Ecio Fonseca Costa e David Costa Alves[2]

Carlos Eduardo Cavalcanti[3]

Sumário: 1-Introdução; 2-Ônus da prova; 2.1-O atual Código e o ônus da prova; 2.2-Projeto do novo CPC e a inversão do ônus da prova; 3-Dinamização do ônus da prova; 3.1-O poder discricionário do juiz e as divergências doutrinárias; 4-Considerações finais; Referências.                  

RESUMO

O presente trabalho busca realizar uma análise teórica e jurídico-normativa. Observando as ressonâncias do projeto (PLS 166/2010 e PL 8.046/2010), do novo Código de Processo Civil. Objetivando mostrar como funciona o ônus da prova no Código atual e as mudanças ocorridas em relação a esse ônus frente a esse projeto do novo CPC. Identifica, ainda, a divergência existente na doutrina sobre a possibilidade da inversão do ônus da prova estar sujeita a critério do juiz, demonstrando o embate entre o ativismo e o minimalismo jurídico sobre essa proposta de mudança.   

Palavras-chaves: Ônus da prova, Inversão do ônus, Poder discricionário do juiz.

ABSTRACT

This study aims to perform a theoretical and legal-normative analysis. Observing the resonances of the project (PLS PL 166/2010 and 8046/2010), the new Code of Civil Procedure. To demonstrate how the burden of proof in the current code and changes regarding this burden forward to this project for the new CPC works. It also identifies the divergence in doctrine about the possibility of reversing the burden of proof is subject to the discretion of the judge, showing the clash between activism and judicial minimalism on this proposed change.

Keywords: Burden of proof, reversal of the burden, the judge's discretion.

INTRODUÇÃO

A prova trata-se de instrumento importantíssimo para o processo, pelo que por meio dela todas as alegações feitas pelo o autor ou pelo réu são verificadas pelo juiz, tornando possível, assim, a reconstrução dos fatos que originaram tais conflitos. Tal instrumento é que permite ao juiz obter, certa segurança de sua decisão, o que vai facilitar metade de seu trabalho, uma vez ciente da realidade dos fatos, bastará aplicar ao julgamento as normas jurídicas pertinentes, decidindo a lide de maneira mais correta e justa. Assim, Gonçalves acrescenta:

Mesmo que o processo verse interesse disponível, há sempre um interesse público processual que justifica a determinação, de ofício, de uma prova útil à formação do convencimento: o interesse de que o juiz julgue da melhor forma, e preste à sociedade um trabalho adequado. (Gonçalves. 2011.p. 73).

 

É essencial, pois, que as provas sejam trazidas aos autos, pois, sem elas, julgar torna-se, na maioria das vezes, uma atividade inglória. Dizia BENTHAM: “A arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas”. (BENTHAM apud Didier Jr. 2012.p.18).

Compreendendo um pouco a história podemos perceber que a prova era utilizada de forma distinta, em relação a romanos e germânicos, o que com o passar dos séculos ocorrera várias simbioses nesse processo de “evolução” das provas no julgamento dos conflitos.

Os invasores procuraram impor a sua forma de solução de conflitos aos vencidos, que não se compatibilizava com o sistema romano. Neste, por exemplo, as provas destinavam-se a formar a convicção do juiz, que exercia a função estatal de dirimir um conflito de interesses. No direito germânico, o papel do juiz era mais reduzido, pois a sua decisão não era dada com base na própria convicção, mas no resultado mecânico da soma dos valores das provas. Cada uma tinha o seu valor, e aqueles que as apresentassem mais valiosas venceria a demanda, independentemente da convicção do juiz (prova legal e ordálias). O processo medieval foi caracterizado por essa simbiose entre o antigo direito romano e o dos bárbaros. (Gonçalves. 2011. p.40).

           

Ao olharmos para o Brasil podemos observar que hoje, alguns princípios orientam a produção de provas no processo de conhecimento, dentre outros se destaca o principio do livre convencimento motivado,

O sistema adotado no Brasil foi o da persuasão racional ou livre convencimento motivado. Cumpre ao juiz formar o seu convencimento livremente, examinando as provas produzidas. Mas essa convicção tem de estar embasada e fundamentada nos elementos que constam dos autos. Dispõe o art. 131, do CPC: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. (Gonçalves. 2011. p.78).

