O Instituto da Interdição: A repercussão do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/2015 na nova legislação processual civil.¹

 

Fuad Alexandre Silva ²

Vitória Frota ²

 

Sumário: 1 Introdução; 2 O procedimento especial de interdição no código de processo civil de 2015; 3 O estatuto da pessoa com deficiência e suas inovações; 4 Os impactos e as perspectivas do estatuto da pessoa com deficiência aplicados na nova legislação processual civil; 5 Conclusão; 6 Referências

 

RESUMO

 

O presente artigo científico busca analisar a questão da repercussão da mudança do Estatuto da Pessoa com Deficiência no Código de Processo Civil vigente, indagando a respeito de questões de capacidade civil e abrangência do instituto da interdição para as pessoas deficientes. Para a possível resposta dessas indagações realizadas no trabalho são usadas doutrinas, a legislação, casos jurisprudenciais e a fundamentação base que é a Constituição Federal, confrontando estes para assim ter um resultado que realmente reflita de forma positiva. Assim constata-se que o código apesar de novo no ordenamento ainda vem com a concepção clássica – e não condizente constitucionalmente – que os deficientes são de uma maneira geral incapazes de atuarem na vida civil, mudança de paradigma já concretizada no Estatuto que adota a visão que a interdição só é possível em questões específicas e não de um modo amplo. A conclusão é consoante com o propósito constitucional de proteção a dignidade dos deficientes.

 

Palavras-chave: Capacidade Civil; Dignidade da Pessoa Humana; Interdição.

 

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................01

 2 O PROCEDIMENTO ESPECIAL DE INTERDIÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015........................................................................................................................03

3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUAS INOVAÇÕES..........................................................................................................................06

OS IMPACTOS E AS PERSPECTIVAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA APLICADOS NA NOVA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL.......................................................................................................................................07

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................09

6 REFERÊNCIAS...................................................................................................................11

 

1 INTRODUÇÃO

 

No ramo civil certas pessoas têm um tratamento diferente, voltado para uma menor autonomia sobre a vida particular e seu patrimônio e isso está relacionado a uma questão de capacidade. O artigo em questão trata do mecanismo de interdição que faz parte desse rol de tratamento específico, visando a proteção de indivíduos que necessitam dessa maior atuação do direito civil em sua vida particular.

A lei 13.146 de 2015 institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), de acordo com as diretrizes lançadas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificado pelo Brasil e incorporado ao ordenamento jurídico nacional por meio do procedimento do art. 5º, §3º da Carta Maior, que confere a ele força normativa de emenda constitucional (BRASIL, 2015).

A problemática do tema se estabelece na medida em que ao mesmo tempo em que o Estatuto acarretou efetividade dos direitos das pessoas com deficiência, simultaneamente veio a gerar significativos impactos na legislação nacional, principalmente no âmbito civil e processual civil, atingindo os institutos da capacidade civil, interdição e curatela, intrinsecamente relacionados ao tema. Atualmente, não há que se falar em pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade, logo, entra-se em discussão a respeito do fim da interdição com o surgimento do EPD.

O Estatuto assegura à pessoa com deficiência o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo ela somente submetida à curatela, quando necessário (BRASIL, 2015). A medida passa a ter caráter extraordinário e limita-se aos atos de cunho patrimonial ou econômico, logo, deixa de existir a interdição absoluta e completa em que o curador é responsável por todos os atos da vida civil, tendo poderes indefinidos e ilimitados. No entanto, os procedimentos de interdição e curatela continuam existindo, contudo com uma nova perspectiva, mais flexibilizados e personalizados, ajustados à necessidade de quem precisa ser protegido.

O trabalho possui como objetivo geral a análise da repercussão do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/2015 na nova legislação processual civil. Ademais, busca ao longo da discussão tratar de pontos específicos tais como: caracterizar o procedimento especial de interdição no Código de Processo Civil de 2015; apresentar o Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas inovações; e por fim, apontar os impactos do EPD na legislação civil e processual civil.

Em perspectiva social o tema abordado possui ampla importância justamente pelo fato de tratar da amplitude existencial de pessoas passíveis de sofrerem com a interdição por possuir em algum nível deficiência mental. Ou seja, é necessário abordar a temática para que se entenda quais os limites que essas pessoas possuem para praticar atos da vida civil e isso pautado na capacidade. Toda essa questão também envolve uma grande diretriz do ordenamento que é a dignidade da pessoa humana, sendo assim é importante que toda a questão seja bem discutida para que esse princípio seja respeitado e as relações humanas sejam melhores estabelecidas com um direito ainda mais apurado

Não somente na questão existencial, mas trata-se um assunto processual. Há um embate entre o Código Processual Civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Sendo assim a importância acadêmica do assunto se faz, ainda mais que ter resultados específicos sobre o assunto constrói um direito mais seguro, que usa as mesmas bases legislativas para decidir a respeito de um mesmo assunto.

