Quando pequeno, costumávamos passar férias no litoral paranaense, especificamente em Pontal do Paraná, onde todos os vizinhos se reuniam para brincar. Enquanto crianças, não obstante o salutar ambiente litorâneo, nos víamos acuados pela liberdade e amplo desfrutar do convívio com nossos amigos, porém em dias de chuva, a varanda da casa era o nosso lugar de desejo. Nossa alegria era colecionar caixinhas de fósforo e nos divertir sem olhar para os ponteiros do relógio e tão pouco lembrar o desconforto da clausura devido às condições climáticas. Aprendemos com nossas mães, a jogar,Escravos de Jó.Existemaspectos interessantesdesta brincadeira, não observáveis pelas pessoas de modo geral, que a incorporaramem seu cotidiano, ou ao menos já ouviram falar, como prática lúdica no contexto local e nacional,sem saber ao certo o lado histórico, clarificadosnestas breves linhas,através da coleta deinformes em diferentes contextossuscetíveis de análise. de forma intertextuale surpreendente, bem como breve entrevista com sujeito significativo.

A brincadeira consiste em sentarmos todos formando círculo, e movimentar no sentido horário, com exceção da passagem final, quando se fala zig zig zá, as caixas que ficam nas mãos dos jogadores nesta fase, variando para o lado esquerdo, direito e esquerdo, cada qual com sua caixinha. As caixinhas passam de um jogador para o outro no sentido horário até este momento, acompanhando o cantar. Também quando se canta ..tira, bota, deixa ficar, os movimentos são, o de tirar da mesa, colocar novamente sobre a mesma, deixar ficar, ou seja, não tocar nas caixas, até a fase final dos movimentos revezados descritos primeiramente, fazendo ziguezaguear. Como brinquedo cantado, a letra retrata um discurso pouco reflexivo, porém eficiente para o estabelecimento do ritmo imposto aos jogadores. São essas as palavras; escravos de Jó, jogavam cachangá...tira bota...deixa ficar...guerreiros com guerreiros fazem zig zig zá. As perguntas logo surgem nas entrelinhas. Quem eram os escravos de Jó? Nada importante para o jogo especialmente. O que é cachangá? Igualmente irrelevante. O porquê destas quatroações, tira bota deixa ficar? Seria a dinâmica do jogo e da atenção. Deixa o que ou quem deve ficar? Cessar o movimento das caixas por instantes.A quem se refere os guerreiros com guerreiros? Cada participante do jogo é m guerreiro. O que é fazer zig zig zá? É mover de maneira diferente, quebrando a rotina do movimento horário e mover as caixas, cada qual a sua,direita, esquerda, direita até o final da cantiga. As discussões caminham além da inocência da letra exigindo interpretação e análise das controvérsias. Então, ao trabalho. Diz o material pesquisado, queo verso / Escravos de Jó jogavam caxangá /significava que os escravos sexuais de Jó faziam brincadeiras entre eles. Caxangá, em grego vulgar arcaico, era uma dança sensual, vinda da Turquia, em que os órgãos sexuais dos dançarinos se tocavam." Missão explicativa ainda difícil.Na voz doetimologista Cláudio Moreno tem-se a afirmação de que se esse jogo existisse, seria quase impossível explicar como ele passou despercebido por todos os antropólogos e etnólogos que estudam nossas tradições populares. Caxangá: Possui vários significados, mas nada de jogo. Pode ser um crustáceo (parecido com um siri), um chapéu usado por marinheiros, e há até uma definição indígena: segundo o Dicionário Tupi-Guarani-Português, de Francisco da Silveira Bueno, caxangá vem de caá-çangá, que significa 'mata extensa'.

