Por onde andam os meus passos...

Sou do tempo de família com muitos irmãos, consanguíneos e de coração,

Onde o mais novo aprendia desde cedo a respeitar os mais velhos,

E o bença pai e o bença mãe eram pronunciados ao levantar, ao deitar e ao sair de casa.

Morava em casa de madeira, avarandada, com quintal grande, com muitas criações,

Onde o galo despertador ecoava majestosamente os últimos cantos matinais do alto da cumeeira.

E os pássaros faziam algazarra nos galhos das muitas fruteiras,

Culminando com o velocíssimo plainar do beija-flor acariciando as flores do mamoeiro,

Enquanto o japiim fazia ninhos nos pés de abiu e nos galhos mais altos das velhas mangueiras.

Cozinha com fogão à lenha, com camburões d’água, com potes, com bilhas,

E muitos canecos brilhando pendurados nos cabides.

Um jirau pra lavar pratos, arear panelas,

E um tendal grudado na parede derradeira pra tratar peixe e outros animais,

Cachos de banana maçã, prata, najá, comprida e peroá dependurados nos caibros das áreas abertas não careciam de menino pra vigiar, pois as pipiras, os sanhaçus e os sabiás, que eram os mais chegados, fartavam-se no bananal cultivado no fundo do quintal.

Na cozinha, antes do último cantar do galo, o velho caboclo Guiomar, meu saudoso padrinho,

preparava o cafezinho mais gostoso do mundo, ouvindo o programa “amanhecer da aurora” no rádio Semp, depois, palmando o inseparável porronca, sentava-se à beira do tendal, onde ficava horas e horas a cismar, mergulhado no mais profundo silêncio...

Tempo de grande fartura, onde quase tudo era festivamente dividido entre parentes e vizinhos, e os vasilhames nunca voltavam vazios.

Tempo da bolacha papaguara, do biscoito maria, do guaraná libertador,

Tempo da mexira, do chouriço, da banha de porco esfriada em tachos, com suculentos pedaços de carne maciça.

Do paio e da manteiga em lata grande, e do jabá no fardo, bem acondicionada em saco plástico e de estopa.

Com água do rio pra lavar louça e roupa com sabão zebu, tomar banho com sabonete phebo, baldear a casa, aguar as plantas e a frente da casa pra apagar a poeira vinda da rua de chão batido.

Das peladas da tarde no campo do Amarildo e do peru de noite no meio da rua.

Da água do rio coada pra fazer a comida e da água da vertente pra beber.

Da lamparina, do farol, do petromax, do Aladim,

Do crisol pra coceira e do nelcid pra matar piolhos e lêndeas, tirados horas depois com pente fino, em cima dum pano branco estendido no chão, onde alguns que continuavam vivos eram espocados na unha...

Tempo da conversa da janela, do namoro na varanda, sem vigias...

Tempo em que andar a pé, sem nenhuma pressa, era hábito comum.

Tempo do fardamento e do sapato novo ou bem engraxado para o desfile de sete de setembro,

Tempo em que os feriados cívicos e religiosos eram respeitados.

Tempo de vida correndo sem pressa...

Hoje...

Só enxergo homens e mulheres apressados, bem trajados, falando dos seus feitos,

Ansiando por poder, por visibilidade, por reconhecimento público, por aplauso,

Numa vida de aparências,

On-line...