TEMA: O PERFIL DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO – ÉTICA E DEONTOLOGIA PROFISSIONAL

 

Resumo

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são frequentemente usados como sinónimos. Moral vem do latim (mos ou moris) que significa maneira de se comportar regulada pelo uso; dai relaciona-se o termo MORAL com costume, e de moralis, morale, adjectivo referente ao que é relativo aos costumes. A todo o momento, os meios de comunicação social, anunciam que é preciso mais ética nas relações humanas, na política, na globalização, na ciência, nas instituições, em suma pretendemos fazer uma reflexão sobre a postura desejada de um docente universitário abordando a questão da Ética e Deontologia Profissional no ensino superior concretamente na realidade moçambicana. As Instituições de ensino superior hoje são tidas como um local destinado a formação do aluno em uma área específica onde as ideias são confrontadas, troca de conhecimentos e experiências, de convivência e de contradições em busca de soluções dos diferentes problemas sociais. Neste contexto, o professor, tem a missão de mediar o conhecimento científico assim como transmitir valores e experiências culturais, e também é obrigado a cumprir com as normas e princípios éticos e deontológicos na sua actividade como professor. Neste sentido, para termos uma instituição de ensino superior com pessoal docente responsável exige-se a todos envolvidos, o comprometimento com a causa da educação. Como objectivo do artigo avançamos os seguintes: Reconhecer as exigências éticas associadas a actividade profissional docente;Identificar os factores deontológicos associados a profissão de professor universitário e Reconhecer as exigências éticas e deontológicas em relação aos estudantes, aos seus colegas de trabalho, a própria instituição e ao público externo.

 

Palavras chave:Prática Docente, Educação Superior, Ética e Deontologia profissional

 

 

  1. Introdução

Conforme os anos passam, as profissões mudam, isso não seria diferente no mundo educacional, pois o perfil que se deseja a um profissional de educação é complexo, carregado de nuances. Na actualidade, exige-se dos professores modernos que saiam da sua zona de conforto e sejam abertos a mudanças e que tenham uma maior conexão com o humano da profissão. Preocupados com a mente, devem buscar cada vez mais compreender o universo em que estão inseridos e aprenderem em formato de troca de experiências como inicialmente referenciamos não só com os estudantes mas também com os colegas. Torna-se necessário compreender que a formação do perfil ético acontece basicamente pela educação, começa nos primeiros anos de vida, no convívio familiar, nas escolas ou creches, por isso se afirma que o perfil ou a personalidade do professor está intimamente ligado ao seu carácter. Entretanto, a educação prepara os indivíduos para assumirem papéis sociais, para se portarem de forma justa e para utilizarem seus conhecimentos e habilidades com responsabilidade e adequação. Essa formação humana é intencional, levando a criança de um estágio meramente biológico para um estágio consciente, mais amplo e reflexivo, logicamente influenciado por uma cultura, que intermedeia as relações interpessoais. Portanto, a educação ensina as regras, os limites, os princípios e os valores das relações sociais, assim como desenvolve no indivíduo valores fundamentais como a afectividade, a cordialidade e a solidariedade, diálogo em situações que envolvam o grupo, divergências, diferenças entre os membros dos grupos, de modo que, através da percepção do outro, um indivíduo possa construir sua própria identidade.

É necessário educar com fortes princípios éticos e morais, em um sentido muito mais amplo que a instrução académica. Sendo que a sociedade só sobrevive e progride quando norteada por princípios e normas de comportamentos éticos. Deste modo, espera-se que as pessoas tenham uma postura activa e não passiva quanto a esses comportamentos, tanto na sua vida pessoal como profissional. A reflexão sobre questões ligadas a ética, moral, postura do docente universitário é, principalmente na actualidade tema de vários debates, por isso a razão do nosso interesse em reservar tempo de modo a dar algum contributo em torno do mesmo.

