O PROGRAMA DE COMPLIANCE E O ACORDO DE LENIÊNCIA: AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS, ADMINISTRATIVAS E MORAIS PARA A EMPRESA, ADVINDAS DA RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DAS PESSOAS JURÍDICAS, EM DECORRÊNCIA DA LEI ANTICORRUPÇÃO[1]

 

Gabriela Felix Marão Martins                                                          Myrella Mendes de S. Silva²
Leonardo Valles Bento³

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a Lei nº 12846 de agosto de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção. Destarte, primeiramente, será feita uma análise a respeito das inovações desta lei, suas principais características e as conseqüências desta lei para as empresas no tocante às licitações. Posteriormente será analisado o Acordo de Leniência enquanto acordo que permite ao infrator participar da investigação, com o objetivo de prevenir ou reparar danos de interesse coletivo, objeto da administração pública. O artigo será finalizado discorrendo-se sobre o Programa de Compliance como instrumento adotado internamente pelas empresas para prevenir a corrupção.

 

INTRODUÇÃO 

O fenômeno da corrupção possui uma faceta complexa, podendo ser analisada sob vários óbices. Fato é que este fato social tem enormes efeitos negativos sobre a sociedade.  A palavra corrupção, gramaticalmente, tem origem do latim “Corruptione” e significa corrompimento, decomposição, devassidão, depravação, suborno, perversão, peita. Porém, historicamente, a corrupção sempre esteve associada aos conceitos de ilegalidade.

Neste sentido, atendendo às convenções internacionais da ONU, OEA e OCDE, em agosto de 2013 foi aprovado o Projeto da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), buscando atentar às atitudes corruptoras das empresas, regulando as relações de setores públicos e privados no Brasil. Buscando atribuir ao Poder Público instrumentos administrativos válidos e precípites para responsabilizar o erário público diante dos atos de corrupção praticados por pessoas jurídicas e os demais atuantes, especialmente no que diz respeito às licitações públicas e execução de contratos, a Lei 12.846/2013 abraçou uma série de atos, dentre eles, a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas. (GONÇALVES; GABARDO, 2013) Outro ponto importante. Outro ponto importante, é o da criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP.

Diante deste novo panorama, que, independente de culpa ou dolo, estabelece a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, abrangendo todas as negociações da empresa realizadas seja pelos proprietários ou funcionários diretos e indiretos com o setor público, evidencia-se a necessidade de atos que possam combater a corrupção, devido principalmente ao Artigo 7°, Inciso VII e VIII desta lei, que leva em consideração, para a aplicação das sanções, a existência de práticas e mecanismos internos de anticorrupção.

É neste cerne que se insere a significativa importância do Programa de Compliance e Acordo de Leniência. O primeiro se constitui em um mecanismo de procedimento interno de integridade e incentivo à denúncia de irregularidade, conforme códigos de ética e de conduta, que dizem respeito às pessoas jurídicas. O segundo trata-se da cooperação do acusado com as investigações. Ambos os institutos serão tratados de forma mais detalhada a seguir.

O PROGRAMA DE COMPLIANCE COMO MECANISMO INTERNO DE PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO

Compliance é um termo que advém do inglês que designa o dever de cumprir, de estar de acordo e fazer valer regulamentos internos e externos que são impostos às atividades de qualquer organização. (SANTOS, 2014.) Este mecanismo teve origem nas empresas de instituição financeira com a criação do Banco Central Americando, em 1913, buscando a construção de um sistema financeiro mais seguro e estável (MANZI, 2008)

TRAPP (2015) explica que o Programa de Compliance fundamenta-se na criação e prática de procedimentos internos dentro de uma empresa, que devem eliminar, dentro das possibilidades reais e pertinentes, os ricos de “não conformidade” que atingem a empresa. O Programa de Compliance adotado nas empresas, se utiliza de instrumentos que buscam a exposição de temas conexos à corrupção, quais sejam, o uso de código de ética e de conduta, ouvidorias, mecanismos de controle interno e até mesmo ouvidorias. (SANTOS, 2014.)

É, portanto, de grande importância, haja vista que, se devidamente formulado e executado, pode garantir a diminuição dos riscos de desvios de conduta dentro das empresas, o que intervem positivamente na evolução da produtividade e, em seguimento, na prosperidade da empresa. (TRAPP, 2015.) E mais, sua importância se evidencia dentro das empresas, haja vista que, Segundo Arruda, Whitaker e Ramos (2001, p. 23), “a ausência de valores morais – grita a situação atual – é o pior dos males que pode afligir o tecido social”.

MANZI (2008) ressalta que o Brasil se encontra em um estágio que coloca o Compliance como uma das bases da governança corporativa, ao propiciar a conformidade com normas, leis e políticas internas e externas às empresas, incentivando o ambiente ético por meio de controles internos e com a amplificação da transparência. Em suas palavras: “Não se pode falar em governança corporativa e sustentabilidade sem se referir à ética e consequentemente considerar a importância de compliance” (MANZI, 2008, p. 123).

O programa de Compliance encontra-se previsto na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) no artigo 7º, VIII, que determina:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

(...)

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

Com o implemento desta nova Lei, as organizações/empresas/pessoas jurídicas deverão ter maior combate no que diz respeito ao combate à atividades corruptas, haja vista que poderão ser responsabilizadas objetivamente no âmbito civil e administrativo por atos lesivos praticados contra a administração pública.