Por fim, no ramo pessoal é de suma relevância o que se trata neste artigo. Isso pelo fato da questão tratada ser ligada a elementos de grande importância como a dignidade da pessoa humana e a capacidade civil, que ao serem discutidos na perspectiva da interdição permite ao operador do direito, em perspectiva pessoal, uma melhor concepção do direito assim como a melhor execução deste; garantindo que vai adotar a melhor as concepções acerca do tema.

O método de pesquisa utilizado nesse trabalho é de caráter exploratório, justificado por nossa aspiração em familiarizar a coletividade com o presente tema, além de visar nosso aprofundamento acadêmico no assunto. Faz-se uso de pesquisa bibliográfica através de livros, artigos científicos, revistas, documentos internacionais e de caráter ordinário e constitucional, relacionadas aos pontos principais do trabalho e ao contexto social brasileiro, para que assim possamos formar, como pesquisadores, nossa contribuição acerca da temática (GIL, 2002).

 

2 O PROCEDIMENTO ESPECIAL DE INTERDIÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

 

Da mesma maneira que o código de 1973, o CPC/15 divide os procedimentos especiais em dois grupos, quais sejam: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. Enquanto a primeira corresponde a função pública de compor litígios, na segunda o Estado apenas atua administrativamente, buscando-se do Judiciário apenas uma integração de vontade para torna-la apta a novo estado jurídico de eficácia erga omnes. Dessa forma, com relação a esta, diz-se que não há lide, e sim negócio jurídico, portanto não há que se falar em partes, nem ação, mas participantes e pedido (THEODORO JUNIOR, 2016).

A jurisdição voluntária também se divide em procedimento comum, aplicável a todos os procedimentos de jurisdição voluntária, e especial. Nesse sentido a legislação expõe rol de caráter não taxativo, sendo tal procedimento aplicável quando não houver previsão de rito especial.

Ademais, o Código fixa rito especial para outras hipóteses de jurisdição voluntária, como é o caso da interdição, que corresponde a demanda pela qual se pretende a decretação da perda ou restrição da capacidade de uma pessoa natural para a prática de atos da vida civil, constituindo-se o estado jurídico de interdito, isto é, sujeição do indivíduo à curatela. Este último é decorrente do primeiro, incidente sobre aqueles que por motivos patológicos ou acidentais, não estão em condições de dirigir sua pessoa ou administrar seus bens, sendo necessário nomeação de terceiro para fazê-lo.

O Código de Processo Civil trouxe inovações com relação ao tema, que divergem do CPC/1973, sendo uma de suas principais novidades a revogação dos artigos do Código Civil que dispunham sobre a interdição, ficando sua disposição inteiramente na legislação processual (BRASIL, 2002). No entanto, não foi revogado o art. 1767 da lei 10.406/2002, que diz respeito àqueles que estão sujeitos à curatela, tendo tal disposição sofrido alterações por força da lei 13.146/2015.

Enquanto a legitimidade passiva encontra-se disposta no CC/2002, como mencionado, o art. 747 do Lei 13.105 de 2015 reconhece a legitimidade ativa, isto é, quem pode requerer a interdição, sendo eles: cônjuge ou companheiro; parentes ou tutores; pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando e pelo Ministério Público. Essa legitimidade deverá ser comprovada por meio de petição que acompanhe a inicial (BRASIL, 2015).

No tocante à última, requerida pelo MP, deve-se mencionar que a legitimação se restringe aos casos de doença mental grave no caso de as pessoas anteriormente arroladas não existirem ou deixarem de promover a interdição, ou ainda se, caso existirem, forem incapazes, conforme o art. 748, I e II do CPC/15. Não sendo o Ministério Público o requerente da medida, sua presença como fiscal da ordem jurídica é obrigatória, segundo art. 752, §2 do referido código (BRASIL, 2015).

A interdição se inicia por meio de petição inicial, que deve ser acompanhada da prova da legitimação, conforme consta no parágrafo único do art. 747 da lei 13.105/15, sendo dever do autor especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou, de acordo com o art. 749 da mesma lei. Outrossim, o art. 150 ainda incube ao requerente juntar laudo médico para provar suas alegações ou informar sua impossibilidade de fazê-lo (BRASIL, 2015).

