A DECADIALÉTICA DE MÁRIO FERREIRA DO SANTOS: O USO DA DIALÉTICA COMO MÉTODO PARA ANALISAR A REALIDADE CONCRETA

RAFAEL LUIS BOEMO, filosofia (UNISUL)

ANA PAULA SERAFINI IMMICH, professora de Engenharia Têxtil, UFSC, SC

RAFAEL LUIS BOEMO

RESUMO:

A decadialética de Mário Ferreira dos Santos pretende ser um método eficaz na análise dos fatos da realidade já que busca encontrar e respeitar todas as posições racionais em conflito, todas as vias opositivas da realidade possíveis de serem solucionáveis. Não tem, no entanto, como eixo principal, uma síntese dialética total tais como pretendiam Hegel ou Marx, até porque a decadialética trabalha dentro de conceitos antinômicos trágicos, ou seja, conceitos opositivos que não se sintetizam em um único argumento globalizante mas sim que se dialogam e buscam solucionar conflitos. A exposição da decadialética criada pelo filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos o faremos através de duas obras fundamentais do autor brasileiro: Lógica e Dialética (DOS SANTOS, 1959) e Métodos Lógicos e Dialéticos (DOS SANTOS, 1962). O artigo pretende assim demonstrar através dessas duas obras essenciais de Mário Ferreira dos Santos que a decadialética é um método de análise filosófica importante e extremadamente útil como ferramenta filosófica para a análise de ideias ou argumentações filosóficas..

PALAVRAS-CHAVE:

Dialética ; Decadialética; Hegel; Pensamento Concreto; Mário Ferreira Dos Santos; Marx.

INTRODUÇÃO

O autor ao qual exporemos a metodologia dialética de dez campos ou decadialética, Mário Ferreira dos Santos, foi um dos grandes pensadores brasileiros, mas no entanto um dos mais desconhecidos intelectuais do século passado. Mesmo permanecendo fora do círculos acadêmicos durante toda sua vida, realizou uma obra das ciências humanas e filosóficas monumental, composta de 45 obras, que ainda hoje nos impressionam pela amplitude de áreas e objetivos traçados (WIKIPEDIA, 2017). Devido a essa monumentalidade é difícil resumirmos todas as contribuições filosóficas de Mário Ferreira dos Santos, mas podemos enfatizar algumas propostas concretas concebidas pelo autor: a criação de um sistema filosófico completo: a filosofia concreta, ressaltada pelo livro homônimo Filosofia Concreta (DOS SANTOS, 1957); a qual proporcionaria consequentemente a construção de uma filosofia considerada superior, a Mathesis Magiste, considerando a filosofia como a sabedoria dos princípios, aos moldes do pitagorismo que o autor tanto admirava e que retratou de forma exata e genial na obra “Pitágoras e o Tema do Número” (DOS SANTOS, 2000); e por último e não menos importante, a metodologia decadialética que embora se concretizasse unicamente como método de análise filosófica, serviria como base estruturante para todos os demais estudos filosóficos de análise e objetivação da realidade, estando esta metodologia plenamente estabelecida em duas obras fundamentais: Lógica e dialética (DOS SANTOS, 1959) e Métodos Lógicos e Dialéticos ( DOS SANTOS, 1962).