Assim, fica clara a intenção do legislador de incentivar a criação de programas de Compliance, posto que ao aplicar a sanção/pena, levar-se-á em consideração a existência – ou não, destes. Mister se faz ressaltar que, conforme parágrafo único, do artigo 7º desta Lei, “os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.”

MOKDISSE (2013) bem leciona que no caso de uma fraude, caso tenha sido adotado pela pessoa jurídica programas de Compliance, esta não será isenta de sanções, devido à inovação da responsabilidade objetiva, mas terá as mesmas reduzidas, por terem tomado possíveis atitudes que impeçam condutas corruptoras.  Desta forma, a previsão que consta no artigo 3º, §2 da Lei Anticorrupção, exigirá da autoridade administrativa sancionadora, que leve em consideração princípios da proporcionalidade e razoabilidade, analisando-se se as medidas tomadas pelos administradores da empresa externam a coerção esperada, ou se não houve o cuidado previsto em lei. (MOKDISSE, 2013.)

Porém, TRAPP (2014) bem leciona que o Compliance não impedirá por completo as práticas ilegais, antes é, sobretudo, um mecanismo de mitigação e prevenção destas condutas e riscos. Inclusive, segundo TRAPP (2014), a própria lei demonstra absorver a natureza não absoluta destes programas, de sorte que deixa margem à interpretação sobre como será entendida a eficiência das medidas tomadas,  estabelecendo até que a avaliação destes programas será feita por regulamento autônomo do Poder Executivo Federal.

Em seguida, e nessa mesma linha, sabe-se que qualquer programa de integridade deve ser adaptado à realidade do subsetor empresarial e à dinâmica da empresa onde será aplicado, de sorte que, embora existam elementos basilares comuns à maioria dos programas, grande parte dos elementos variam caso a caso, para adaptarem-se às condições apresentadas pela respectiva pessoa jurídica.

CONCLUSÃO

Considerando o ambiente ético brasileiro, com mazelas históricas resultantes de atos de corrupção, é de grande relevância a iniciativa da Lei 12.846/2013, posto que introduz no Brasil normas já aplicadas em países estrangeiros, que introduzem responsabilidade objetiva sempre que constatados atos lesivos á administração pública. A lei inaugura, portanto, o incentivo às práticas anticorruptas já adotadas em diversas partes do mundo.

No artigo 2º, a lei traz um novo tipo de responsabilidade atribuída às pessoas jurídicas: a responsabilidade objetiva. Porém, é relevante que se figa que não se trata de responsabilidade pelo risco integral, haja vista que, caso se comprove o rompimento com o nexo de causalidade do ato com sua conduta, não há razões para que se aplique as sanções do 6º e 19 da Lei.

Destarte, reconhece também a importância de programas de obediência às leis e à moralidade, tão exigida nos atos da Administração Pública. Atribui também atenuantes às empresas dispostas a cooperar com as autoridades durante as investigações, exingindo, então uma postura ética em relação às suas práticas para com o setor público, coibindo atos de corrupção contra a administração pública. É, portanto, um avanço para o país, haja vista a corrupção ser destruidora e causar pobrezas, desigualdades e reduz a qualidade dos serviços prestados à coletividade. No entanto, este é somente um pequeno passo, mas ainda sim, muito importante.

Resta, portanto, que as empresas se adequem à realidade e se planejem internamente de forma a buscar atuar de maneira preventiva, inclusive por meio de Programas como o Compliance, com o objetivo que não venham a ser responsabilizados objetivamente por atividades ilegais, e não sofram com as sanções e outras possíveis consequências advindas da Lei 12.486/2013 – ou, pelo menos, tenham sua pena atenuada. O ideal, obviamente, é que tenham responsabilidade e ética diante de seus atos, e de fato a Lei Anticorrupção (nº 12.486/2013) é uma iniciativa louvável para tal.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Guilherme de Salles; GABARDO, Emerson (Coord.). Direito da infraestrutura: temas de organização do Estado, serviços e intervenção administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2013. 293 p. ISBN 978-85-7700-633-5.

SANTOS, Renato Alemida Dos. Compliance Mitigando Fraudes Corporativas. 1. ed. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2014. v. 1. 118p.

MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil: consolidação e perspectivas. São

Paulo: Ed. Saint Paul, 2008.

TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira. Compliance Na Lei Anticorrupção: Uma Análise Da Aplicação Prática Do Art. 7º, VIII, Da Lei 12.846/2013. 2015. In: Boletim Jurídico. Ed. 1237.

ARRUDA, Maria Cecília Coutinho de; WHITAKER, Maria do Carmo; RAMOS, José Maria Rodriguez. Fundamentos de ética empresarial e econômica. São Paulo: Atlas, 2001.

OLIVEIRA, Gustavo Justino de; DI SALVO, Sílvia Helena Johonsom. A Aplicação da Lei Anticorrupção (12.846/13) às Entidades do Terceiro Setor e a Necessidade de Adoção de Práticas de Compliance. 2013. Disponível em: <http://www.justinodeoliveira.com.br/wpcontent/uploads/2013/10/ARTIGO_ANTEPROJ_LEI_ANTICORRUP%C3%87%C3%83O_2013-10-181.pdf .> Acesso em: 11 abril 2014 

MOKDISSE, Samir Leonardo Hallack. Lei Nº 12.846, de 2013: Mudanças e Perspectivas na Responsabilização da Pessoa Jurídica. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal de Santa Catarina (Centro de Ciências Jurídicas - CCJ). Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/