Por Que a Prensa se Tornou a Paladina da Liberdade? Qual Livro Foi Considerado o Primeiro Atlas Geográfico Moderno? Por Que os Marinheiros Eram Naturalmente Conservadores na Aceitação de Novas Ideias? Como o Atlas Tornou a Procura de Conhecimentos Num Empreendimento Cooperativo?

Durante a Idade Média a Igreja tinha um poder demoníaco para desvendar o Mundo e difundir o conhecimento de descobertas em embalagens práticas e muitos mapas impressos seguiam para todos os lados. Pelo poder de multiplicar o produto a prensa se tornou uma paladina da liberdade, proporcionando uma variedade de canais e ideias perigosas. Uma vez feito o trabalho pela prensa, não havia força na Terra capaz de apagar a mensagem. Uma obra impressa posterior podia contradizer a anterior, mas nunca apagá-la. Queimadores de livros e censores sempre travaram uma batalha perdida. 

Ao contrário dos manuscritos que exigiam somente pena, papel e tinta, um livro impresso requeria investimento de capital e, além disso, era necessário grande sortimento de tipos e uma prensa. A preparação de uma xilogravura para um mapa impresso era dispendiosa e, por isso mesmo, os impressores de livros e de mapas estavam investindo no futuro. Eles não abandonariam facilmente o seu produto, mesmo que as ideias passassem de moda ou os mapas fossem revistos por novas descobertas. 

Os mercadores de mapas tinham um interesse pessoal na informação obsoleta. A sede da produção de mapas na Europa se deslocava para o lugar a tecnologia estivesse mais avançada. Depois de 1550, quando os melhores mapas começaram a ser calcogravados ([1]) em vez de xilogravados ([1]) em vez de xilogravados ([2]), o centro da produção de mapas europeu se transferiu para os Países Baixos, onde havia os melhores gravadores de linhas. 

Os marinheiros eram naturalmente conservadores e lentos na aceitação de novas ideias e, além disso, eles relutavam em aceitar um novo continente ou um novo oceano. Entretanto, os portulanos e as cartas de navegar só muito lentamente começaram a ser impressos. No século XVII, os pilotos europeus continuavam a desconfiar das cartas impressas e preferiam as traçadas à mão, porque lhes eram familiares. 

 

Não obstante a relutância dos marinheiros, a feitura de mapas rapidamente se tornou um grande negócio – pelos padrões da época – e, menos de 20 anos depois da Bíblia de Gutenberg, saiu a 1ª edição da volumosa “Geografia” de Ptolomeu, à qual se seguiram numerosas outras. Gerardus Mercator foi o mais influente daqueles que aproveitaram a oportunidade. Os geógrafos cristãos que colocavam Jerusalém no centro da sua visão do mundo tinham se preocupado mais com guiar os fiéis para a salvação do que ajudar os marinheiros a chegar ao porto seguinte. Mercator transformou o mundo dos mapas, preparou-os para a nova idade secular. 

A cosmografia se tornou geografia e a conveniência de mercadores, de militares e de navegadores passou a ser servida não apenas por cartas costeiras, mas também por novas imagens de todo o planeta. O extraordinário feito dele foi a chamada “projeção Mercator”, pois até então os marinheiros tinham dificuldades em traçar suas rotas numa carta porque as cartas não consideravam que a Terra era  esférica. Nela, os meridianos convergiam para um ponto nos polos. 

Como podia um segmento dessa esfera ser posto num papel para que um marinheiro pudesse traçar o rumo indicado pela bússola em linha reta? Mercator descobriu uma forma de consegui-lo, imaginando as linhas longitudinais como sendo cortes na casca de uma laranja e, depois disso, ele retirou segmentos como se fossem elásticos, esticou as pontas estreitas e alargou-as de forma a transformar cada segmento num retângulo em contato com o seguinte do topo à base. Toda a casca da esfera – que representava a superfície da Terra – se tornou num único retângulo, com meridianos de longitude paralelos uns aos outros do polo norte ao polo sul. 

