POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE APOSENTADORIAS PELOS SERVIDORES PÚBLICOS, A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98, SEGUNDO O STF

Uma questão que levanta muitas controvérsias, em nosso direito, reside na possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria provenientes do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Primeiro, no campo jurídico, por envolver necessariamente uma situação de acumulação de cargos, hoje, proibida pela Constituição, exceto em reduzidas hipóteses. Segundo, no campo financeiro, por implicar o pagamento de mais de uma aposentadoria para a mesma pessoa, o que vai de encontro ao quadro de grave déficit previdenciário verificado no setor público.

A redação original da Constituição de 1988, por um lado, vedava a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto em três hipóteses, mas, por outro, não trazia disposição vedando a acumulação de proventos. Somente com a Emenda Constitucional nº 20/98, passou a ser expressamente proibida a percepção de duas aposentadorias públicas, como fixado na redação do § 6º, artigo 40, CF/88:

                        Art. 40.

  • 6º. Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previsto neste artigo.

            Com esta mudança se desejava afastar um quadro possível e existente, sob a égide das Constituições de 1967 e 1969, em que servidores se aposentavam precocemente, e, depois retornavam ao serviço público, ocupando outro cargo, e, após alguns anos de trabalho, se aposentavam novamente, por atingirem a idade limite de 70 anos, passando a perceber dois proventos. Hoje, exceto nas hipóteses constitucionais de acumulação de cargos, os cofres públicos ficam impedidos de custearem, para a mesma pessoa física, o pagamento de mais de uma aposentadoria pelo regime próprio de previdência.

            Em 2012, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no Ag. Reg.  em Mandado de Segurança nº 28.711, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe 24/09/2012, analisou o caso de um servidor, aposentado em 1988, no cargo de procurador autárquico do DNER, mas que, como também ocupava o cargo de advogado da UFMS, veio a se  aposentar novamente em 2002, por ter atingido os 70 anos de idade.

            No ano de 2007, o TCU decidiu pela inexistência da possibilidade de acumulação, ordenando a suspensão do pagamento da segunda aposentadoria. Sobreveio a impetração do mandado contra a decisão da Corte de Contas. No entanto, os Ministros da Turma, por unanimidade, mantiveram a decisão atacada, por considerarem que, com a vigência da Emenda Constitucional nº 20/98, todos os casos de acumulação supervenientes não são mais permitidos, em decisão assim ementada:  

Recurso ordinário em mandado de segurança. Decisão monocrática. Conversão em agravo regimental. Negativa de registro de aposentadoria julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União. Inaplicabilidade da decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. Ilegalidade no acúmulo de proventos de aposentadoria. EC 20/98. Agravo regimental não provido.

  1. A acumulação de proventos de duas aposentadorias em cargos de natureza pública não é permitida pelo art. 11 da Emenda Constitucional nº 20 de 1998. Enquanto em atividade, era permitido ao agravante acumular a remuneração de seu cargo (advogado) com a percepção de aposentadoria do cargo de procurador autárquico, uma vez que era albergado pela exceção prevista no art. 11 da EC nº 20/98. Contudo, no momento em que entra para a inatividade com relação ao cargo de advogado, aposentando-se compulsoriamente em 13/04/2002, após a edição da EC nº 20/98, não mais poderia ele acumular os dois proventos de aposentadoria, devendo fazer a opção por um deles. Precedentes.
  2. Agravo regimental não provido.          

            No entanto, o Tribunal de Contas da União adotou uma interpretação retroativa, vedando a percepção de duas aposentadorias no serviço público, mesmo que o servidor tenha se aposentado antes da EC 20/98, o que ensejou a judicialização pelos atingidos, e a necessidade de pacificação da questão pelo Supremo Tribunal Federal.

            Em 2006, o Plenário do STF, no MS 24.952, Relator Min. Carlos Britto, DJe  3/2/2206, julgou o caso de um servidor na reserva remunerada, desde 15 de novembro de 1982, mas que fora contratado pela Agência Brasileira de Inteligência, em 1983, vindo a se tornar estatutário, com a Lei 8.112/90, e se aposentado neste segundo cargo, em 4 de junho de 1996. O Tribunal de Contas da União determinou o cancelamento da segunda aposentadoria, o que motivou a impetração do remédio constitucional.

            Alegava, o impetrante, que se tratava de direito adquirido, pois a ordem constitucional permitia a acumulação e ele já percebia cumulativamente as duas aposentadorias quando sobreveio a EC 20/98. Para o Relator, há a possibilidade de acumulação de aposentadorias públicas, no caso do servidor aposentado retornar ao serviço público, durante a vigência da Constituição anterior, e se aposentar novamente, antes da nova regra introduzida pela Emenda Constitucional nº 20/98.      