Antes de avançarmos alguns conceitos que consideramos fundamentais, torna-se necessário compreender que os códigos de ética das instituições de ensino superior e não só, mas também de toda empresa podem constituir fontes de aprendizagens, uma vez que oferecembalizas para posicionamentos éticos perante os relacionamentos profissionais e para as acções do dia-a-dia em ambiente de trabalho especificamente. Com isso, pensamos que não basta adoptar códigos de ética e conduta e orientar o que pode e o que não se pode fazer. É preciso antes de mais adequar as normas do mercado e, mais fundamental ainda, realizar uma avaliação individual, por meio de alguma metodologia criadapela instituição, a flexibilidade moral e o nível de aderência à cultura ética institucional por parte dos funcionários. Isso porque mesmo que o profissional seja capacitado e treinado frequentemente em seminários que acontecem normalmente nas universidades especificamente para os docentes, seja de igual modo tecnicamente excelente, pode sim trazer riscos para a instituição, ou por sua percepção incorrecta sobre o certo e o errado, pela sustentabilidade às pressões do dia-a-dia ou até mesmo por busca de neutralidade de posicionamento em situações em que deveria se impor e realizar o que é correcto. Eis alguns conceitos fundamentais que nortearão a nossa reflexão.

 

Perfil/personalidade

Estes conceitos não têm em si grandes diferenças. Retratam o modo de ser e estar dum indivíduo em uma determinada sociedade. Todos influenciam nas relações laborais e ou profissionais. Para o docente universitário, espera-se apresentação dum perfil profissional e uma personalidade diferente, por exemplo, a de um mecânico. Cada um com seu mérito e seu espaço de aceitação. Não serão todos com igual perfil e personalidade. Alias, como afirmam (Garcia e Silva, 2006), a escolha profissional nãoé determinada apenas por um ou dois factores, mas sim influenciada tanto pelo mundo em que a pessoa (docente universitário) vive como pelo modo como ela o compreende. Há factores subjetivos, emocionais e pessoais, que estão envolvidos na escolha da futura profissão, determinada pela relação entre o homem e o mundo. Nisto, cada docente universitário, nãosó em Moçambique, mas no mundo inteiro pode assumir um perfil e personalidades diferentes, desde que não entrem em choque com os valores, a missão e visão da instituição em que estiver afecto, e ademais, não contrarie os direitos e deveres fundamentais garantidos aos terceiros.

Cada individuo tem a sua própria identidade que define seu perfil e sua personalidade. O pensador russo, Bohoslavsky (1998) não considera a identidade profissional como algo definido ou a ser definido pelas instituições, mas construídas pelos próprios profissionais e que deverão adequar-se as normas institucionais. Afirma que são “como um momento de um processo submetido as mesmas leis e dificuldades daquele que conduz a conquista da identidade pessoal”. O docente universitário vai, com a sua identidade, com o seu perfil e personalidade, contribuir para um perfil e uma personalidade a ser construída pela instituição, evitando assim sobreposição de valores institucionais aos pessoais.

O docente universitário, precisa desenvolver as suas actividades profissionais, com seus estudantes, de forma livre e criativa, sem, no entanto, criar desconfortos sociais e ou de grupos. Dai que se pode afirmar que não deve haver a uniformização de perfil e nem de personalidade, pelo simples facto da natureza humana nunca ter sido uniformemente igual. Não somos iguais como pessoas. Não seremos iguais como docentes universitários. Pode-se, isso sim, harmonizar princípios, procedimentos, estratégias, técnicas, e mais, mas as universidades como instituições não conseguirão harmonizar caracteres, perfis e personalidades.

Jung (1920) afirma que as pessoas são diferentes em maneiras fundamentais, mesmo quando têm vários instintos impulsionando-as de dentro para fora. Assim, um instinto não é mais importante do que o outro. O que realmente importa é a preferência pela qual a pessoa os organiza e o modo como eles actuam. Nisto, espera-se dos docentes universitários a liberdade profissional alicerçada na ética profissional. Jung (1920, p. 495) chama de disposição uma conjunção de fatores que predispõe o indivíduo a agir ou reagir numa ou noutra direção: "Disposição geral é o resultado de todos os fatores capazes de influir essencialmente na psique, isto é, aptidões genéticas, educação, influências no meio, experiências de vida, intelecções e convicções obtidas por diferenciação e representações coletivas, etc.".

