POSIÇÕES DE GARANTIA EM DIREITO PENAL
Por Sergio Silva do Nascimento | 03/12/2015 | DireitoPOSIÇÕES DE GARANTIA” EM DIREITO PENAL[1]
Marcelo Barros
Sergio Silva do Nascimento[2]
Cleopas Santos[3]
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo estudar os limites da imputação do crime material ao agente garantidor. A ideia de produzir este artigo surgiu através da falta de norma expressa abordando os limites impostos ao agente, tendo a aplicação desse instituto se baseando unicamente na parte geral do Código Penal, mais precisamente no parágrafo 2º do artigo 13. Apresentar uma análise geral sobre os crimes omissivos impróprios. Buscou-se no artigo destacar possíveis limites ao dever de agir, questionando a extensão da imputação do crime material ao agente garantidor.
Palavras-chave: Garantia. Crime. Omissão
1 INTRODUÇÃO
O Código Penal não é claro quanto aos limites no dever de agir do agente garantidor, e não há norma expressa que verse sobre o tais limites, baseando-se somente na parte geral do Código Penal, mais precisamente no parágrafo 2º do artigo 13.
Dessa forma, o presente artigo tem o objetivo de questionar os limites do dever de agir imposto ao agente garantidor garantido no parágrafo 2º do artigo 13.
Destarte, os crimes omissivos impróprios decorrem da conduta do agente em não realizar uma ação dá qual tinha o dever jurídico de agir, tal crime e tipificado pelo Código Penal no seu art.13 §2º, “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
A importância do artigo resulta da não especificação quanto aos limites impostos a esse dever de agir, por exemplo, uma babá como disposto na alínea b do §2º do art.13 que dispõe “de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado”, até onde ela deve ir para cumprir esse dever como em um caso de estado de necessidade que em seu §1º do art. 24 do Código Penal que quem tem dever legal de agir não pode alegar estado de necessidade.
Dessa forma a não limitação do dever de agir traz consequências jurídicas que importam em resultados de aplicação da pena, sendo viável a aplicação baseada no grau de responsabilidade atribuída a agente que possuía o dever jurídico de ter uma conduta comissiva para evitar o dano a outrem.
2 CRIME OMISSIVO
Primeiramente antes de adentrarmos no conceito do crime omissivo propriamente dito, necessário se faz entender que no mundo jurídico para que exista um fato jurídico necessário se faz a existência do homem e de sua conduta, vontade de realizar determinado ato. Dessa forma, a conduta do agente exerce papel primordial na caracterização dos crimes comissivos, omissivos e comissivos-omissivos.
Apesar do presente artigo basear-se no estudo dos limites impostos ao agente do crime comissivo-omissivo, para uma análise de didática necessário se faz conceitos o crime comissivo, omissivo e comissivo-omissivo.
Nesse sentido Capez (2004, p. 193) em uma definição sintética define crimes comissivo, omissivo e comissivo da seguinte forma:
O crime comissivo consiste na realização de uma ação positiva visando um resultado tipicamente ilícito, [...] já o crime omissivo próprio consiste no fato de agente deixar de realizar determinada conduta que tendo a obrigação de fazê-lo, [...]. No crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão, a omissão é o meio através do qual o agente produz seu resultado. [...] Nestes crimes o agente não responde pela omissão simplesmente, mas pelo resultado decorrente desta, a que estava juridicamente, obrigado a impedir. (art. 13, § 2º, do CP)
No mesmo sentido, Zaffaroni (2010, p. 347) assevera: “Enquanto no tipo comissivo doloso a tipicidade é constatada pela identidade entre a conduta realizada e aquela descrita no tipo legal, no tipo omissivo busca-se a tipicidade na diferença entre a conduta realizada e aquela descrita”
Dessa forma resta claro que no crime omissivo impróprio o agente responde não só pela omissão mais pelo resultado da conduta, sendo necessário a definição dos limites impostos.
2.1 Classificação
Antes de adentrarmos na classificação propriamente dita, necessário se faz conhecer as teorias da omissão e qual a adotada pelo legislador brasileiro.
