Falar sobre modernidade é algo que designa duas perspectivas, uma primeira que remete o seu significado de moderno ao avanço tecnológico, principalmente após a revolução industrial e os tempos de pré-guerra e pós-guerra, com novas técnicas de produção galgadas pelo capitalismo e a “preservação da vida” pelos avanços da medicina, aumentando o tempo médio de vida das pessoas. O segundo enfoque de modernidade é que jamais fomos modernos (Latour, Bruno, 1994) apenas nos consideramos superiores (falando aqui, especificamente dos ocidentais e europeus) em relação às outras culturas, alçaram nossos valores como fonte a ser seguida, classificando o mundo em bom ou ruim, bem ou mal, em avançado e atrasado, mas sempre a partir de nossos princípios, de nossa cultura, desta maneira, os africanos e indígenas são um povo que “não evoluiu”, entre outras minorias que são menosprezadas.
Mas se tratando do texto de Zygmunt Bauman (1999) e suas observações sobre a modernidade, visualizamos a consolidação da razão (Kant, Emmanuel, 2001) como sendo um modelo de civilidade, certo e digno de respeito, a ciência legisladora, ou seja, se for cientificamente aprovado nos remonta a pensar que está certo, que é o caminho, que não demanda mais de aprovação, pois a ciência consolida ou não determinadas práticas, os processos de eugenia eram aprovados e compartilhados no meio científico, os deficientes apenas traziam despesas ao Estado, os números e estatísticas provavam que os mesmo eram improdutivos, portanto, não era lhes atribuído mérito para permanecer na sociedade, isso precisava ser contido, bloqueado, antes mesmo de nascer, para não onerar a civilização que precisaria despender recursos e atenção aos “ociosos”.
Como bem sinalizado pelo autor, a personalidade de Hitler e suas práticas perversas não eram sinais de irracionalidade ou mesmo de selvageria, pelo contrário, a sociedade de época comungava dos significados científicos de modernidade, como foi reportado no parágrafo anterior, o povo ariano, idealizado, não foi um produto de exclusividade de Hitler, muito menos algo excêntrico, bem antes dele, existiam estudos provando a “eficácia”, os “benefícios” de se ter um “povo totalmente ariano”, ou a “boa genética”, pensava-se que os ditos “problemas” de homossexualidade, deficiências e patologias se extinguiriam se fosse possível determinar os passos futuros da humanidade e consolidar o modelo ariano.
Um povo guiado exclusivamente pela razão Kantiana e princípios iluministas tende a desprezar o senso comum e os conhecimentos que este último adquire da “práxis cotidiana”, o formalismo, desprovido de sentidos e emoções nos leva a o automatismo, um povo que age mecanicamente, tendo isso exposto, fica menos difícil compreender as atrocidades cometidas no “passado recente”, o humanismo e suas correntes foram ofuscados e somente em tempos atuais voltaram a ganhar espaço e um singelo protagonismo, mas nem esta última é capaz de tratar da complexidade do nosso mundo, um emaranhado de culturas que diferem entre si, que não consegue estabelecer relações estáveis e respeitosas frente às diferenças.
Soa nos ouvidos menos atentos (se é que podemos usar tal expressão) que modernidade é algo positivo, distanciando-nos do atraso, da precariedade, da pobreza e das barbaridades, mas o capitalismo e sua imparcialidade, individualidade e falsa liberdade, mostrou que “o sol nasce para todos, porém, aquece apenas uma parcela da totalidade”, enquanto uns desfrutam do bônus advindo da opressão e da exploração do homem pelo homem, outros nada colhem, não vivem, mas sobrevivem, são os encarregados de ficar com o ônus, misticamente e popularmente são encaixados em dizeres como, “não abençoado por Deus”, “pecador e indigno da morada”, as formas para enquadrar e justificar a falta de inclusão é das mais variadas e a “criatividade” do mundo moderno consegue explicar as discordâncias, tratando-as como naturais ao meio, a maneira como naturalizamos os problemas é custosa, penosa e cruel, por outro lado, existe a falta de estranhamento de práticas perversas, talvez, isso explique o comportamento que vem sendo adotado e difundido.

REFERÊNCIAS:

Kant, Emmanuel. Crítica da Razão Pura. 5º edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 2001.
Latour, Bruno. Jamais Fomos Modernos. 1º edição. Editora 34. Rio de janeiro. 1994.
Bauman, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Editora Zahar. Rio de Janeiro. 1999.