Mas antes de começarmos com a decadialética e com suas correntes ao longo da história, vamos conceituar brevemente a dialética, principalmente através daquela conceituação que cremos adequada aos objetivos traçados por Mário Ferreira dos Santos. O termo dialética se pode conceituar de várias maneiras e como diria o professor catedrático catalão Josep Ferrater Mora “de forma que no podemos tener un sólo significado para la dialéctica, pero sí tenemos que desplegar todos los sentidos posibles a lo largo de la historia de la filosofia” (FERRATER MORA, 2009, pg.866). Assim sendo, sua própria aceitação filosófica é dúbia e às vezes obscura, devido as acepções que foi tomando ao longo da história do pensamento filosófico. O mesmo Mário Ferreira dos Santos assume a existência de sentidos pejorativos como a “arte de enganar” e até de sentidos eminentes como “a arte de esclarecer”, de descobrir a verdade. Também podemos estudar etimologicamente a palavra dialética como derivada da palavra grega dialektiké, a arte da discussão, buscando-se de diá, étimo grego que significa reciprocidade com alethéia que significa a verdade dos gregos, ou seja, “a iluminação que desvenda os lados obscuros entre as ideias, vendo plenamente a beleza real das coisas” (DOS SANTOS, 1959, pg.89). Mas a modo de análise filosófica, Mário Ferreira dos Santos toma a última acepção como base estruturante conceitual da sua decadialética, a ideia positivada da ciência mais elevada por ser uma arte do esclarecimento racional, já que através dela há uma real discussão epistêmica entre ideias eminentes com força intelectual, um embate no qual se encontrariam soluções às ideias dissonantes ou até entre pensamentos opostos, ou seja, uma arte de esclarecer entre embates racionais de pensamento e que descobre ao final a verdade.

Por outro lado, não podemos esquecer que esclarecer ideias ou conceitos sem dúvida alguma é um dos maiores objetivos da filosofia. Assim sendo, o espanto aristotélico frente ao desconhecido ou frente a sua descoberta, perpassa por vários estágios de perplexidade e contraposição de ideias. Somente através de uma análise filosófica que busque contrapor todas as racionalidades existentes ao longo da história da filosofia, será possível determinar os caminhos de um real pensar filosófico seguro e sólido. A decadialética de Mário Ferreira dos Santos pode ser uma proposta segura nesse pensar concreto, já que cremos que intenta analisar a realidade concreta, fractal, polissêmica, sobre todos inúmeros olhares analíticos buscados pelos vários temas e os sistematiza de forma coerente e racional.

Para concretizar a decadialética, por outro lado, Mário Ferreira dos Santos buscava trazer a tona todas as heranças e experiências da filosofia ocidental, desde os pensadores gregos, assim como a rigidez performática dos escolásticos, como a síntese hegeliana e até a mesmo o realismo marxista do materialismo dialético (DOS SANTOS, 1959), tanto que na sua obra Lógica e Dialética (DOS SANTOS, 1959), refaz toda a história do pensamento dialética na filosofia ocidental, buscando estabelecer todas as contribuições de cada período. Mas por outro lado, a decadialética não pretende ser definitiva e unívoca, até porque Mário Ferreira dos Santos demonstra claramente que a dialética conversa com a história, não é dogmática nem finalista, ou nas palavras do próprio autor: “A Dialética., como entendemos hoje, é uma disciplina nova, ainda em fase a formação, ainda adolescente, e, por isso, sujeita a muitas experiências e erros” (DOS SANTOS, 1959, pg. 132). Assim sendo, o autor brasileiro busca criar um método que que seja capaz de analisar fielmente todos e qualquer argumento, seja teorético, ideológico ou da realidade, mesmo sabendo das dificuldades inerentes ao próprio método.

Nosso artigo se inicia no entanto como uma análise geral histórica da dialética com quatro pensadores que cremos essenciais para o status quaestionis do tema: Heráclito, Platão, Hegel e Marx; e a posteriori examinaremos as possíveis contribuições da decadialética nesse processo, assim como faremos uma breve demonstração de como funciona a estruturação dos 10 campos dialéticos de Mário Ferreira dos Santos na sua filosofia concreta. Como bem menciona Mário Ferreira dos Santos: “O raciocínio dialético estrutura-se no que há de firme na lógica clássica, sem abandonar o que há de útil na Dialética, mas evita cair no terreno movediço, por intermédio da inconsistência” ( DOS SANTOS, 1962, pg.133), ou seja, veremos que a decadialética dialoga com a lógica, a disseca, a adiciona, buscando criar novas possibilidade de pensamento e análise...