Em todas as universidades encontramos docentes com características diferentes. Alguns extrovertidos e outros introvertidos. Outros são até considerados de certa pertençapolítica partidária só pela forma de estar e ser. Outros ainda pior do desejado. De acordo com Marques (2000) e Zacarias (1994), a diferença entre o extrovertido e o introvertido é marcada por oposições; quando um elabora as experiências recebidas de uma determinada maneira, o outro reage da forma oposta. Características comuns a indivíduos introvertidos geralmente são opostas, ou estão ausentes, entre os indivíduos extrovertidos. Todos têm as duas atitudes, mas por algum motivo, desenvolvem mais uma do que a outra. Logo, a introversão ou extroversão não determinam nenhuma capacidade ou competência profissionais. Segundo os autores em referência, são atitudes naturais humanas. Jung assegura que diferentes perfis e personalidades devem encontrar nas instituições complementaridade.

Dickie (2016), no seu artigo publicado na REID (Revista Eletrónica de Investigação de Desenvolvimento) levanta de forma justa o problema de existência de Mestres e Doutores como docentes nas Universidades, sem formação psicopedagógica. Esta constatação não se reveste de nenhuma ingenuidade. A formação pedagógica torna-nos docentes, porque ensina a ser, estar como docente, mas sobretudo ensina como fazer o trabalho docente de forma profissional. Dai que se a ética e deontologia profissional envolvem conjuntos de maneiras aceites, pode-se afirmar que ser docente sem a formação pedagógica compromete os princípios pedagógicos-didáticos aplicáveis e eticamente aceites. A base seria mesmo essa de se considerar a ética um conjunto de valores que norteiam o comportamento humano, em relação aos outros, na mesma sociedade em que vive, esta deve ser instituída nos estabelecimentos de ensino com o objectivo de formalizar o bem – estar social. Há muita “fuga” de abordar a ética no âmbito pedagógico. Concentra-se muito no aspecto comportamental. No mesmo artigo, Dickie recorre a documentos oficiais. O Conselho Nacional de Educação (CNE, 2002) salienta que a falta de preparação pedagógicados docentes do ensino superior condiciona a forma como as aulas e os currículos estãoorganizados, afectando negativamente o desempenho dos estudantes. É válido ressaltar que ospróprios graduados criticam o despreparo pedagógico com que iniciam seu trabalho emsala de aula, como levantado por Macedo, Paula e Torres (1998p.1). Portanto, aqui inicia a ausência de ética e deontologia profissional, não só do docente universitário, como também a ausência de ética da própria instituição que alberga docentes que naos são docentes.

Acreditamos que a ética do docente universitário deve ser discutida, para além dos comportamentos pessoais, estender as competências pedagógicas que partem duma formação psicopedagógica como pressuposto para ser chamado docente. Infelizmente existem vários "docentes" que não são docentes em Moçambique. Basta imaginar nos médicos que formam outros profissionais de saúde sem terem tido nenhuma formação pedagógica. Isto tem implicações sim, caso contrário, e inútil a pedagogia e a didática. Portanto, aventurar no discurso da ética no espaço pedagógico é, igualmente, colocar desafios no âmbito do ensino-aprendizagem para alcançar atitudes críticas. Isso condiciona o avanço do desenvolvimento social e autonomia dos estudantes universitários e garantem a compreensão duma ética integral e não apenas aquela ética estritamente entendida como respeito as normas vigentes na instituição.

A ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano. (…) enquanto conhecimento científico, a ética deve aspirar a racionalidade e a objetividade mais completas e, ao mesmo tempo, deve proporcionar conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível, comprováveis. (Vasquez, 2003, p. 23)

Moretto, 2001, sustenta que “a acção do educador (entenda-se educador como tal docente universitário) deve pautar-se na ética profissional vista como o compromisso de o homem respeitar os seus semelhantes, no trato da profissão que exerce…” Com essa afirmação, conclui-se que a tarefa pedagógica exige ética, uma vez que a mesma representa um compromisso político-social, relações recíprocas e respeito ao conjunto de normas e regras sociais.

Infelizmente há uma grande ausência de ética em muitas universidades em Moçambique e em muitos docentes universitários. Refira-se desde a falta de formação pedagógica até a actos comportamentais, gerando, assim, grande preocupação por saber que a ética é de fundamental importância em todos os âmbitos sociais. Logo, a sua presença faz-se necessária diante da necessidade dos indivíduos para um comportamento aceitável na vida social.