Uma vez despachada a inicial o interditando será citado pessoalmente e o processo terá início quando este se fizer presente perante o juiz que o entrevistará minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas, de acordo com artigo 751 da legislação processual civil.

O prazo para impugnação da interdição é de 15 dias, a contar da data da entrevista e se o interditando não vier a constituir advogado ou defensor público, será nomeado curador especial para a apresentação da impugnação. Uma vez esta sendo realizada, ou tendo seu prazo transcorrido, realiza-se produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando, podendo a perícia ser realizada por equipe composta por expertos com formação multidisciplinar e o lado oriundo do processo deve indicar se há ou não a necessidade da curatela e a extensão desta com relação aos atos do indivíduo.

Uma vez gerado o laudo parte-se para a produção das demais provas e oitiva dos interessados, contudo é possível que o juiz venha a julgar a causa somente com base na perícia (THEODORO JUNIOR, 2016). Decretada a interdição o juiz deve, em sentença, nomear o curador, considerando quem possa melhor salvaguardar os interesses do curatelado, e determinar os limites da curatela, seguindo as indicações do laudo pericial, logo, não sendo ela total, deve também indicar os atos que o sujeito pode praticar livremente. 

Em relação à sentença de interdição não cabe ação rescisória, visto que não há formação de coisa julgada, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, logo é possível a renovação da requisição (THEODORO, JUNIOR, 2016). De acordo com o art. 756 da Lei 13.105 de 2015, uma vez cessada a causa de autorização pode-se requisitar o levantamento da interdição.

Deve-se mencionar que os projetos de lei que deram origem ao Novo Código de Processo Civil e Estatuto da Pessoa com Deficiência tiveram tramitação simultânea e este acarretou diversas transformações tanto na legislação civil, quanto processual civil, contudo, ainda assim percebe-se que as normas possuem disposições conflitantes, como será exposto no decorrer do trabalho.

 

3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUAS INOVAÇÕES

 

Como visto a interdição na concepção da legislação processual civil é pautada na ausência de discernimento, ou seja, da impossibilidade para a realização de atos da vida civil. Mas em linhas gerais o Estatuto da Pessoa com Deficiência mudou um pouco essa realidade em relação a amplitude dessa impossibilidade para a realização de atos da vida civil e usando para isso fundamentos constitucionais para dar melhor tratamento aos que possuem a integridade psíquica prejudicada. (ABREU, 2015)

Assim, em relação a interdição o Estatuto traz uma maior preocupação em relação a amplitude, tendendo a considerar uma linha mais flexível a respeito deste instituto. Desta forma, mesmo com a lei processual civil, deve ser analisado o caso a caso, para que a incapacidade seja pautada somente nas necessidades reais do então incapaz, permitindo a este que exerça sem limitações outros atos da vida civil que não estejam abarcados na interdição. (ABREU, 2015).

De maneira específica no dia 6 de julho de 2015 foi sancionada a Lei 13.146/2015 que veio então instituir as mudanças do Estatuto das Pessoas com Deficiência. Dos ramos do direito relacionados vale citar o Direito Civil e o Direito de Família. Desta forma, o Estatuto veio a modificar a redação do Código Civil a respeito de capacidade e não considera ser mais possível uma pessoa maior de idade ser absolutamente incapaz. (TARTUCE, 2015)

A respeito da capacidade o Estatuto veio a acabar com a interdição absoluta. Justamente pelo fato de deixar como incapacidade absoluta os menores de idade e estes menores não são interditados. A partir da mudança o que fica é a interdição parcial, pautada na necessidade personalíssima do indivíduo e não se ampliando aos demais ramos da vida civil. (TARTUCE, 2015)

Ao passo que se analisa o Estatuto observa-se o seu caráter totalmente inclusivo e muito pautado na diretriz constitucional da dignidade da pessoa humana. Sendo assim o artigo 6° é ideal para a devida análise desse aspecto inclusivo tão presente nesse Estatuto:

 

Art. 6o  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos; III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

 

Resta claro que a somente a deficiência não é fator para que atos da vida civil não sejam possíveis de se realizar. Vale ressaltar que o Estatuto não se limita a deficiência física e inclui nessa determinação também os deficientes psíquicos, superando o paradigma que os mesmos em regra não seriam capazes de exercer atos da vida civil por conta da ausência de discernimento.