Diante desse panorama observa-se o requisito do ônus da prova e suas mudanças trazidas pelo projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010 e PL 8.046/2010), as atribuições do juiz em relação à dinamização do ônus da prova e até que ponto poderá ser utilizado de maneira positiva essa discricionariedade do juiz para o decurso do processo de conhecimento?

 

2 ÔNUS DA PROVA

 

Ônus da prova é o encargo de provar alegações feitas no processo e que necessitam ser reconstruídas pela via probatória para que o juiz as possa avaliar. PONTES DE MIRANDA (2006.p.762), corrobora: “O princípio do ônus da prova, segundo o qual certa figura do processo, é que tem o cargo de provar, para que seja criada, sob pena de sucumbir no processo”. É um encargo nitidamente dirigido às partes, no sentido de que elas são as responsáveis para apresentá-las. São os sujeitos do processo que deduzem tais provas em juízo. Sendo do interesse destes comprová-los. No tocante ao ônus da prova ser um encargo, Didier Jr. (2012, p.76) discorre que “Ônus é o encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação. Ônus, segundo Goldschmidt, são imperativos do próprio interesse, ou seja, encargos sem cujo desempenho o sujeito se põe em situações de desvantagem perante o direito”.

Diante desse fato, Fux destaca que a evidência do direito é indicada mediante o material probatório trazido pelo autor. Nessa perspectiva, os fatos fornecidos pela parte revelam ser evidente o direito que se busca demonstrar. Assim: “diz-se direito evidenciado ao juízo através das provas”. Concluindo que “sob o ângulo civil, o direito evidente é aquele que se projeta no âmbito do sujeito de direito que postula. Pelo prisma processual, é evidente o direito cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis”.

Afirma-se que a regra do ônus da prova se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram. Nesse sentido, a regra do ônus da prova é um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, definir o mérito. Tal dúvida deve ser paga pela parte que tem o ônus da prova. Se a dúvida paira sobre o fato constitutivo, essa deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário em relação aos demais fatos. (Marinoni. 2008. p.267).

 

Percebe-se que mediante o princípio da aquisição processual que a prova não faz parte a nenhum dos litigantes, antes será utilizada para dirimir as dúvidas do juiz no julgamento, sendo que a regra do ônus da prova mostra que tal encargo deve ser “pago” por aquele que tem o ônus de provar tais fatos.

Aprofundando mais o estudo vemos que o ônus da prova será entendido como formal ou material para alguns doutrinadores como é o caso de PONTES DE MIRANDA:

O ônus da prova pode ser formal ou material. O ônus formal concerne à obrigação, por exemplo, de mencionar os meios de prova (art. 282, VI). O ônus material consiste no caber a uma parte, e não à outra, o encargo de provar determinado fato ou determinados fatos. A legislação sobre meios de prova escapa ao direito processual; pertence ao direito material. O direito processual entra no espaço vazio que lhe fica, concernente ao conhecimento do juiz. O ônus de provar é pré-processual. A ação declaratória negativa (art. 40) não inverte ônus da prova: o ser negativa não a torna provocatio ad agendum. (Pontes de Miranda. 2006. p.1550).

 

Para outros doutrinadores chama-se de ônus subjetivo da prova esse “fardo” atribuído aos litigantes, como nos mostra CÂMARA, ou ônus objetivo da prova que é a regra de julgamento dirigida ao juízo em caso de insuficiência das provas:

A análise do ônus da prova pode ser dividida em duas partes: uma primeira, em que se pesquisa o chamado ônus subjetivo da prova, e onde se busca responder à pergunta “quem deve provar o quê?”; e uma segunda, onde se estuda o denominado ônus objetivo da prova, onde as regras sobre este ônus são vistas como regras de julgamento, a serem aplicadas pelo órgão jurisdicional no momento de julgar a pretensão do autor. (Câmara. 2011. p.357).

