Nós e os nós.

        A vida, em todos os tempos, traz desafios e deixa resultados que envolvem o traçado dos caminhos escolhidos pelo homem. Os desafios fazem do caminhar, uma constante descoberta que naturalmente nos apresenta entraves e catracas que insistem em nos reter, a fim de que sejam testados os nossos imites e capacidade de superação.

        Quando começamos a caminhada da vida, sem fatalismo, há de se reconhecer: ninguém nasce amando, odiando, gostando ou desgostando de algo ou de alguém; nenhuma criança, por si mesma, começa a escolher o que lhe convém, sem que alguém a ensine. Nesse mister, inicia-se a inquietação que moveu a emissão deste trabalho: com todos os cuidados que vêm sendo dispensados às nossas crianças, por que, a cada dia, elas ficam menos resistentes, menos críticas, menos seguras, menos equilibradas, menos sensatas... menos pessoa, mais fragilidade, mais complexos?

     Sem levantar o eixo do chavão, “ onde foi que erramos”,  nunca foram registrados tantos desencantos, desencontros, descontentamentos  dificuldade de diálogo entre gerações. Nunca se elevaram os desgastes nas relações entre pais e filhos que insistem em se afastar e cada um buscando os caminhos que lhe convém. E nesse ponto surge o significativo símbolo dessa abordagem: os nós.

        Quando a criança se vê diante de um desafio que está além de suas possiblidades de solução, o que era para ser apenas um pequeno empecilho para sua tenra caminhada transforma-se em um grande e intransponível entrave. Ela, por não ter aprendido que está em suas mãos a força de desfazer o nó para seguir o seu caminho, se perde. Pela inexperiência acumulada pelo fato de nunca ter convivido com a realidade dos limites como motivação para o crescimento,  a criança ganha corpo, angaria e amplia conhecimento, mergulha no fantástico mundo da inteligência artificial, acredita-se senhora de si e não teve tempo de aprender a ser, de treinar a emoção de perder e ganhar, de errar e buscar o acerto, de reconhecer que os tropeços são impulsos que os nós que a vida nos impõe são, na verdade, oportunidades para novas conquistas e realizações do porvir.

        Não saber desfazer um nó pode ser o fim da linha; não saber dar um nó nos turbilhões de emoções que no dia a dia, somos obrigados a administrar, pode ser motivo para frustrações, desolamento, isolamento, tristeza e desistências... Não  que a criança, por natureza, seja mais, ou menos capaz. Não que ela seja frágil ou dependente, mas ela está despreparada para o que  desconhece: ser ela mesma.

     Muitas vezes, precisamos de provações para percebermos os nossos limites. E esses limites precisam ser aquilatados, lentamente, num processo contínuo de informação, orientação e formação de seres capazes de suportar quaisquer revezes que  vida apresente. Em todos os tempos, as lições foram conduzidas por pais rigorosos que não se permitiam falhar no forjar da tenacidade de suas crias. Nesse meio tempo, surgiram e sumiram novidades que somaram e subtraíram nas contas da estrutura social que nasce e termina na família. Não se discute, nem deveria se discutir qual o modelo dessa ou daquela família. O modelo é aquele que cria e define regras comportamentais que asseguram que o futuro da humanidade vai estar garantido no amanhã, pela firmeza de caráter do hoje, sempre pensando: não basta formar técnicos, mecânicos, mas homens firmes no pensar, no agir, no ser.

       Para uma corda prestar-se a escada, ela precisa de nós; Para escalar uma escada de cordas é preciso que haja nós, de forma contínua e repetitiva;  cada vez que galgamos um novo nó, é a certeza de um novo lento, de um novo avanço, de um passo adiante; que fez os nós, não vem ao caso, mas é preciso que existam. Se o usuário dos nós, para a subida é o autor dos  nós, melhor ainda, pois ele sabe sua origem, seu formato, sua resistência ou complexidade; se o nó foi dado pelo pai do usuário, certamente é um nó confiável; se a corda ganhou nós, sem critério, sem responsabilidade, sem uma “assinatura”, há de se questionar a sua segurança, a sua capacidade; mas o nó precisa existir. Já que sua ausência seria uma falta, que eles venham e que estejamos preparados para tê-los como ferramenta, como suporte, como trilha, como saída, como solução.  “Muitas vezes, os nós da vida podem transformar cordas em escadas: depende das mãos”

       “O homem não é mau, age mal; o pai não é desatento, não foi treinado a dizer que não é não e que sim é sim; a criança não aprende a ser má, aprende mal; o pai trabalha muito, resta-lhe pouco tempo para educar bem; investe bem, mas ouve mal; trata bem,  mas administra mal o comportamento do filho; o filho não é mau, mas aprende mal; a família se esforça para atender bem, mas o acostuma mal...”

      Uma criança que aprende a valorizar o eu tem começa a demonstrar seu cuidado com a vida e consigo mesma sempre que lhe é cobrado um determinado comportamento. Ela sai de casa porque os pais permitiram ou mandaram; ela sabe que deve voltar e prestar contas de sua saída: do que buscou, do que levou, do que trouxe, do que fez, por onde esteve, com quem esteve, o que viu, o que aprendeu. Ela, a partir desse perfil que lhe formaram, saberá, de antemão, que nada é por acaso, tudo tem uma razão de ser. Ao sair, é porque está preparada para enfrentar os descaminhos; se não estiver pronta para ação, não sai. Se não está apta a ir e vir, não vai.

      Esse raciocínio ganha uma comparação que dispensa explicações: algum adulto, de sã consciência, permite que uma criança, um jovem ou até mesmo um outro adulto não habilitado pegue a chave de um carro e saia por aí desafiando as leis de trânsito e da natureza?  É a mesma questão: não se pode deixar que uma criança saia para enfrentar o mundo sem as devidas armaduras. Armaduras aqui, representadas pela responsabilidade, pela maturidade, pela consciência de que lá fora existe um mundo que tem tudo para ser mais hostil que sociável; mais complexo que pacífico; mais tóxico que saudável, mais perigoso que seguro.

    “Não criamos filhos para nos mesmos, mas sim, para o mundo”. Essa máxima referenda a necessidade de se preparar as crianças para uma constante batalha entre o bem e o mal, entre o ir e  o vir; entre o ser e o ter, entre o querer e o poder, entre a mentira e a verdade, entre o que vale e o que não vale a pena, entre o princípio e o fim, entre confiar e desconfiar, entre vencer e perder, entre saber que é preciso dar um nó, ao mesmo tempo que é preciso saber desatá-lo.

     Onde estão sendo preparadas as crianças que serão pais, muito antes do que se imagina? Onde estão sendo treinados os jovens para entenderem que os ensaios da vida real, são a própria vida? Que não se ensaia ser adolescentes, se é; não se ensaia saber respeitar, respeita-se; não se ensaia viver; vive-se. Os ensaios são representados pelo que se idealiza, nem sempre pelo que se realiza. Na busca pela vida plena se aprende fazendo. Quando se é criança o fazer pertence aos adultos, o exemplo é que vai arrastar a criança para colher o que resultou da ação do adulto, a quem cabe agir e mostrar: como se faz, para que se faz, para quem se faz, por quanto se fez. Jogo limpo, nós feitos, nós desfeitos: depende das mãos.

  • Sebastião Maciel Costa