Assim, outro aspecto importante do Estatuto seria a repercussão das suas mudanças em relação a curatela. Essa é precedida pelo processo de interdição e assim também sofreu limitações. A doutrina, em interpretação moderada, entende que houve a perda do caráter de representação para dar vez ao caráter de assistencialista. Admitindo a curatela para uma situação específica e transitória e não mais na totalidade como antes era feito. O que é importante se analisar é o confronto entre o dito no Código Processual Civil e o Estatuto, estabelecendo as devidas prevalências legislativas.

Fica evidenciado o caráter humano e inclusivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência que não faz distinção entre a deficiência física e a psíquica. E a grande mudança desse Estatuto para o tema em questão diz respeito a mudança do paradigma da incapacidade com a influência direta no alcance da interdição.

 

OS IMPACTOS E AS PERSPECTIVAS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA APLICADOS NA LEGISLAÇÃO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

 

A instituição do Estatuto da Pessoa com Deficiência acarreta grandes mudanças no ordenamento jurídico nacional. O confronto das legislações civil e processual civil e do EPD se dá primordialmente pelo fato deste segundo não mais admitir que o deficiente seja considerado absolutamente incapaz. Assim, a curatela passa a ser admitida apenas para o auxílio em assuntos patrimoniais e negociais e não mais como um todo, como antes era feito. Dá-se ao deficiente os direitos da vida civil, não considerando que o mesmo não seja capaz de exercer esses atos, em regra. Observando essa realidade de forma mais abstrata é possível considerar que o impacto gerado nas demais legislações vem por conta desse caráter humano e inclusivo do Estatuto. (GAJARDONI, 2018)

A lei 13.146 de 2015 altera determinados artigos do Código Civil que foram expressamente revogados pelo CPC/15, como disposto pelo inciso II do art. 1.072 “ revogam-se: [...] os arts. 227, caput, 229, 230, 456, 1.482, 1.483 e 1.768 a 1.773 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002” (BRASIL, 2015).

O art. 1.768 do Código Civil, por exemplo, foi alterado pelo art. 114 do ECD, no intuito de dar ao curatelando a possibilidade de ele próprio requerer a curatela, entretanto, esse artigo veio a ser revogado pelo Novo Código Processo. Logo, percebe-se um atropelamento legislativo, surgindo o questionamento de quais artigos realmente teriam vigência ou não. Trata-se de uma falha não observada pelos legisladores (TARTUCE, 2015). Segundo Didier Jr. (2015) a melhor saída é levar em consideração a legislação que existia na época, logo, como tal hipótese ainda não era prevista não tinha como ter sido revogada, portanto, devendo-se considerar que houve o acréscimo no rol de legitimidade ativa.

É também revogado o art. 1.769 do CC/2002, já que o art. 748 da Lei 13.105/15 determina que o Ministério Público somente poderá promover interdição nos casos de doença mental grave. O EPD dá ao artigo nova redação, contudo, não há aparente conflito, trata-se apenas de opção legislativa. O art. 1.771 da lei 10.406/2002 recebeu nova redação pelo Estatuto, ficando determinado que o juiz antes de se pronunciar a respeito da curatela deverá ser assistido por equipe multidisciplinar. Tal art. Foi revogado pelo CPC e possui relação com o §2° do 751 desta lei, que dispõe que a entrevista poderá ser acompanhada por especialista. Enquanto um permite que o juiz seja acompanhado por especialista o outro exige a assistência de equipe multidisciplinar (DIDIER JR, 2015).

Ademais, o art. 1.772 do Código Civil, cuja redação também foi alterada pela lei 13.146/15, foi revogado pelo Código de Processo que determina que a sentença de interdição deve levar em consideração as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências e não só o estado e desenvolvimento mental do indivíduo, como constava na redação original do artigo, logo o EPD e o CPC estão em concordância com relação a este ponto  (THEODORO JÚNIOR, 2016).

Com as mudanças em relação ao sentido da capacidade do deficiente e das alterações legislativas a perspectiva é no sentido de a jurisprudência limitar cada vez mais a figura da interdição e não mais considerar a situação como um todo e sim da forma mais personalíssima possível. Essa situação é o reflexo de uma Constituição que se preocupa com a Dignidade da Pessoa Humana e confere aos indivíduos ampla autonomia para a vida privada, vindo o Estatuto da Pessoa com Deficiência consagrar que o deficiente não tem nenhum fato que impeça que o mesmo execute os atos da vida civil.

 

5 CONCLUSÃO

 

a presente discussão tratou do impacto das mudanças feitas pelo Estatuto Pessoa com Deficiência perante ao código de Processo Civil em vigor. Observa-se que a questão tem como princípios basilares a questão da dignidade da pessoa humana, bem como a busca por um direito que seja mais inclusivo e trate os deficientes, sejam mentais ou físico, da forma mais inclusiva, sem possuir meios processuais que legitimem a perda de poder dos deficientes para além do que sua condição lhe impossibilite.