 

            Assim para evitar-se o non liquet, segundo a doutrina, o juiz utiliza-se do ônus da prova objetiva como um último refúgio para solucionar as dúvidas e responsabilizar aquele a quem cabia o ônus da prova pelos prejuízos da inexatidão dos fatos e a incompletude que permaneceu nos autos.

 

2.1 O atual código e o ônus da prova

           

O atual Código de Processo Civil preconiza que o ônus da prova é uma regra estanque descrita no art. 333: “O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

Ao autor incumbe a prova do fato constitutivo de seu direito e, ao réu, a do fato eventualmente impeditivo, modificativo ou extintivo do referido direito. No Direito processual brasileiro, a distribuição do ônus da prova é, em regra, feita pela própria legislação (sistema fixo) e serve como um parâmetro para a decisão judicial. Isso não significa que o magistrado não tenha liberdade para requerer provas e procurar formar livremente seu convencimento (CPC, art. 130). O que o art. 333 do CPC estabelece é: a) uma regra para as próprias partes (as quais deverão obedecer a norma para ter uma maior chance de êxito – b) uma regra de julgamento para o magistrado, ou seja, uma alternativa de solução da lide para os casos em que ele não consiga formar seu convencimento durante a instrução. (Dotti, 2014. p.556).

 

A lógica da regra é a de que o ônus da prova é um encargo à parte responsável por provar o fato alegado. Ainda que tenha havido um avanço por parte da doutrina e da jurisprudência e também a utilização da dinâmica da distribuição do ônus da prova no Código do consumidor o CPC ainda trata de maneira fixa a regra do ônus da prova.

Podemos observar que no - “Art. 130: Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias” – revela que o juiz poderá requerer as provas de ofício, no entanto não invalida o que é prescrito no art.333, CPC. Pois,

Além de deferir ou indeferir as provas requeridas pelas partes, tem o juiz o poder de requerer as provas que julgar pertinentes à formação de seu convencimento. Não se trata de substituição de atividade das partes - que possuem melhores condições de aferir as provas importantes à comprovação de suas alegações -, fato que poderia marcar a parcialidade do magistrado. Em verdade, deparando-se com alegações de fato notadamente relevantes para as quais não foram requeridas provas, terá o juiz o poder de requerê-las independente da qualidade do direito controvertido (direito disponível ou direito indisponível), com vistas a formar sua convicção e a viabilizar julgamento com segurança jurídica. (Filho. 2014.p.251).

 

Em outras palavras, provados todos os fatos da causa, o juiz não dará qualquer aplicação às regras de distribuição do ônus da prova. Se, porém, a investigação probatória for negativa, ou seja, quando os fatos não estiverem integralmente provados, aí sim as regras de distribuição do ônus da prova produzirão seus regulares efeitos. Nesse diapasão Didier Jr. (2012.p.82) colabora afirmando que o CPC adotou uma concepção estática do ônus da prova, que é distribuída sem uma observância das peculiaridades do caso concreto.

 

2.2 a dinamização do ônus da prova

 

A respeito da dinamização do ônus da prova a doutrina estabelecia que tal dispositivo devesse ser usado para favorecer o bom andamento do processo e consequentemente um julgamento mais eficaz da lide e, ainda que o art. 333 do CPC seja um dispositivo estático deve haver uma flexibilização em certos casos,  

É por isso que se diz que essa distribuição rígida do ônus da prova atrofia nosso sistema e sua aplicação inflexível pode conduzir a julgamentos injustos. Não se nega a validade da teoria clássica como regra geral, mas não se pode é admitir tal regra como inflexível e em condições de solucionar todos os casos práticos que a vida apresenta. (Didier Jr. 2012.p.95). 

 

No entanto, o que era defendido era que tal dinamização deveria ocorrer de forma casuística, pois a regra é a que está previsto no CPC em seu art. 333, todavia o projeto do novo CPC traz uma mudança nesse entendimento,

Enfim, de acordo com essa teoria: i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente: ii) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); iv) não é relevante a natureza do fato probando ou o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a prova. (Didier Jr. 2012.p.97).