Mercator nos deixou a mais autêntica edição ainda existente dos mapas de Ptolomeu. As edições anteriores deste tinham incorporado as “melhorias” próprias de cada editor e, definindo o que o próprio Ptolomeu descrevera, Mercator demonstrou como essa imagem deveria ser corrigida. Ele revelou uma espantosa noção moderna da história quando da sua edição de 1578 ofereceu – intatos – 27 dos próprios mapas de Ptolomeu, juntamente com uma versão mais exata do texto da sua “Geografia”. 

Amigo de Mercator o jovem Abraham Ortelius possuía talento empreendedor e, ao contrário do seu mestre, Ortelius chegou à cartografia não através da astronomia, mas por ter lidado com mapas como mercadorias. Aos 20 anos já ilustrava mapas a fim de manter a mãe, acabando por se tornar negociante, comprando mapas – que as irmãs montavam em linho – e colorindo-os para vendê-los em Frankfurt. 

Com a expansão do seu negócio Ortelius começou a viajar para as Ilhas Britânicas, Alemanha, Itália e França, comprando os mapas locais e vendendo os seus próprios ilustrados. Desse modo, reunia os melhores mapas em uso em toda Europa, os quais levava para sua sede em Antuérpia. Naquela época, os mercadores de Antuérpia tinham necessidade de mapas confiáveis, dos quais constassem os resultados mais recentes das guerras religiosas e, sem eles, não podiam planejar as rotas mais curtas e menos arriscadas para suas mercadorias.

Um dos empreendedores da época – Aegidius Hooftman – prosperou graças a ter-se mantido bem informado e colecionado as melhores cartas e mapas em uso, de todos os tamanhos. Os mapas grandes só podiam ser utilizados desenrolando-os, mas as letras eram pequenas e por isso tornavam os nomes dos lugares quase ilegíveis. 

Sendo assim, Hooftman persuadiu Ortelius a procurar os mapas mais dignos de crédito, com dimensões uniformes. Os mapas escolhidos teriam de ser impressos numa folha de papel com cerca de 70 cm X 60 cm, que era o maior tamanho produzido pelos fabricantes da época. Depois 30 desses exemplares podiam ser unidos e encadernados como um livro, em um formato conveniente para arrumação e fácil para seu uso. 

Quando fez isso para Hooftman, Ortelius criou uma nova espécie de livro, o qual foi considerado o primeiro atlas geográfico moderno. A ideia pareceu tão boa que ele preparou mais livros do mesmo gênero para o mercado e, ajudado por Mercator, ele reuniu os melhores mapas reduzindo-os às dimensões padrão e obteve a colaboração de Christophe Plantin, cuja tipografia fazia alguns dos melhores trabalhos da Europa. 

O atlas de Ortelius obteve um sucesso comercial imediato e, passados 3 meses, impôs-se a 2ª edição e depois o texto latino foi traduzido para o holandês, alemão, francês, espanhol, italiano e inglês. Ele conquistou fama, fortuna e aconselhou os melhores geógrafos da época na Europa. Depois de atestada sua ortodoxia católica, ele foi nomeado geógrafo do rei Felipe II da Espanha. 

O frontispício ([3]) do atlas de Ortelius apresentava pela 1ª vez quatro figuras humanas, uma para cada um dos continentes, que passavam a incluir a África. Os frontispícios das edições de Ptolomeu tinham apenas três – para a Europa, Ásia e outra para a África – e a disposição geral do livro era a “costumada”. Isto é, 1º um mapa do Mundo, depois um mapa de cada continente conhecido e a seguir mapas de países e regiões. 

Ainda não totalmente liberto de Ptolomeu, Ortelius continuava a apresentar o lendário continente austral ptolomaico – que se estendia a partir de polo sul – e o reino do irreprimível Preste João. Apesar disso, contribuiu muito para libertar os autores de mapas dos erros mais grosseiros de Ptolomeu. Dessa forma, o atlas tornou a procura de conhecimentos num empreendimento cooperativo e, assim como o relógio portátil tornou o tempo do mundo acessível a todos, milhões de pessoas puderam compartilhar uma visão do espaço do mundo quando os atlas se tornaram portáteis.