Mas nada disso tem a ver com jogo e menos ainda com Jó, o personagem bíblico que perdeu tudo o que tinha menos a fé, e como retrata o estudioso, não tinha escravos. Isso deixa os especialistas intrigados. Aparentemente nada. Talvez a ligação mais próxima fosse da mãe de Jó que tinha escravos e queria que seu filho fosse paciente e lhe deu esse nome em homenagem a história bíblica.Nos parece qe o Jó da brincadeira, não se relaciona com o da bíblia pois aquele tinha escravos e era homem ilibado e probo. Reclama o pesquisador etimologista Cláudio Moreno, ter procurado caxangá, caxengá e caxingá, com 'x' e 'ch', e não ter encontrado nada que fizesse sentido como um jogo'. 'Se esse jogo existisse, seria quase impossível explicar como ele passou despercebido por todos os antropólogos e etnólogos que estudam nossas tradições populares. '.O que pode ter ocorrido é uma espécie de 'telefone sem fio': se originalmente o verso fosse 'juntavam caxangá' ao invés de 'jogavam', poderíamos pensar em escravos pegando siris em vez de em um jogo, replica o pesquisador. Outra hipótese é que caxangá seja uma expressão sem sentido, como 'a tonga da mironga do kabuletê', da canção de Toquinho e Vinícius - as palavras separ
As contrariedades sempre existem em qualquer busca da verdade. Sem querermos fazer julgamento de mérito é preciso acatar aquela que nos pareça mais razoável, fazendo parte da construção do conhecimento, talvezencontrar diferentes posicionamentos. Neste sentido, na eleição de sujeitos significativos para entrevista, optamos pelos mais próximos, casal seguidor,da doutrina das Testemunhas de Jeová, onde somente ela se confirma como respondente, com o qual realizamos estudos bíblicos esporádicos, vindos do interior do Estado de São Paulo, onde igualmente a brincadeira em estudo é conhecida.

Nosso questionário exclusivamente elaborado para este texto envolveu as seguintes perguntas, consideradas abertas para entrevista: Primeiramente ao ser indagada sobre como e onde conheceu a brincadeira, a entrevistada diz ter conhecido na empresa em que trabalhou, no interior de São Paulo, quando a empresa estava se certificando no Programa de Qualidade Total. Faziam a brincadeira com os funcionários para ver a importância de um trabalho em equipe e que se uma falha, todo processo pode ficar comprometido. No segundo questionamento, quando indagada sobre a importância desta brincadeira no contexto social, a respondente declaraacreditar no sentido já citado na resposta da primeira pergunta, para a conscientização dos funcionáriosda equipe, em que é importante o bom desempenho de cada um para uma conclusão de qualidade. Na terceira indagação sepostula a aplicabilidade desta brincadeira e em que sentidohá relevânciaou aspectocontraditóriodas alegações feitas pelos estudiosos de área, onde respondedesconhecer esses estudos feitos sobre a brincadeira, tanto que a conhecia para fins totalmente diferentes do fundo original que esses estudos mostraram. Comenta... 'Até porque no livro de Jó 1:3 cita que Jó tinha um grande número de servos (escravos) e nos estudos não baseados na Bíblia cita que ele não tinha escravos e sim sua mãe'. Issocontradiz o que prega a Bíblia. Jó era um homem íntegro, justo e temia a Deus (Jó 1:1). No quarto questionamento se indaga sobre a hipótese derelevarem aspectos não recomendáveis sobre a prática onde a entrevistada declara serválido e interessante os aspectos práticos da brincadeira no sentido de desenvolvimento de trabalhos em equipes.

Finalmente,se deseja saber se esta reflexão contribui de alguma forma para a conscientização social sobre estas práticas lúdicas em sociedadeonde se respondeu que a brincadeiracontribui para formação de profissionais mais comprometidos e conscientes com o resultado de qualquer trabalho com mais qualidade.

            Vale lembrar as sabias palavras da etnomusicóloga e educadora Lydia Hortélio, ressaltando que“emtodas as culturas do mundo éinestimável o valor do exercício espontâneo da música na infância, uma música onde a palavra, a cantiga, o movimento e o outro se interligam na alegria do brincar”.[1]

            O mais interessante de todo o processo de análise, é que em nossa memória encontramos a figura de nosso pai, que ainda fazia diversificação da brincadeira, enfatizando o movimento zig zig zá, quando dirigia o veículo, fazendo pequenas curvas direita, esquerda, direita, nos ensinando o próprio valor da ação expressa no verbo, incorporado a língua portuguesa.

[...]