Teoria naturalista, essa teoria estabelece que a omissão é um elemento causal, de fácil percepção no mundo dos fatos, resulta da inatividade do agente ‘non facere’, resulta da verdadeira ação. “Constitui portanto um ‘fazer’, ou seja, um comportamento positivo: quem se omite faz alguma coisa”. (CAPEZ, 2013, p. 163)
Para essa teoria o não fazer provoca o resultado, e o que se omite responde pelo resulta do evento como se estivesse dado causa ao evento. Essa teoria recebe várias críticas de Reinhart Maurach que descreveu o erro da teoria, afirmando que quem se omite não produz o resultado, pois a omissão é um nada e nada pode produzir, não respondendo pelo resultado que não deu causa. (CAPEZ, 2013, p. 163
Para melhor entendimento da crítica, necessário se faz analisar o exemplo proposto por Fernando Capez, (2013, p. 163-164):
Um pedestre presencia um atropelamento e sadicamente acompanha os gemidos da vítima até a morte, sem prestar-lhe socorro; não se pode dizer que ele causou a morte, pois não existe nexo de causalidade material entre sua inação e as múltiplas fraturas, que vieram a provocar o óbito. Naturalisticamente, o elo de ligação é estabelecido entre o condutor do veículo e as lesões, e entre estas e o resultado letal.
Destarte não se pode atribuir ao que se omite o homicídio, mais responderá pela omissão de socorro qualificado nos termos do artigo 135 do Código Penal. Razão pela qual o ordenamento jurídico Pátrio não se filiou a essa corrente.
A segunda corrente é a normativa para essa corrente o que se omite não produz nada, destarte, não pode causar coisa alguma. Para essa corrente o omitente somente responde pelo resultado quando presente o “dever jurídico de agir”. (CAPEZ, 2013, p. 164)
Dessa forma a omissão normativa relevante decorre de duas premissas, a primeira um não fazer e a segunda naquilo que tinha o dever jurídico de fazer (non facere e o quod debetur. Para que seja caracterizada a omissão é necessário uma norma que determine o que deveria ser feito. (CAPEZ, 2013, p. 164)
O Código Penal Brasileiro prevê três hipóteses em que estará presente o dever jurídico: “(i) quando houver determinação específica prevista em lei; (b) quando o omitente tiver assumido por qualquer outro modo a obrigação de agir; e (c) quando o omitente, com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado, o qual não impediu”. (CAPEZ, 2013, p. 165)
O legislador brasileiro optou por esta corrente, tomando o cuidado de não limitar a conduta omissiva a um simples dever legal.
2.1.1 Crime omissivo próprio
Segundo Zaffaroni os crimes omissivos próprios são crimes que possuem qualquer sujeito que se encontre na situação típica. Para o autor o dever de agir decorre da simples condição de cidadão normal capaz de agir de forma a evitar o dano, não sendo atribuído ao agente nenhuma particular relação jurídica. (2010, 354-355)
Neste crime inexiste o dever jurídico de agir, restando somente a conduta omissiva, neste caso o agente só responde se houver previsão legal, como nos casos de infração formal ou de mera conduta, exemplos: art. 135 e 229 do CP e 304 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), dessa forma para que seja estabelecida o nexo se faz necessário que a atividade do agente se amolde na previsão legal omissiva. (CAPEZ, 2013, p. 165)
Dessa forma conclui-se que na omissão própria não existe dever jurídico de agir, mas o agente possui o entendimento necessário para agir de forma que a imposição encontra-se no próprio agente.
2.1.2 Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão
Nestes crimes é notório o dever jurídico imposto ao agente de agir para evitar o evento danoso, decorre de um dever jurídico de agir. Para que a conduta se amolde ao tipo é necessário que o agente não faça o que deveria ter sido feito, dessa forma, a omissão dar causa a lesão ao bem jurídico tutelado, respondendo o omitente pelo resultado da conduta omissiva, salvo casos que comprove que não agiu com dolo ou culpa. (CAPEZ, 2013, p. 165)
A doutrina denomina crimes omissivos impróprios aos delitos cuja estrutura guarda correspondência com outra, comissiva, com a qual se equipara. Como consequência de que a estrutura omissiva é equiparada à estrutura comissiva, exige-se na omissão imprópria uma afetação ao bem jurídico que seja equivalente à afetação na tipicidade ativa (comissiva). Os autores são aqui sempre qualificados, pois a lei se limita a construir tipos enunciando a norma deduzida prescritivamente, e sim, devido ao maior aspectro (sic) proibitivo dessa formulação restringe o círculo de autores às pessoas que se encontrem numa particular relação jurídica que se considera fonte da obrigação na situação típica. (ZAFFARONI, 2010, p. 355)
Dos conceitos apresentados deduz-se que na omissão imprópria a conduta do omissiva do agente corresponde a uma conduta ativa, um dever jurídico de agir, para resguardar o bem jurídico tutelado, seja por imposição da lei, por contrato ou simplesmente por assumir a função de garantidor.
