de natureza estatutária. Inconformada, a viúva interpôs recurso ao STF. Em sua defesa, alegou, primeiro, que a Constituição não proíbe a acumulação de pensões; segundo, que a EC 20/98, ao vedar a acumulação de proventos com remuneração, excepcionou aqueles que estavam nesta situação, na data de publicação da referida emenda.

Em 2009, o Pleno do STF reconheceu a Repercussão Geral da questão, em decisão contendo a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. REINGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO ANTES DA EDIÇÃO DA EC 20/98 E FALECIMENTO POSTERIOR À EMENDA. CUMULAÇÃO DE PENSÕES POR MORTE. POSSIBILIDADE. RELEVÃNCIA JURÍDICA E ECONÔMICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Em 31 de agosto de 2011, a questão foi posta em julgamento junto aos Ministros da Corte. O Relator, em seu voto, destacou, primeiro, que a regra aplicável às pensões estatutárias estava fixada no § 7º, art. 40, que trazia a seguinte redação:

Art. 40.

  • 7º. Lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento, observado o disposto no § 3º.

A questão, portanto, passava a ser a de identificar qual o valor dos proventos a que teria direito o servidor, na data de seu falecimento. Para tanto, o Relator ressaltou que a Emenda Constitucional nº 20, ao vedar a acumulação de proventos com a remuneração do cargo, excepcionou os servidores inativos que haviam retornado ao serviço público, até a data de publicação da referida emenda. No entanto, essa mesma regra fixava expressamente que era proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime próprio de previdência dos servidores, mesmo para os excepcionados.

A vedação à acumulação de proventos, além de expressa na EC 20/98, já havia sido consolidada pelo STF no RE 463.028/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, em decisão assim ementada:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DUPLA ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS. EC 20/98. IMPOSSIBILIDADE.

  1. Servidora aposentada que reingressou no serviço público, acumulando proventos com vencimentos até a sua aposentadoria, quando passou a receber dois proventos.
  2. Conforme assentado pelo Plenário, no julgamento do RE 163.204, mesmo antes da citada emenda constitucional, já era proibida a acumulação de cargos públicos. Pouco importava se o servidor estava na ativa ou aposentado nesses cargos, salvo as exceções previstas na própria Constituição.
  3. Entendimento que se tornou expresso com a Emenda Constitucional 20/98, que preservou a situação daqueles servidores que retornaram ao serviço público antes da sua promulgação, nos termos do art. 11.
  4. A pretensão ora deduzida, dupla acumulação de proventos, foi expressamente vedada no citado art. 11, além de não ter siso aceita pela jurisprudência desta Corte, sob a égide da CF/88.
  5. Recurso Extraordinário conhecido e improvido.     

Neste julgado, a Ministra Ellen Gracie, destacou, em seu voto, que a Constituição de 1988 em sua redação original, ou seja, anteriormente à EC 20/98, ao vedar a acumulação de cargos, proibiu implicitamente a acumulação de aposentadorias, nos seguintes termos:

A simples leitura deste dispositivo revela que a pretensão deduzida no presente feito, dupla acumulação de proventos, foi expressamente vedada na reforma da previdência de 1998.

É irrelevante o fato de a recorrente ter se aposentado de seu segundo cargo antes da citada emenda constitucional, isso porque, segundo a jurisprudência desta Casa, a acumulação pretendida sempre foi proibida pela Constituição.  

Se a Constituição veda a percepção de duas aposentadorias estatutárias, mesmo para os que retornaram ao serviço ativo, antes da EC 20/98, por conseguinte, também veda que o servidor possa adquirir duas pensões estatutárias. No caso concreto, como o servidor reingressou antes da referida emenda, teria sim direito a acumular proventos com a remuneração, mas não teria direito as duas aposentadorias, e, em consequência, não poderia dispor de duas pensões. Concluiu, portanto, pela impossibilidade da acumulação de duas pensões estatutárias.

Por unanimidade, os demais Ministros seguiram o voto do Relator, e negaram provimento ao Recurso Extraordinário, em decisão com a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. REINGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO ANTES DA EDIÇÃO DA EC 20/98 E FALECIMENTO POSTERIOR À EMENDA.  DUPLA ACUMULAÇÃO DE PENSÕES POR MORTE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO.

  1. A Carta de 1988 veda a percepção simultânea de proventos de aposentadoria com remuneração de cargos, empregos e funções públicas, ressalvadas hipóteses - inocorrentes na espécie – de cargos acumuláveis na forma da Constituição, cargos eletivos e cargos em comissão.
  2. Mesmo antes da EC 20/98, a acumulação de proventos e vencimentos somente era admitida quando se tratasse de cargos, empregos e funções acumuláveis na atividade, na forma permitida pela CF.
  • Com o advento da EC 20/98, que preservou a situação daqueles servidores que retornaram ao serviço público antes da sua promulgação, proibiu-se, em seu art. 11, a percepção de mais uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição.
  1. Se era proibida a percepção de dupla aposentadoria estatutária, não é possível cogitar-se de direito à segunda pensão, uma vez que o art. 40, § 7º, da Constituição subordinava tal benefício ao valor dos proventos a que tal servidor faria jus.
  2. Recurso extraordinário conhecido e improvido.

Em face da decisão com Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal assentou que a nossa ordem constitucional não permite a acumulação de pensões pagas pelo regime próprio de previdência dos servidores públicos, exceto nos casos de cargos acumuláveis previstos na CF/88.