Desta forma, foi traçada a problemática de como se estabeleceria a partir da mudança do Estatuto da Pessoa com Deficiência o rito processual estabelecido pelo Código de Processo civil. Traçou-se a hipótese de que seria valorada a mudança no Estatuto em reduzir o alcance da interdição, restando ao rito estabelecido pelo CPC/2015 se adequar as mudanças realizadas; ainda mais pela evidencia de presença de valores constitucionais – dignidade da pessoa humana- bem como pelo fato da temática tratar da própria concepção de existência destes que são abarcados pelo estatuto.

Para buscar a resposta o trabalho inicialmente percorreu o rito processual pelo qual o Código de Processo Civil adota. Assim observa-se que o mesmo trata da interdição, bem como a curatela de modo tradicional, ou seja, traz a possibilidade de interdição para todos os atos da vida civil do deficiente. Para tal realização dá a necessidade de petição inicial e ao longo do processo se atesta a real capacidade do deficiente e sendo a resposta positiva o juiz competente nomeia um curador, o qual, será a partir daquele momento o responsável pelos atos da vida civil de seu curatelado, não importando se o curatelado para alguns atos possui ou não capacidade; a partir daquele momento ele está sob a curatela.

Seguindo, tratou-se de analisar as inovações propostas pelo Estatuto da Pessoa com deficiência, a Lei 13.146/2015. A principal mudança vem com a mudança do paradigma a respeito da capacidade, que foi ampliada para os deficientes. Em termos práticos, nao é mais possível que uma pessoa maior de idade seja considerada absolutamente incapaz, ela pode ate ser incapaz, mas apenas para um determinado tipo de ato. A incapacidade absoluta se restringe apenas aos menores de idade, pelos quais não se aplica a figura do curador e sim do tutor. O Estatuto com a mudança reforça o seu caráter inclusivo e tem consequências diretas nos artigos do Código Civil, inclusive revogando-os em matéria de incapacidade absoluta para os maiores de idade.

Observando as mudanças e assim as consequências processuais, nota-se que a interdição perdeu força, bem como a curatela que inclusive tende a não se perdurar no ordenamento. Este enfraquecimento se deu pelo fato da interdição agora só ser possível para questões específicas da vida do deficiente, sendo este, a partir das mudanças feitas, uma pessoa plenamente capaz.

Além do enfraquecimento da interdição, ocorre o chamado atropelo legislativo. Pois existem normas vigentes que tratam de uma mesma matéria, mas não possuem conformidade material. É o caso do rito processual de interdição adotado no Código de Processo Civil que ainda adota a concepção ultrapassada de capacidade, a qual ainda admite que um deficiente tenha incapacidade absoluta. Para a solução nota-se que o melhor a ser considerado é o direito mais inclusivo, que seja conforme a ampla carta de direitos oferecidos pela Constituição e que inclua, na maior medida possível os deficientes na sociedade, afim de afirmar os mesmos como plenamente capazes de exercer seus atos da vida civil, sem a presença marcante do curador.

Resta, em caráter de continuação da temática proposta pelo trabalho, observar as consequências processuais desse atropelo legislativo; analisando como se forma a motivação da decisão dos juízes em matéria de deferir ou não a interdição, bem como a concepção de capacidade civil destes deficientes perante a sociedade. Busca-se, assim, a aplicação do melhor direito e a afirmação do caráter inclusivo e humano.


 

REFERÊNCIAS

 

ABREU, Barbosa Célia. PRIMEIRAS LINHAS SOBRE A INTERDIÇÃO APÓS O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1° ed, editora CRV, 2015.

 

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL, 2015, Lei n. 13.146, de 6 de jul. de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm; acesso em: 29 agosto 2018.

 

DIDIER JR, Fredie. Editorial 187. Estatuto da Pessoa com Deficiência, Código de Processo Civil de 2015 e Código Civil: uma primeira reflexão. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-187/. Acesso em 28/08/2018

 

GARJARDONI, Fernando da Fonseca. Ainda existe ação de interdição no CPC/2015?. Disponível em: < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/ainda-existe-acao-de-interdicao-no-cpc-2015-02042018> . acesso em 29/08/2018

 

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Disponível em: < https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=interdi%C3%A7%C3%A3o+novo+cpc+e+o+estatuto+da+pessoa+com+deficiencia&btnG= > Acesso em 29/08/2018

 

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais. 2 vol. 50 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.