Os navios são famílias e a vida, uma escola

Certa vez, um homem sábio foi às docas para observar os navios entrarem e saírem do porto. Percebeu que, quando um navio saía para o alto mar, todas as pessoas no cais festejavam e desejavam boa viagem. Enquanto isso, um outro navio entrou no porto e atracou. De maneira geral, foi ignorado pela multidão.

O sábio dirigiu-se às pessoas, dizendo: “Vocês estão olhando as coisas ao contrário! Quando um navio parte, não se sabe o que virá pela frente, ou qual será o seu fim. Portanto, na verdade não há motivo para celebrar. Porém quando um navio entra no porto e chega ao lar em segurança, este é um motivo para fazê-los sentir alegria.”

A vida é aquela viagem e nós somos o navio. Quando nasce uma criança, festejamos. Quando uma alma volta para casa, pranteamos. Porém se víssemos a vida na terra da mesma maneira que o sábio via o navio, talvez pudéssemos dizer: “O navio terminou sua jornada, enfrentou as tempestades da vida, e finalmente entrou no porto. E agora está seguro em casa…Nisso consiste o papel da família na formação do ser humano.

Sabe-se hoje em dia que a leitura de mundo está além do alcance dos olhos, o que se fundamenta nos exemplos práticos, fazendo do conhecimento intuitivo, elementos necessários para a produção e compreensão do universo que ultrapassa, em muito, os limites da simples decodificação. A criança/leitor/aprendente, em formação, não é mais um receptor passivo orientado pela ordem de um superior adulto/pai/formador/educador, mas como produto do decantado sistema de mudanças, é capaz de construir sentido a partir da direção e elaboração de seu pensamento e a sua imagem de mundo, de acordo com o eixo que lhe foi apresentado como guia de sua formação e autonomia. “ Quando um navio parte, não se sabe o que virá pela frente, ou qual será o seu fim”. Diz a lenda. Por mais preparados que estejamos, não teremos s segurança de que os nossos ensinamentos sejam apreendidos, compreendidos e transformados em conhecimento por parte dos nossos alunos/aprendentes/filhos. Admitindo que sim, não há garantia de sucesso em suas vidas futuras, exatamente porque pelo ritmo frenético de tantas mudanças, não se pode prever o sucesso pela reprodução de lições, nem pela natureza acadêmica da formação recebida.

O processo de leitura, compreensão e produção do conhecimento de mundo, não pode ser  interpretado como um conjunto de fatos que nos cercam. Esse complexo aparato acumulado em tanto tempo de formação e vivência de situações, exige também que se tenha um bom repertório de elementos que formam a grande oportunidade de amadurecimento e alcance de objetivos: os valores assimilados, enraizados na dupla mão de entendimento entre adulto e criança; entre pai e filho, entre professor e aluno, entre instrutor e aprendiz, entre família e escola.

Percebe-se que a complexidade da problemática que envolve os atos de formação de pessoas, no mínimo saudáveis para a sociedade de hoje, continua despertando o interesse de pensadores e estudiosos em todo o mundo. A instituição educacional precisa realizar seu papel de promotora e de transmissora de conhecimentos capazes de formar o cidadão para que atenda às demandas sociais e que interaja no mundo onde vive de maneira eficiente e eficaz.

É por isso que conceitos de educação, ensino, formação, profissão, valores e estrutura social, a partir dos conflitos que povoam quaisquer universos dos direitos e deveres de cada cidadão, como agente do seu tempo e espaço, não cessam de nos provocar, nos instigar a trazer à baila discussões que elevem o nível de preparação para que ao nascer, a criança se sinta socialmente protegida, não com leis, regras e normas, mas calores capazes de torna-la apta e vir a ser digna da espécie em constante ascensão.

Espera-se de um jovem criado no seio de uma boa família/escola/vida/rua tenha competência para executar uma gama de tarefas, exige-se também que este seja capaz de ter sob o seu comando, todos os princípios que norteiam suas ações, com capacidade para compreender por que as coisas são como são, por que as pessoas agem como agem e qual o horizonte que deve se descortinar no seu universo de conhecimento e vida.

Na estrutura e funcionamento da criação de filhos, o pai/provedor deve ser capaz de estabelecer relações entre o que ocorre em casa, na rotina do processo de educação doméstica e o que o mundo traz por meio dos avanços tecnológicos, como a televisão, a internet, o celular e outros meios com processos e estruturas mais amplas. Eles entram sem pedir licença e se instalam na maneira de ver e pensar daqueles que ainda não compreendem do que devem ou não, apropriar-se para se sustentar no processo de captação de informações para processamento e transformação em conhecimento. É bonito de se vê, é uma atitude resultante do processo de evolução humana, as relações mudaram: a criança é quem decide o que faz, o que gosta, o que pode, o que come, quando come e quanto come, independente se há ou não disponibilidade e corresponsabilidade consigo e com os outros membros da família.

“O navio terminou sua jornada, enfrentou as tempestades da vida, e finalmente entrou no porto. E agora está seguro em casa…Nisso consiste o papel da família na formação do ser humano”

No que diz respeito ao planejar o ensinamento com eficiência na ação o pai/formador/responsável precisa ser capaz de prever as ações necessárias para que o conteúdo/lição a ser ministrado por ele atenda os seus objetivos. Isto exige a cuidadosa preparação de um disciplinado plano de atitudes calculada sempre levando em conta, as experiências vivenciadas enquanto formador, para poder avaliar como tudo vai funcionar no mundo do aprendiz.

Em relação aos métodos de ensino modernos, apresentados e experimentados nas academias de ensino, convém que se conheçam todas as vantagens e limitações de cada ação/atitude/atividade/lição de vida para utiliza-las nos momentos adequados à capacidade de compreensão que cada aprendiz demonstre, na prazerosa missão de aprender a aprender. Quando toda a força da robótica permear a idade do homem artificial que fez da inteligência emocional a base para artificialidade dos sentimentos, será alternativa de resto, apelar para a criogenia:

“É a técnica de manter cadáveres congelados anos a fio para ressuscitá-los um dia. Hoje, isso já dá certo com embriões: óvulos fecundados podem ficar na “geladeira” com chances boas de sobreviver a um descongelamento – estima-se que perto de 60% deles conseguem vingar, dando origem a um bebê. Por isso, um bocado de gente acredita que isso ainda vai funcionar com seres humanos inteiros. Até agora, cerca de 100 pessoas já foram congeladas depois da morte e esperam por vida nova no futuro.

Quem estará esperando as novas gerações para “ensiná-las”, sobre como aprender vendo, como aprender seguindo, como marcar passagem pela experiência de adultos, treinados para formar? Adultos treinados para ser pai, mãe, professor, mestre, cuidador... ou apenas protótipos e projetos de vidas que por não terem sido cuidadas com regras, valores e limites, perderam-se no tempo, na história, na existência, em nome de uma corrida digital capaz de anular toda uma criação universal? Teria sido esse o grande projeto idealizado para o ser humano que consegue conquistas espaciais e não consegue entender que não existem escolas de pais mas existem, pais de escolas.

Escolas de vida, que fazem dos limites, o seu currículo; dos saberes, as ferramentas; das ferramentas, a competência para manter a espécie humana no topo da cadeia que lhe foi confiada por várias gerações de ancestrais.

Sebastião Maciel Costa