O novo Código Florestal e os desastres ambientais: o que há em comum entre a monocultura, a cana-de-açúcar, a criação de bovinos, a pobreza, políticos corruptos, a destruição da mata ciliar e as enchentes, enxurradas e inundações?
Por Antonio LimaJr | 21/05/2011 | AmbientalO caderno Ciência e Meio Ambiente do Jornal do Commercio, domingo, 08 de maio de 2001, folha 5, trouxe a seguinte matéria:
"Mata ciliar é solução para as inundações".
Fiquei muito animado com a notícia! No momento, o novo Código Florestal é discutido no Congresso Nacional, promovendo a tentativa de reduzir as áreas de preservação de florestas em margens de rios (mata ciliar), por grupos cujos principais interesses são egoístas e que ignoram as necessidades e sofrimentos coletivos, além do imperativo da preservação ambiental.
Ao mesmo tempo, vemos se multiplicarem os desastres ambientais, a exemplo das enchentes, enxurradas, inundações e deslizamentos de terra, em 2010 e 2011, atingindo Pernambuco, Alagoas, Região Serrana do Rio de Janeiro e outras regiões do Brasil, como as regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, com mortes e grande número de pessoas desalojadas e desabrigadas. Muitas dessas pessoas estão desabrigadas desde desastres ocorridos anteriormente ao último registrado.
E, não bastasse a tragédia humanitária e as perdas de vidas, os brasileiros em geral, toda a nação, têm de arcar com o incalculável custo de recuperação e reconstrução daquilo que foi destruído. É bom lembrar que as populações mais pobres são aquelas que geralmente sofrem as principais conseqüências dos desastres, aqui e em todo o mundo.
Os artífices do novo Código Florestal argumentam que não há "provas científicas" que justifiquem a manutenção da mata ciliar!
Me poupem, ilustres parlamentares!
Quando se trata de segurança e sobrevivência da humanidade, prevalece o princípio da segurança e torna-se desnecessário provar o óbvio, o ululante.
Na dúvida, preserve!
Mas, ainda assim, o cientista ambiental André Alcântara, sob a orientação do pesquisador Ricardo Braga, com apoio da Sociedade Nordestina de Ecologia e com financiamento pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, provou para os céticos, inconseqüentes e egoístas que a mata ciliar precisa ser protegida:
"A vazão da água é bem maior em áreas cultivadas que em áreas florestadas".
Mas o que isso significa?
Os dados a seguir ilustram os resultados e alcance do estudo, indicando Local das medições, a Vazão da água em l/s por km2 e a Necessidade de tratamento da água para consumo (Tabelas completas no blog do autor - http://antoniolimajr.wordpress.com):
Estação 01 ? Próximo da nascente: rio margeado por floresta Atlântica; Vazão da água = 24,7; Oxigênio acima do necessário para a água ser considerada própria para consumo; Necessita apenas cloração;
Estação 02 ? Rio cercado por agricultura de subsistência e mata em regeneração; Vazão da água = 62,6; Oxigênio próximo do mínimo necessário para a água ser considerada própria para consumo; Necessita de tratamento completo;
Estação 03 ? Margens ocupadas por pasto e canavial; Vazão da água = 177,6; Oxigênio muito abaixo do mínimo necessário para a água ser considerada própria para consumo; Necessita de tratamento completo.
Ou seja:
"Em áreas cultivadas, a vazão do rio é sete vezes maior que nas áreas florestadas", pois onde havia pasto e cana a vazão chegou a 177,6 litros.
Traduzindo, em termos práticos, acrescento aqui uma pequena contribuição ao debate:
Quais são os municípios pernambucanos (e provavelmente também alagoanos) mais atingidos pelas enchentes em 2010 e 2011?
Quais as suas principais formas de exploração e uso do solo, conforme dados de 2010?
(Tabelas completas no blog do autor - http://antoniolimajr.wordpress.com):
Os municípios de Água Preta, Barreiros, Catende, Cortês, Jaqueira, Maraial, Palmares, Primavera e Xexéu, todos eles decretaram Estado de Calamidade Pública em 2011, por causa das chuvas intensas que destruíram a infra-estrutura do município e deixaram muitas pessoas desalojadas ou desabrigadas.
Estes municípios foram igualmente afetados pelas enchentes em 2010, só que de forma ainda mais severa.
Todos eles têm como cultura agrícola e pecuária mais importantes a plantação de Cana-de-açúcar e a criação de bovinos.
Quer mais? Veja a tabela completa no blog do autor, incluindo dezenas de municípios em situação de emergência. Os dados foram obtidos em www.bde.pe.gov.br/ArquivosPerfilMunicipal.
