O Encanto dos Dragões: Por que a Direita se Fascina pela Literatura Fantástica?

Por Rodrigo Araújo da Silva Vartuli | 09/07/2025 | Filosofia

O Encanto dos Dragões: Por que a Direita se Fascina pela Literatura Fantástica?


Introdução

No final de junho de 2025, Martin Sandbu publicou no Financial Times um artigo com uma pergunta provocadora: “Por que a direita é tão fascinada pela literatura fantástica?” A indagação não é nova, mas ecoa com mais força num momento em que lideranças conservadoras se aproximam simbolicamente de universos como o de Tolkien, Lewis ou Robert E. Howard. Neste ensaio, propomos uma leitura crítica, mas isenta de partidarismos, do argumento de Sandbu, sob a ótica do que chamamos de Crítica Sem Partido: um olhar distanciado, que não reduz fenômenos culturais a sintomas ideológicos, mas busca compreender sua complexidade simbólica e humana.


1. O argumento de Martin Sandbu: fantasias morais para tempos incertos Sandbu observa que figuras da nova direita populista, como Giorgia Meloni, J.D. Vance e Peter Thiel, demonstram grande afinidade com obras fantásticas. Tais narrativas fornecem, segundo ele, um mundo com clareza moral, hierarquias bem definidas, civilizações em decadência e heróis destinados a restaurar a ordem. Nesse sentido, a fantasia funcionaria como uma resposta emocional à modernidade: em vez de lidar com a fluidez, a complexidade e o caos moral da vida contemporânea, o indivíduo conservador se refugiaria em arquétipos de coragem, honra e tradição.


A análise não é infundada. Tolkien e Lewis, por exemplo, trabalhavam com mitologias que reforçavam ideais transcendentes, ordens naturais e uma visão teleológica da história. O herói tem um destino; o mal é real e deve ser vencido; a ordem pode ser restaurada. Esses valores ressoam especialmente com setores da direita que veem na modernidade não um progresso, mas uma decadência.


2. A parcialidade da crítica: como a fantasia também seduz a esquerda Apesar de acertar ao identificar essa afinidade, Sandbu erra ao sugerir que a fantasia pertence à direita. Ignora que autores como Ursula K. Le Guin (Earthsea), China Miéville (Perdido Street Station) ou mesmo Neil Gaiman (Deuses Americanos) também utilizam o gênero fantástico para construir universos simbólicos ricos em críticas sociais, ambiguidade moral e pluralidade cultural. A fantasia, nesse sentido, é um espaço simbólico, não uma trincheira ideológica.


O gênero permite tanto a construção de utopias igualitárias quanto a defesa de tradições heroicas. Reduzir sua apropriação a um campo político é ignorar sua plasticidade. É como supor que o amor pertence apenas aos românticos, ou a coragem apenas aos conservadores. A fantasia oferece sentido, não um programa partidário.


 

3. Maniqueísmo e perigo simbólico: uma crítica necessária, mas universal O ponto mais agudo de Sandbu é sua crítica ao maniqueísmo: a ideia de que as histórias fantásticas, ao colocarem o bem contra o mal de forma tão clara, alimentariam visões radicais e intolerantes. Isso é plausível. O discurso político, quando mimetiza a estrutura narrativa dos contos de fadas, pode tratar adversários como monstros, não como pessoas.


Contudo, esse risco não é exclusividade da direita. Toda ideologia que transforma a política numa batalha moral absoluta está sujeita ao mesmo perigo. Revolucionários de esquerda, fanáticos religiosos ou militantes extremados muitas vezes compartilham da mesma lógica simbólica: há um Inimigo, e ele deve ser derrotado.


4. A busca por sentido: um impulso humano, não ideológico Ao ridicularizar o fascínio conservador por narrativas heroicas, Sandbu despreza algo fundamental: a necessidade humana de sentido, beleza, ordem e transcendência. Isso não é sinal de fuga ou fraqueza, mas parte da experiência simbólica que nos constitui. É natural que pessoas busquem mitos, arquétipos, mapas morais. O problema não está em amar Tolkien, mas em usá-lo como justificativa para excluir, dominar ou negar a complexidade humana.


Um olhar equilibrado reconhece que a fantasia oferece alimento simbólico para diferentes visões de mundo. Não é um cavalo de Troia ideológico, mas um espelho mitológico onde civilizações inteiras se reconhecem e se reinventam.


Conclusão: A fantasia como campo simbólico plural

A literatura fantástica fascina a direita, sim. Mas também a esquerda, os liberais, os anarquistas, os niilistas. Porque sua força está em falar com a alma, não com a cartilha. Reduzir esse fenômeno a um “sintoma ideológico” é empobrecer tanto a análise cultural quanto o valor literário dessas obras.


Como escreveu G.K. Chesterton: “Os contos de fadas não existem para dizer que os dragões existem. Eles existem para dizer que os dragões podem ser vencidos.” Essa mensagem é universal. Não pertence à direita, nem à esquerda. Pertence a todos que, em algum momento da vida, lutaram contra seus próprios dragões.


 


 



 

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