Cada docente universitário deve comportar-se como modelo dos seus formandos. A ética situa-se no campo dos princípios morais e dos valores que orientam os homens em suas ações, tomando como referência outros indivíduos de determinada sociedade. Sendo um produto histórico social, a ética ilumina a consciência humana à medida que “[… sustenta e dirige as ações do homem, norteando a conduta individual e social […] e define o que é a virtude, o bem ou o mal, o certo ou o errado, permitindo ou proibindo, para cada cultura e sociedade.” (Souza, 1995, p. 187)

A ética exige a honestidade para o zelo da prática do respeito e consideração ao direito do outro. O docente universitário comprometido com a ética não se deixa corromper, em nenhuma circunstância, não dá espaço a subornos e educa seus formandos a serem como ele, mesmo que conviva com problemas ao extremo. Nisto pode-se em Moçambique levantar a questão das remunerações abaixo do desejado como alavanca para a queda na corrupção, todavia, em tudo o que é ou pretende ser profissional, a prudência, resistência e justeza são imprescindíveis para afirmação duma sociedade melhor.

Dai que, praticar a ética é, ao mesmo tempo, praticar a imparcialidade e a justiça, pois a primeira assume as qualidades e cumprimento dos deveres e a segunda depende, essencialmente, da primeira. A ética é o alicerce que sustenta o equilíbrio nas tarefas profissionais no dia a dia e que, portanto, deveria estar presente em todos os sectores da sociedade. Para ser ético, o profissionalismo exige a tomada de consciência dos actos, o cumprimento das normas e o respeito mútuo.

Admite-se que a ética apresenta grande influência na vida profissional de qualquer indivíduo, em meio a sociedade na qual ele opera a sua profissão. A ética é um resquício do que se aprende na família, responsável pela construção dos alicerces e definição de virtudes e carácteres do homem, ensinando como se comportar diante da sociedade. A liberdade do homem garante acções dentro dos limites exigidos pela ética e parte do respeito aos direitos dos outros.

Um profissional que não cultiva a ética, perde a confiança e a credibilidade no espaço social em que desenvolve as suas atividades. Portanto, deixa de ser um mero e autêntico profissional para ser um suicida da profissão, contribuindo para o descrédito irreversível.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Considerações Finais

Neste humilde artigo, a tendência era mesmo de contribuir sobre os contornos da ética e deontologia profissional dos docentes universitários. Que a ética não venha, em Moçambique e nas Universidades ser considerada de forma estrita. A ética na educação deveser concebida a partir do momento em que os valores forem considerados e o exercício profissional um galvanizador de ações humanizadoras. O docente universitário no contexto universitário deve acima de tudo educar de forma exemplar e sempre com sonho duma sociedade cada vez mais humanizada, menos corrupta, menos violenta e sempre solidária. A sociedade vem exigindo dos indivíduos (docentes e estudantes universitários) uma postura aceitável com acções e responsabilidades que possam, de facto, oferecer respostas que sinalizem a mais perfeita harmonia para o bem estar social. As universidades deveriam, com seus docentes e estudantes, constituir um farol de ética e deontologia.

Quando a universidade pauta pela ética institucional, facilmente os docentes abraçarão a ética profissional. Uma gestão da universidade assente em desvios dos valores social e institucionalmente anti-éticos, alberga com maior facilidadedocentesanti-éticos e produz formandos sem ética, contribuindo grandemente para uma sociedade sem regras.

As universidades moçambicanas devem, com docentes éticos, contribuir para um Moçambique melhor. Para isso, cada Universidade deveria internamente assegurar não só a colocação de valores, missões e visões institucionais estampados nas vitrinas, como também possuir um plano de moldagem, mais do que formações continuas já existentes. A formação do homem depende do contexto em que se inseriu ao longo da vida.

Os docentes universitários devem, se almejam um nível ético e deontológico profissional, investir na convicção pessoal duma sociedade que deseja, abstendo-se do comum, do material como “tudo”, e de forma resistente ir contra-corrente.

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

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JUNG, C. G. (1991). Tipos Psicológicos. Rio de Janeiro: Zahar. (original de 1921).  

MARQUES, S. (2000). Temperamentos e imagem profissional: um estudo exploratório com alunos de Psicologia e Administração. 110 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

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