O Rural a perigo: Uma crítica ao sanitarismo
Por Fernanda Elisa de Oliveira Venturini | 11/11/2013 | SociedadeBem, como cidadã Restinguense, formada por instituições públicas, me sinto na obrigação de expressar algumas palavras que talvez não estejam conectadas com a atual legislação sanitária do país e do estado, a qual também está sendo rediscutida a algum tempo por pressão das ONGs e movimentos sindicais, pois estes não são beneficiados, como as grandes industrias. Estas organizações em geral propõem um desenvolvimento muito mais endógeno do que exógeno.
Aglomero estas palavras por entender que o rural não é apenas arroz, soja, milho e pecuária. Penso que vai além, existem criações nativas, existem sementes crioulas, existem rios, hortaliças, frutas dos mais diversos tipos e principalmente existem pessoas que vivem lá, algumas delas a muitos anos extraindo da terra seu sustento, sua reprodução social.
Sabemos e não desconhecemos a importância de zelar pela saúde pública em hipótese alguma, ofertando um alimento seguro à população, manipulando os alimentos de forma correta, evitando microorganismos patogênicos, contaminação física (como pêlos, por exemplo) e química (como soda, por exemplo).
Mas pergunto, a forma como a legislação sanitária atual e seu conjunto de normativas e resoluções, institucionaliza agroindústrias familiares rurais tem cumprido com o papel de trazer segurança ao consumidor???? Acredito que não totalmente, se assim fosse os legalizados, ou seja, aqueles que possuem aval legal não apresentariam problemas com higiene nos alimentos, como mostram frequentemente as emissoras de rádio e televisão do país, dentro de grandes frigoríficos, laticíneos dentre outros.
Não sejamos hipócritas em pensar que toda essa conversa por trás da alegação da segurança do produto para o consumidor é a principal, sabemos que é importante a legalização de todo e qualquer empreendimento para encher os cofres públicos.
Se a preocupação maior fosse realmente a segurança do consumidor, o trabalho seria muito mais de uma construção de base sólida a partir de boas práticas de fabricação e higiene do manipular e dos equipamentos, do que procedimentos de 1952, copiados de uma legislação externa e que não garantem a qualidade do produto. Principalmente se pensarmos em qualidade ampla, ou seja, qualidade sanitária, ambiental, nutricional.
Mas enfim... o que garante a qualidade de um alimento? Será que são os procedimentos impostos por uma legislação copiada de outras realidades e perfeita para grandes indústrias? Ou será, a manipulação utilizando Boas Práticas de Fabricação e Boas práticas agropecuárias, com qualidade de matéria prima e higiene!!!
Temos que pensar a respeito... e expressar nossas opiniões, pois só assim consegue-se construir algo diferente. Provocar situação generalizada de medo ás famílias produtoras não resulta em nada pró.
Atualmente milhares e milhares de produtos são postos no mercado sem nenhum tipo de controle, produtos que podem estar trazendo microorganismos causadores de doenças letais, sim. Mas será que é melhor ter algum tipo de controle ou nenhum o controle? Pois o que ocorre hoje é um completo descontrole por enfrentar a situação de forma punitiva. Os registros desconhecem os informais, só possuem algum tipo de assistência quem é legal. A informalidade nunca terminará, no meu entender, ela é um processo, porque a nossa legislação sanitária, tributária e ambiental que regem as agroindústrias familiares rurais não acompanha esse processo.
Esse não é o caminho em minha opinião. Não tenho a receitinha de bolo, assim como muitos dos meus colegas que discutem a causa há muitos anos. O que vemos são experiências onde houve o comprometimento e respeito de ambas as partes terem resultados positivos.
A mediação e equilíbrio das situações agindo com bom sendo, é um dos mais importantes fatores que contribuem com o desenvolvimento local e regional.
Aliás, o que estamos buscando, desenvolvimento ou crescimento do rural?? Desenvolvimento parte de propostas discutidas com a sociedade/comunidade e não impostas, de cima para baixo. Estamos sendo coniventes com uma legislação injusta e marginalizadora ao não nos pronunciarmos.
Em setembro de 2012 participei de uma oficina em Brasília sobre “Normas sanitárias para alimentos de produção artesanal familiar e comunitária: limitações e potencialidades”. Foram 4 dias de intensa discussão do que é valido para as partes (estado e sociedade civil) no sentido de se chegar um acordo na presença do MAPA, ANVISA e comunidade civil, obviamente que não se chegou a um acordo, mas originou-se um documento em busca de uma legislação diferenciada para um público diferenciado. Informações na pagina http://www.ispn.org.br/ .
O fato é que alguns avanços pequenos estão sendo realizados por pressão social, a ANVISA, destinou uma cadeira à representantes da agricultura familiar e até dia 30/10/2013 estava aberta uma consulta pública n° 37, de 26 de agosto de 2013, com o objetivo de apresentar novas propostas de procedimentos fiscais.
Mas infelizmente a questão mais relevante de toda essa discussão é o pilar social, onde estão envolvidas as agroindústrias familiares que podem ser artesanais, caseiras, genuínas ou de pequeno porte, enfim tantas nomenclaturas para dizer que são diferentes, e os diferentes devem ser tratados de forma diferente para não sucumbirem neste sistema em que habitamos. E os saberes seculares envolvidos na produção de alimentos artesanais, vamos joga-los no lixo depois de toda a apropriação e modificação que as grandes indústrias fizeram. Será que isto é crescimento ou desenvolvimento?? E crescimento de quem e pra quem?
A alegação dos órgãos fiscalizados somente em cima da segurança dos alimentos não se sustenta mais. Estão aí os transgênicos, os conservantes, os resíduos de agrotóxicos será que as grandes indústrias envolvidas no sanitarismo puro trazem segurança ao consumidor com tantos aditivos, corantes, acidulantes, aspartame, nitritos e nitratos, trazem?? Eis o nosso questionamento.
Estamos falando de agricultura familiar, estamos falando de mercado de proximidade, por isso podemos sim tratar estes produtos de forma diferenciada, não é pra durar 20 anos na prateleira, é sim para ter um consumo mais rápido, para alimentar de fato populações locais regionais. E as feiras, por que não!?
Isto é pressão política e econômica que se faz com os marginalizados há muitos anos neste país e se não buscarmos dar um basta nesta situação se articulando, se mobilizando em prol da classe nunca conquistaremos nada diferenciado da atual realidade.
Quanto mais livre de microorganismos estivermos, mais susceptíveis a eles estaremos, exemplo disto não precisamos ir longe buscar, uma simples gripe matou milhares de índios quando o contato com o homem branco. Outro exemplo são nossas crianças, quanto mais assépticas a deixamos, mais risco correm ao entrar em contato com microorganismos. E assim está caminhando a população mundial, para um sanitarismo incontrolável que vai nos matar dentro farmácias e hospitais.
Eu quero um alimento seguro, que não mate nem por falta nem por excesso microorganismos. Tem que haver um equilíbrio disto!! Eu quero sim poder comprar um queijo colonial arraigado de cultura, um salame colonial repleto de saber fazer, um doce em calda, um vinho da colônia de qualidade com sabor, com cor, com aroma natural que transmita saúde e que contribua para o desenvolvimento das comunidades rurais do meu município.
Alguns podem achar utópico todo esse discurso, confesso que em alguns momentos da vida eu também achei, mas descobri que não escrevo para alguns escrevo pela maioria.
Fernanda Venturini
Tecnóloga em Agroindústria - UERGS
Mestranda em Extensão Rural – UFSM