A análise da distribuição de modo diverso do ônus da prova procede a critério do juiz, mostrando que era necessária uma mudança, no que tange ao processo, para uma perspectiva democrática e de uma reconstrução do provimento jurisdicional pelos demandantes do processo para que pudessem estar em paridade de armas. Pelo que assim, esboça o Art. 7º do projeto do novo CPC: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório”.

Esse preceito contido no art. 7º do Projeto é bastante abrangente. Seu objetivo é garantir a concretização do princípio da isonomia no processo, mas não fica só aí vai além visa impedir que a isonomia material não viesse a ser aplicada somente de forma esporádica e em situações isoladas. O que se quer é universalizar uma prática que, hoje, no ordenamento jurídico vigente, é casuísta.

Moderna doutrina tem afirmado a possibilidade de uma distribuição dinâmica do ônus da prova, por decisão judicial, cabendo ao magistrado atribuir o ônus da prova à parte que, no caso concreto, revele ter melhores condições de produzi-la. Busca-se, com isso, permitir que o juiz modifique a distribuição do ônus da prova quando verifique que este impõe a uma das partes o ônus de uma prova “diabólica” (isto é, de uma prova de impossível produção). Neste caso, por decisão judicial, inverte-se o ônus da prova e se atribui tal ônus a quem tenha melhores condições de produzi-la. Só se justifica esta distribuição dinâmica do ônus da prova, frise-se, quando a parte a quem normalmente incumbiria o ônus não tenha sequer condições mínimas de produzi-la. Deste modo, a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova se revela como uma forma de equilibrar as forças na relação processual, o que nada mais é do que uma aplicação do princípio da isonomia. (Câmara. 2011. p.360).

 

Dessa forma, a doutrina tentava preencher uma lacuna deixada pelo dispositivo da lei em que diante de casos concretos tal ferramenta legal era insuficiente para dar respostas satisfatórias fazendo com que o direito processualista brasileiro fosse deficiente nesse caso específico.

 

3 PROJETO DO NOVO CPC E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

 

Mediante o que temos visto o projeto do novo Código de Processo Civil vem suprir a falta de um dispositivo claro e flexível no que concerne a dinâmica do ônus da prova. A distribuição do ônus da prova continua como no atual Código, ao dispor, no artigo 357 do projeto, inciso I - que ao autor cabe a prova dos fatos constitutivos de seu direito e no inciso II – que ao réu cabe a prova quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Tal mudança se observa no caput desse mesmo artigo quando dispõe que os ônus da prova são das partes, ressalvando os poderes do juiz, o que parece ser o salvo-conduto para a inversão do ônus da prova baseada na discricionariedade do juiz, estabelecendo-se pelo artigo subsequente o qual normatiza os requisitos da redistribuição do ônus da prova que são: a) o juiz deverá observar as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato; b) ao inverter, deverá fundamentar as razões; c) imporá à parte que tem melhores condições de produzir a prova a fazê-la.

O §1º do artigo 358 regula a questão referente ao prazo, dizendo que este deverá ser razoável para que o demandante cuja inversão da prova for colocada tenha possibilidades reais de produzir tal prova, firmando-se, assim, nas recomendações constitucionais do princípio do contraditório e da ampla defesa. O §2º diz que aquelas provas cuja inversão não ocorreu devem ser produzidas segundo foi estabelecido pelo artigo 357, de que cabe ao autor os fatos constitutivos e ao réu os fatos impeditivos, modificativos e extintivos.

No artigo 359 o dispositivo trata acerca das nulidades relacionadas às convenções concernentes a prova que não podem ser realizada, pois nulas são. São elas: no inciso I quando a prova recair sobre direito indisponível da parte; no inciso II quando para provar um fato tornar excessivamente difícil de realização para aquele que for incumbido de tal ônus.

Assim expressa e normatiza o projeto do novo CPC:

Art. 357. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Art. 358. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§ 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 357 deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.

