O Consumo de Sumos Naturais por Crianças em Ambiente Escolar Comunitário e os Factores que Influenciam a Aceitação ou Recusa, o caso da Escolinha Comunitária de Picoco

Por Atilio Muhai | 06/06/2025 | Saúde

Este artigo analisa os factores que influenciam a aceitação ou recusa de sumos naturais por crianças da Escolinha Comunitária do Picoco, no âmbito de uma intervenção nutricional promovida pela Associação Moçambicana de Segurança Alimentar e Nutricional (AMOSAN). O estudo, de abordagem mista e natureza descritiva, envolveu 137 crianças e recorreu a observação directa, entrevistas com educadores e questionários aplicados a encarregados de educação. Os resultados revelaram três padrões principais de comportamento: recusa total, consumo parcial e aceitação completa do sumo, sendo esta última observada em 87% das crianças. A análise dos dados evidenciou que factores sensoriais (como o sabor e o aroma), hábitos alimentares anteriores, influência dos colegas e apresentação da bebida (temperatura, cor, recipiente) foram determinantes na resposta das crianças. A familiaridade com alimentos naturais e a criação de um ambiente favorável revelaram-se elementos facilitadores do consumo. Os resultados indicam que, para garantir a eficácia de intervenções alimentares em contextos educativos, é necessário adoptar estratégias adaptadas ao universo sensorial e cultural das crianças, reforçando a educação alimentar, o envolvimento familiar e a adequação da apresentação dos alimentos. O estudo contribui para a reflexão sobre práticas alimentares em ambientes escolares comunitários e oferece orientações úteis para organizações que actuam na promoção da saúde infantil.

Palavras-chave: alimentação infantil; sumos naturais; comportamento alimentar; educação alimentar; ambiente escolar.

1. Introdução 

A promoção de hábitos alimentares saudáveis durante a infância constitui uma prioridade para instituições educativas e organizações comunitárias que trabalham em prol do bem-estar infantil. Em contextos escolares, a oferta de alimentos como sumos naturais pode representar uma oportunidade para reforçar práticas alimentares benéficas e combater o consumo excessivo de bebidas industrializadas. No entanto, a aceitação por parte das crianças nem sempre é garantida, sendo influenciada por múltiplos factores sensoriais, sociais e culturais. Na Escolinha Comunitária do Picoco, localizada no distrito de Boane, província de Maputo, Moçambique, com o apoio da AMOSAN, foi implementada uma acção de distribuição de sumos naturais a cerca de 137 crianças. Observou-se, no entanto, que o comportamento alimentar das crianças foi diverso: uma parte recusou consumir o sumo, outra ingeriu apenas uma porção e a maioria (87%) consumiu-o por completo. Esta situação suscita questionamentos importantes sobre as razões subjacentes à recusa ou ao consumo parcial, sobretudo num contexto onde o acesso a alimentos nutritivos é escasso. Este estudo pretende investigar os factores que influenciaram a aceitação ou recusa do sumo natural pelas crianças da referida escolinha, tendo em vista a melhoria de estratégias educativas e nutricionais mais ajustadas às realidades locais. Especificamente o estudo visa identificar possíveis barreiras sensoriais (sabor, cheiro, textura) ao consumo do sumo natural; compreender o papel dos hábitos alimentares anteriores na aceitação ou rejeição da bebida; analisar se factores sociais (influência de colegas, normas culturais) afectaram o consumo do sumo e avaliar se a apresentação do sumo (cor, embalagem, temperatura) interferiu na aceitação pelas crianças. Apesar do esforço da AMOSAN em fornecer sumos naturais a crianças em idade pré-escolar, registaram-se diferentes comportamentos alimentares durante a actividade, variando entre a aceitação total, o consumo parcial e a recusa. A identificação das razões por trás destas reacções poderá contribuir para ajustar futuras intervenções alimentares neste e noutros contextos educativos semelhantes. Diante do cenário observado na actividade de distribuição de sumo natural na Escolinha Comunitária do Picoco, emergiu a necessidade de compreender os factores subjacentes à recusa 3 ou ao consumo parcial da bebida por parte de algumas crianças. Assim, formulou-se a seguinte questão de investigação: quais são os factores que levaram algumas crianças da Escolinha Comunitária do Picoco a não consumirem ou a não terminarem o sumo natural oferecido pela AMOSAN? Com base nas observações em campo e na literatura sobre comportamento alimentar infantil, foram levantadas quatro hipóteses orientadoras para o estudo. A primeira hipótese (H1) considera que algumas crianças podem ter recusado ou não terminado o sumo devido ao sabor ou aroma pouco familiar, provocando uma reacção de estranheza ou desagrado sensorial. A segunda hipótese (H2) aponta para a influência dos hábitos alimentares anteriores, nomeadamente o consumo regular de bebidas industrializadas, o que poderá ter reduzido o interesse por uma bebida natural menos doce ou menos processada. A terceira hipótese (H3) propõe que a recusa tenha sido influenciada pela opinião ou comportamento de colegas, sugerindo a existência de uma pressão social ou efeito de grupo entre as crianças. Por fim, a quarta hipótese (H4) considera que a forma de apresentação do sumo – incluindo aspectos como a temperatura, a aparência visual e o tipo de recipiente utilizado – poderá ter interferido negativamente na sua aceitação. Estas hipóteses permitiram orientar a recolha e a análise dos dados, oferecendo uma base interpretativa para a compreensão do fenómeno observado. A recusa de alimentos saudáveis por crianças em idade pré-escolar é um fenómeno que pode comprometer os esforços de promoção da saúde e prevenção da malnutrição infantil. Este estudo reveste-se de especial importância por emergir de uma experiência de campo real, em que se procurou introduzir uma bebida natural como alternativa às opções industrializadas. A motivação central reside no desejo de compreender os factores que limitam ou favorecem a aceitação alimentar neste grupo etário. A Escolinha Comunitária do Picoco foi seleccionada como local de estudo por permitir contacto directo com as práticas de alimentação colectiva em ambiente educativo. Institucionalmente, a investigação contribui para que organizações como a AMOSAN ajustem as suas acções de forma mais eficaz, com base em evidências empíricas. Socialmente, o trabalho favorece a criação de abordagens mais sensíveis às preferências e contextos culturais das crianças. [...]

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