2.1.3 Crimes omissivos por comissão
Neste crime a ação, o agir provoca uma omissão, como por exemplo: “o chefe de uma repartição impede que sua funcionária, que esta passando mal, seja socorrido. Se ela morrer o chefe responderá pela morte por crime omissivo por comissão”. (CAPEZ, 2013, p. 165-166)
3 LIMITES IMPOSTOS AO DEVER DE AGIR
A legislação penal e também a doutrina não trataram do assunto de forma ampla, razão pela qual o assunto torna-se mais importante, até porque é necessário saber os a real obrigação do agente para apuração do dolo ou culpa do agente ou até mesmo se ele agiu em legitima defesa.
Imaginemos a situação hipotética em que um montanhista experiente, assume a responsabilidade de levar um grupo de jovens aventureiros a escalar um monte. Depois de checado todos os equipamentos partem para sua aventura, no entanto após subirem mais da metade do percurso, pela inexperiência do aprendiz o mesmo se solta levando consigo outro companheiro. Pergunta-se como será imputada a responsabilidade do garantidor que tinha o dever de agir para evitar a lesão ao bem jurídico?
A partir do exemplo será realizada uma busca na doutrina e na legislação para apurarmos os limites da responsabilidade penal nos crimes omissivos impróprios.
3.1 Limite do dever legal
Nos crimes omissivos impróprios, onde o agente responde pela ação de agir, quando tinha o dever legal de agir ou de não se omitir, devido a posição de garantidor que assumiu, reside uma grande controvérsia na doutrina que perdurou por mais de 150 (cento e cinquenta) anos, a problemática que envolve o tema reside na equivalência da omissão e ação, dessa forma existe uma generalização dos crimes omissivos impróprios por sua simplicidade, que decorre da mera inatividade do agente. (ZAFFARONI, 2010)
A classificação do tipo previsto no crime omissivo impróprio é realizada através de um paralelismo da omissão com os crimes comissivos de resultado material, para se definir a conduta do omitente com o tipo comissivo previsto no Código Penal.(ZAFFARONI, 2010)
A grande crítica repousa na imputação subjetiva que comporta o tipo, pois o legislador ao criar o tipo omissivo impróprio não foi preciso na imputação da pena e quais a consequências jurídicas de sua omissão, cabendo ao juiz diante do caso concreto fazer a bivalência entre a conduta omissa e o resultado previsto no tipo comissivo penal ao qual encontra-se inserido.
Analisemos o §2º do art. 13 do Código Penal:
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Nesse sentido assevera Bitencourt:
A primeira fonte do dever de evitar o resultado é a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância imposta por lei. É dever legal, decorrente de lei, aliais, o próprio texto legal o diz. Dever esse que aparece numa série de situações, como, por exemplo, o dever de assistência que se devem mutualmente os cônjuges, que devem os pais aos filhos, e assim por diante. (2012, p. 304)
Da leitura do parágrafo 2º, percebe-se que no exemplo apresentado o expert alpinista responderá pelo crime de homicídio, pois assumiu a posição de garantidor, sendo penalmente reprovável sua conduta.
Contudo, caberá ao juiz diante do caso completar a conduta omissiva do agente de forma a classifica-la no tipo comissivo equivalente ao homicídio.
Dessa forma a crítica ao critério apresentado segundo Zaffaroni, 2010, repousa na omissão legislativa, que ao incluir o parágrafo 2º no artigo 13 do Código Penal, deveria ter incluído na parte especial os tipos penais que caberiam a modalidade omissivas e suas respectivas penas.
Dessa forma conclui-se que a não tipificação legal para os crimes omissivos impróprios resulta em violação ao princípio da legalidade e anterioridade penal, pois o juiz diante do caso concreto aplicará o Código Penal conforme critérios de equivalência realizada através de um paralelo entre a conduta do omitente e o resultado produzido ao qual estava obrigado a evitar.
CONCLUSÃO
O crime omissivo impróprio decorre da obrigação legal imposta o agente que assumi a responsabilidade de um agir jurídico, correspondendo a um dever imposto, criado para assegurar o bem juridicamente protegido.
Dessa forma a omissão legislativa de classificar o tipos que comportam a omissão imprópria, resulta uma insegurança jurídica, pois atribui ao juiz o dever de fazer equivalência entre a conduta omissiva imprópria e a ação típica prevista no resultado.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed.rev.ampliada e atual- São Paulo: Saraiva 2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1: parte geral (arts. 1º a 120) – São Paulo: Saraiva 2011.
VENÂNCIO, Cezar Possato. Limites aos crimes comissivos por omissão. Jurisway.
2007, Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=255,
Acesso em: 16/02/2014
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR,
Alejandro. Direito penal brasileiro. V. II, t. I. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p.
352-371.