Art. 359. É nula a convenção relativa ao ônus da prova quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Parágrafo único. O juiz não poderá inverter o ônus da prova nas hipóteses deste artigo

 

Diante disso, fica clara a proposta do novo Código de Processo Civil que é a de possibilitar a igualdade substancial entre os demandantes de modo que venha estabelecer certa equivalência entre a prova e a condição da parte, não dependendo da posição processual em que se encontra o conflitante ou da real natureza do fato que está sendo alegado em juízo. Assim, Marinoni e Daniel Mitidiero colaboram no entendimento de tal proposta que esse projeto traz:

Trata-se de técnica processual que visa a densificar o direito ao processo justo e à tutela adequada no processo civil. A dinamização do ônus da prova como regra do CPC é compatível com a Constituição Federal, porquanto inserida no contexto do direito fundamental à prova e da efetividade do processo. (MARINONI & MITIDIERO, 2010. p.103).

 

                   No tocante a essa mudança podemos crer que será um ganho para o direito processualista brasileiro esse dispositivo ora estudado, pois diluirá as interpretações conflituosas e, ainda, a dinâmica do ônus da prova não terá somente como fundamento a doutrina e alguns princípios, mas também o próprio texto da lei que discriminará tal possibilidade de ocorrer essa inversão do ônus da prova no processo de conhecimento.

 

3.1 O poder discricionário do juiz e as divergências doutrinárias.

 

            A relação que haverá entre o ônus da prova e o poder do juiz no processo, proporcionado pelo novo CPC, tem trazido algumas divergências no que diz respeito a essa inversão do ônus ocorrer a critério do juiz. Segundo o projeto o juiz poderá impor a outra parte o encargo do ônus da prova. No entanto, Conforme o Código atual se entende por meio da teoria do ônus da prova que o juiz tem um papel menos ativo e de acordo com essa teoria tradicional, a atividade do juiz consiste, na fase instrutória, pela sua subsidiariedade.

Podemos, assim, observar que o instituto da inversão do ônus da prova, sem a presença de qualquer critério bem definido para a sua imposição poderá não somente ser um utensílio importante para o juiz dirimir dúvidas vitais ao processo, mas também poderá ser um instrumento de abuso, por meio do qual se tomará decisões arbitrárias. Logo, os critérios de inversão do ônus da prova devem ser bem definidos pelo legislador e de maneira específica não oportunando para o juiz a decisão de maneira genérica e abstrata, como preconiza o projeto do novo CPC. Diante disso BALESTERO (2012, p.52) faz uma crítica a esse papel ativista do juiz: “Portanto, ao mesmo tempo em que se tenta reforçar a cognição, redefinir o princípio do contraditório, é ampliado o próprio papel do magistrado como gestor do julgamento do caso concreto, não apresentando um equilíbrio em tais papéis”.

Tal fenômeno é assim apelidado de ativismo judicial,

Assim, sendo um movimento contrário a tal postura, o “ativismo judicial” exige que os juízes sejam atuantes no sentido não apenas de fazer cumprir a lei em seu significado exclusivamente formal, mas exige audácia na interpretação de princípios constitucionais abstratos tais como a dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade, reivindicando, então, para si a competência institucional e a capacidade intelectual para fixar tais conceitos abstratos, atribuindo significado preciso aos mesmos, concretizando-os, bem como julgar os atos dos outros poderes que interpretam estes mesmos princípios. (Vicentini. 2013. p.01-04.)

 

            Caracteriza-se, com isso, como uma atitude perigosa onde esse ativismo poderá contribuir para a deformação e diluição da tão, almejada, segurança jurídica. Dessa forma contribui STRECK:

Forma-se, desse modo, um círculo vicioso: primeiro, admite-se discricionarismos e arbitrariedades em nome da ‘ideologia do caso concreto’, circunstância que, pela multiplicidade de respostas, acarreta um sistema desgovernado, fragmentado [...] (STRECK apud BALASTERO, 2008, p.110-111).

                  

                   Entretanto, alguns defendem que na realidade o processo civil vive, no atual momento histórico, um movimento de franca expansão dos poderes do juiz na condução do processo, fazendo coro a vários países que ampliaram recentemente a intervenção do juiz no processo. O que se vê em relação ao tema do ônus da prova é exatamente isso uma concessão de poder para que o juiz defina casuisticamente como o distribuirá. Assim, esta ampliação de poderes do juiz não é perniciosa; pelo contrário, é salutar e visa reequilibrar as forças entre os litigantes, instaurando um processo mais igualitário e paritário.