Estes são justamente aqueles municípios que têm os tipos de agricultura e pecuária apontados na pesquisa como tendo maior vazão em decorrência das chuvas.
Não bastasse a pesquisa sobre vazão de água menor em áreas com preservação de matas ciliares, realizada em Pernambuco, acrescentam-se os dados acima, que são óbvios, ululantes!
É comum visualizar áreas com erosão do solo pelas águas em plantio de cana-de-açúcar (ver foto no blog do autor).
O que possuem em comum os municípios de Pernambuco, em estado de calamidade pública, em decorrência das enchentes em 2010 e 2011? (pode incluir também aqueles em situação de emergência)
a) Cana-de-açúcar como principal cultura agrícola;
b) Criação de bovinos em pastagens como principal atividade agropecuária;
c) Geralmente possuem elevadas densidades populacionais (é provável que este seja um dos principais componentes dos graves desastres ambientais!);
d) Geralmente possuem elevado percentual de urbanização;
e) Geralmente possuem baixa renda "per capita";
f) Geralmente possuem elevados percentuais de analfabetismo entre jovens e adultos, ao qual podemos somar o analfabetismo funcional.
Todos esses fatores estão relacionados entre si e também com baixos IDH (índice de desenvolvimento humano), péssimos indicadores de saúde, elevado desemprego, grande violência e outras mazelas.
Neste contexto, é difícil esperar o exercício efetivo da cidadania. Ainda mais, esperar que essas pessoas pensem e lutem pelo meio ambiente, se não percebem que as suas condições de vida estão associadas a todos esses fatores. Suas crianças e jovens mal podem freqüentar as escolas, com estradas e pontes esburacadas, enlameadas ou interrompidas pelas sucessivas enchentes, além do ainda existente trabalho infantil.
É o alto preço cobrado devido à opção histórica pela monocultura, ocupação e exploração desordenada do solo e abandono educacional das pessoas!
Certamente que a cultura da cana-de-açúcar e a pecuária têm sua importâncias para as pessoas. E certamente que há municípios com cana-de-açúcar e bovinos como principais atividades agropecuárias e que não estão em estado de calamidade pública, e vice-versa. Mas as realidades de Pernambuco e Alagoas são sintomáticas.
Estudos "científicos" de associação de causa e efeito entre múltiplos fatores, tais como fatores ambientais, sociais, econômicos e culturais não são fáceis, tampouco estarão isentos de críticas quanto aos seus alcances e validades. Porém, deixo esta proposta para os pesquisadores em geral, para que realizem vários estudos científicos envolvendo essas temáticas, com grandes promessas de recompensa para a humanidade.
Finalmente, do que foi exposto até então, algumas soluções emergem como óbvias:
- É necessário preservar, recuperar e ampliar a mata ciliar e as florestas em geral. Precisamos de um NOVO Código Florestal que preserve e aumente as florestas, não precisamos de um que proclame a sua dizimação e exploração irracional. Mas, acima de tudo, precisamos desenvolver uma consciência coletiva de respeito ao meio ambiente e à coletividade, que vá além do dever ser das leis, que faça acontecer. Afinal, de "boas" leis o Brasil está cheio. Faltam os bons costumes;
- É necessário educar as pessoas, libertando-as dos grilhões que as prendem à exploração política e à miséria. Educação e cidadania têm de sair dos discursos vazios e mentirosos de candidatos irresponsáveis e despreparados, tornando-se resultados concretos por intermédio de administradores públicos profissionais, competentes e comprometidos com a coletividade;
- É necessário diversificar as culturas agrícolas e pecuárias, explorando-as de forma respeitosa à preservação do meio ambiente e recursos naturais, assim como adequada às necessidades das pessoas, de suas famílias e de suas coletividades;
- É necessário fixar os homens e suas famílias no campo, provendo terra e condições adequadas para a produção agropecuária sustentável. Enquanto consumidores, deveríamos assumir compromisso de compra junto aos agricultores familiares, que teriam a certeza de continuidade de suas atividades, permanecendo no campo. Enquanto governo, aplica-se o mesmo. Aliás, isto já é feito pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que em Pernambuco, atualmente, adquire da agricultura familiar e distribui com as famílias atingidas pelos desastres;
- É necessário reduzir a urbanização e os grandes adensamentos populacionais. Devemos falar em interiorização das populações, mas também creio que devemos perder o medo de falar em controle de natalidade e sobre o controle do crescimento populacional!
Pois aí estão as causas dos desastres naturais, da pobreza e dos principais flagelos da humanidade, incluindo a fome, a falta de abrigo salubre, as doenças, a violência e a miséria. Não é assim que queremos viver a humanidade!