            Como, no caso em exame, o impetrante se aposentara e voltara ao serviço ativo amparado na Constituição de 1969, e se aposentara novamente, já sob a vigência da Constituição de 1988, mas sob a redação que permitia a acumulação, deveria ser observado o direito adquirido. Os demais Ministros seguiram este entendimento, restando, ao final, o acórdão com a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE APOSENTADORIAS. POSSIBILIDADE NO CASO DE SUCESSÃO DE REGIMES CONSTITUCIONAIS. O servidor que se tornou inativo e regressou ao serviço público no período em que o Direito Constitucional de 1969 permitia, havendo-se aposentado novamente sob a vigência do regime constitucional de 1988, em sua redação original, tem direito à acumulação dos proventos. Mandado de Segurança concedido.

Em 2012, a Primeira Turma do STF  julgou, no RE 635011 AgR Segundo, Rel. min. Luiz Fux, DJe 4/10/2012, o caso de um servidor aposentado em 1987, que retornara ao serviço ativo, vindo a se aposentar deste segundo cargo, em 1997. O TCU decidiu pela impossibilidade da percepção de duas aposentadorias, o que gerou a judicialização pelo atingido.

Os Ministros da Turma, por unanimidade, entenderam que a situação de acumulação foi consolidada com a devida observância das regras constitucionais vigentes à época. O impetrante, portanto, possuía direito adquirido às aposentadorias, que não poderia ser desconstituído por mudança superveniente no texto constitucional.  A decisão trouxe a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE DOIS CARGOS PÚBLICOS CIVIS ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. POSSIBILIDADE. DECISÃO RECORRIDA EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte possui entendimento segundo o qual a Constituição do Brasil de 1967, bem como a de 1988, esta na redação anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, não obstavam o retorno ao serviço público e a posterior aposentadoria, acumulando os respectivos proventos. (MS 25.752, Relator Min. Eros Grau, DJe 08/10/2008). 2. In casu, a primeira aposentadoria ocorreu em 1987, na vigência da Carta de 1967; e a segunda ocorreu em 1997, logo, antes da publicação da Emenda Constitucional nº 20/98. 3. O artigo 11 da EC nº 20/98, ao vedar a acumulação de aposentadorias em cargos inacumuláveis na ativa, não pode retoragir para ferir o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Observância da boa-fé do servidor aliada ao princípio da proteção da confiança, dimensão subjetiva da segurança jurídica. 4. Segundo agravo regimental desprovido.           

            Em 15 de dezembro de 2015, a Primeira Turma do STF, no Ag. Reg. Mandado de Segurança nº 25.572/DF, tendo por Relator o Ministro Luiz Fux, decidiu o caso de uma servidora aposentada que reingressou no serviço público, na FUNABEM, em 15/1/1980, vindo a se aposentar novamente em 30/10/1991. Para o Relator, a acumulação de aposentadorias ocorreu no período que a Constituição permitia, não podendo nova regra, violar o direito adquirido, como destacado em seu voto:

Ressalto que o art. 11 da EC nº 20/98, ao vedar a acumulação de aposentadorias em cargos inacumuláveis na ativa, não pode retroagir para ferir o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, tudo aliado à boa-fé do servidor, que vinha percebendo as duas aposentadorias por um longo decurso de tempo, aproximadamente 17 anos. Ademais, há de se reconhecer a gravidade da perda de uma dessas rendas, uma vez que a agravada encontra-se com 87 anos, faixa etária que requer cuidados especiais.

            Os demais Ministros, por maioria de votos, seguiram o Relator, em decisão assim ementada:

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. NEGATIVA DE REGISTRO DE APOSENTADORIA. ACUMULAÇÃO DE APOSENTADORIAS CIVIS. POSSIBILIDADE NOC ASO DE SUCESSÃO DE REGIMES CONSTITUCIONAIS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

  1. Esta Corte possui entendimento no sentido de autorizar a acumulação de proventos de duas aposentadorias se, após inativo, o servidor retorna ao serviço público no período em que o texto constitucional de 1969 assim permitia e aposenta-se novamente sob a vigência da Constituição da República de 1988, em sua redação original. Precedentes: MS 24952, Rel. Min. Carlos Britto, Pleno, DJe 3/2/2006, RE 635011 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 4/10/2012.
  2. In casu, a ora agravada reingressou no serviço público na FUNABEM, em 15/1/1980, em perfeita consonância com o texto constitucional vigente à época, e aposentou-se em 30/10/1991, ou seja, sob a vigência do texto constitucional de 1988. Desta maneira, faz jus ao benefício previdenciário negado pelo TCU.
  3. Agravo regimental a que se nega provimento.   

                A acumulação de aposentadorias provenientes do regime próprio de previdência dos servidores públicos, outrora permitido, hoje, não mais persiste em nosso Direito Administrativo e Previdenciário. As decisões do Supremo Tribunal Federal apenas tem preservado o direito adquirido, em casos particulares consolidados antes da Emenda Constitucional nº 20/98. Com o grave déficit previdenciário, as  restrições, hoje existentes, à percepção de duas aposentadorias, pagas pelo regime próprio de previdência, se tornam justificáveis e até necessárias. Para o futuro, como o quadro de desequilíbrio tem aumentado, torna-se previsível não só a manutenção das vedações, como o aumento das restrições em novas reformas na previdência dos servidores.