Barbosa Moreira, em trabalho a ser brevemente publicado, observa que está equivocada a ligação que alguns autores estabelecem entre governos autoritários e a atribuição de maiores e mais intensos poderes ao juiz, dizendo que, em regimes políticos que tendem ao totalitarismo, o mais comum é que se fortaleçam poderes do executivo e não do Judiciário. (Moreira apud Wambier, 2012.p.5).

 

                   Nesse diapasão, os embates são travados frente aos argumentos dos doutrinadores que defendem o ativismo jurídico contra os que apoiam o minimalismo judicial entre eles se encontra o projeto do novo Código de Processo Civil com as suas várias mudanças dentre elas a dinâmica do ônus da prova que traz a possibilidade de inversão desse ônus a critério do julgador. Tal possibilidade já era defendida por grande parte da doutrina e já aplicada no Código do Consumidor, todavia busca-se critérios bem definidos para que essa possibilidade não surja somente, e tão somente, dos poderes discricionários do juiz, mas de parâmetros legais já estabelecidos e, ainda mais, de diálogos entre as partes para o melhor andamento do processo e por fim uma decisão que se aproxime o máximo possível da justiça esperada pelas partes e que será proporcionada pelo judiciário.

 

 

 

 

 

 

 

Considerações Finais

 

                   A análise do ônus da prova leva-nos a entendermos esse instrumento como um encargo o qual incumbe uma das partes para provar as suas alegações sob pena de sucumbir no processo, todavia o entendimento gira em torno da divisão desse ônus em duas partes: uma primeira, em que se pesquisa o chamado ônus subjetivo da prova, e onde se busca responder à pergunta quem deve provar os fatos; e uma segunda, onde se estuda o denominado ônus objetivo da prova, onde as regras sobre este ônus são vistas como regras de julgamento, a serem aplicadas pelo órgão jurisdicional no momento de julgar a pretensão do autor.

                   A doutrina vê o art.333, CPC como um dispositivo estático mesmo assim recorre-se em certos casos a teoria da dinâmica do ônus da prova onde se torna possível a inversão desse ônus. No tocante a essa inversão surgi o projeto do novo CPC (PLS 166/2010 e PL 8.046/2010), que traz essa mudança esperada pela maioria dos juristas.

                   Porém, com esse projeto resurgi também a discussão sobre o poder discricionário do juiz em relação a esse dispositivo processual, pois segundo o art. 358 desse projeto a inversão do ônus da prova ficará a critério do julgador. Alimentando, assim os debates sobre o ativismo judicial e o minimalismo jurídico.

                   Observa-se, contudo, que se torna necessário maior participação, não só do juiz, mas, também, das partes as quais estão nesse processo de busca de uma solução para a sua lide e que essa participação possa ser de maneira mais igualitária e justa possível. Esse é o desafio que o judiciário deve enfrentar, e demonstrar maior segurança jurídica, principalmente no que tange a dinâmica da inversão do ônus da prova.       

 

REFERÊNCIAS

 

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CÂMARA DOS DEPUTADOS Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6025, de 2005, ao Projeto de Lei nº 8046, de 2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do "Código de Processo Civil" (revogam a Lei nº 5.869, de 1973) - PL6025/05.

 

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KLIPPEL, Rodrigo. O juiz e o ônus da prova no projeto de novo código de processo civil. Disponível em: <www.editorajuspodivm.com.br/i/f/343%20a%20352.pdf>. Acesso em: 27 de outubro de 2014.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento – 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários do Código de Processo Civil. 2ª Ed, t.. III Rio de Janeiro, Forense, 1958, p.281. In Zanetti, Paulo Rogério, Flexibilização das regras do ônus da prova, São Paulo: Malheiros, Edição 2011.

 

VICENTINI, Fernando Luiz. Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3633, 12 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 23 de Outubro de 2014.

 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre o ônus da prova. In. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em: . Acesso em: 23 de Outubro de 2014.

 

[1]Artigo apresentado à disciplina de Processo do Conhecimento II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2]Alunos do 5º Período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3]Professor Esp., orientador.