O QUE É A MEMÓRIA II

A memória não falha. O que falha é o processo de busca da informação. Não o algoritmo, esse nunca falha também. O que falha, na verdade, é o acionamento deste algoritmo. Ele não é acionado pelo tempo ou por qualquer dispositivo semelhante. O que aciona o algoritmo é um contexto.

Se não houve um contexto durante a memorização, esta até pode ocorrer, mas a informação dificilmente será recuperada depois como lembrança. O que é um contexto nesse caso? É qualquer outra informação, secundária em relação à informação principal (aquela que é o foco da atenção – intencional ou não), que pode ser reproduzida fora da memória.

Qualquer evento que ocorra em paralelo à coleta da informação principal se torna parte do contexto. O próprio contexto é memorizado, incluindo suas extensões (aquilo que fazia parte do contexto no momento). Tanto assim é que, quando o contexto (a parte importante dele) ocorre, acionando o algoritmo de busca na memória, todo o resto do contexto é lembrado também.

O que pode ser contexto, na prática? Um som, um cheiro, um sabor, uma anotação em um pedaço de papel, uma dor, uma visão, um repente... Pode ser um desses, dois ou mais, outros que não estão listados aqui e, até, todos eles juntos! Se todos eles juntos formarem o contexto, a lembrança de um deles que seja “puxará” os demais.

Nem sempre o contexto se forma no mesmo momento da informação principal, ou seja, nem sempre ele é imediatamente memorizado junto com ela, pois, quanto mais isso ocorrer, maior parte do contexto fará parte da informação principal. Ele pode ser algo ao qual a informação principal esteja relacionada, no passado ou no futuro.

Toda informação é um pedaço de um todo maior, e qualquer outro pedaço desse todo pode ser suficiente para disparar o processo de busca. Esse todo é tão indefinível que algumas partes dele, também indefiníveis, podem disparar o processo de busca. Daí os repentes ou “pop-ups” de memória.

Podemos concluir, então, que nunca podemos esquecer as experiências que tivemos. Por outro lado, nem sempre podemos nos lembrar de todas elas. Não adianta forçar. A melhor estratégia para lembrar do máximo possível é ficar “ligado”, “antenado” com tudo, pois assim você pode “topar” com um contexto que fará com que as lembranças surjam.

Muitas vezes, aqueles contextos indefiníveis surgem e trazem aquelas lembranças que são chamadas de “déjàvu”, ou seja, você tem certeza que é a primeira vez que está tendo aquela experiência, mas, ao mesmo tempo, há uma sensação de que ela não é nova.

Quanto aos sonhos, nem todos eles são feitos de lembranças.  Alguns são pensamentos bem dirigidos (imaginação); outros são possíveis interações entre os participantes do sonho. O contexto em que se desenrola um sonho é tão particular que ele se torna indefinível para aquele grupo onde não se inclui quem está sonhando. Daí, uma pessoa com quem você sonhou vai afirmar que você não sonhou com ela, que você está inventando. Por não poder confirmar o que você sonhou, ela imagina várias possibilidades e, na maior parte delas, coisas que ela não admitiria na vida real (talvez até admita para si, mas não para você), o que faz com que ela negue ter participado de teu sonho.

Em terceiro lugar, ninguém pode afirmar que outros sonhos não são lembranças de experiências passadas. Se uma pessoa não participa de um contexto real que te traz lembranças, que se dirá de contextos indefiníveis como os dos sonhos.

Como melhorar a memória? Vivendo, interagindo o máximo possível, com tudo e com todos. Concentrando-se e, ao mesmo tempo, interagindo com coisas diversas daquilo em que você está concentrado.

Concentrar-se estando num lugar silencioso, escuro e sem movimento é a pior maneira de melhorar a memória. Com quanto mais coisas você interagir, mais coisas vão estar presentes para trazer as lembranças.

O segredo da concentração não é se isolar fisicamente de tudo e de todos, é isolar o foco de sua atenção de tudo e de todos, porém, sem deixar de percebe-los. É necessário muito treino para se atingir tal nível.

Brasilio – Agosto de 2005.