Mulheres africanas e as mudanças históricas: continuidade e descontinuidade na história das mulheres e do género 

                                                              Lourindo Verde[1]

Orlando Bernardo Munhaque[2]

 

Resumo 

O presente artigo aborda sobre as questões das mulheres africanas e as mudanças históricas: continuidade e descontinuidade na história das mulheres e do género, o mesmo tem como objectivo fazer uma análise critica sobre a situação mulheres nestes três períodos e suas atuações durante os três referidos períodos nas diferentes áreas. Metodologicamente o artigo foi desenvolvido na base de consultas bibliográficas e com isto chegou-se a conclusão que antes da presença europeia no continente africano, existia a partilha de poder entre os sexos, uma tradição que depois veio a ser enfraquecida com a colonização europeia e introdução da cultura ocidental. A pós-independência, a emancipação das mulheres se destacou como uma das prioridades, uma iniciativa resultante do facto dos partidos-estado, desde a sua formação terem definido a emancipação feminina como uma de suas diretrizes políticas, mas também, da actuação que as mulheres tiveram durante o período da luta de libertação nacional, não se tratando simplesmente de uma política de concessão do novo governo. Por tanto, estas iniciativas foram com tempo sendo ensombradas pelas concepções sociais africanas sobre o papel da mulher, que tem sua maior tendência de subalternização da mulher.

 

Palavras – Chaves: Mulheres, Africanas, Mudanças, continuidade e descontinuidade,

 

1. Introduҫão

O presente trabalho pretende analisar a evolução da situação da mulher no período colonial e pós-colonial.

A sociedade africana é marcada pela construção de imagens, modelos sociais, culturais que muitas vezes norteiam a opinião pública e o comportamento das pessoas. O facto da sua estrutura familiar apresentar assimetrias entre um lugar para o outro e pelo facto de existirem diferenças morfológicas entre os sexos, masculino/feminino, fizeram com que a imagem de submissão e restrições culturais fossem dadas as mulheres, denominada como o sexo “frágil” por possuírem uma característica física e psicológica diferente dos homens.

Sobre o assunto, SEMEDO e BARROS (2012), entende que no modelo da família africana, os homens são denominados como responsáveis para segurança e o sustento familiar ao passo que as mulheres recebem uma educação voltada a cuidar do marido e da casa. 

É nesta perspectiva que a pesquisa se centra sobre a situação das mulheres africanas sobretudo na política, olhando nos três períodos históricos distintos, onde no primeiro pretendo analisar o desempenho e o percurso da mulher africana durante o período colonial e o segundo, abordo sobre a época em que existia apenas um único partido e o terceiro e ultimo, procuro entender a que se deve a invisibilidade das mulheres africanas na vida política.

O objectivo da pesquisa é de observar e analisar a situação mulheres nestes três períodos e suas actuações durante os três referidos períodos nas diferentes áreas.

As informações aqui apresentadas são resultantes da revisão e analise bibliográfica de obras que abordam a evolução da situação da mulher em África.

Em termos de estrutura o trabalho está dividido em três partes: primeiro descreve a situação da mulher no período colonial e a segunda parte no período pós-colonial ou período do partido único e por fim o período da democratização os países africanos.

2. Situação da Mulher em África 

África é um continente constituído por uma diversidade de tradições, culturas, etnias, idiomas, que leva a qualquer generalização teórica ao fracasso, em especial sobre a configuração da existência de gênero no continente. A experiência de gênero africana precisa estar localizada na intersecção entre dois encontros históricos interdependentes e ainda em conflito, que são as imposições externas e o processo histórico-cultural. É sobre estes dois contextos que impõe o debate historiográfico da mulher em África que ira nortear o desenvolvimento do presente ensaio.

2. 1 A situação da mulher no período colonial

De acordo com Mazuri (2010), a presença colonial europeia em África, alterou o papel tradicional das mulheres africanas, de guardiã do fogo, da água e da terra. As mulheres africanas começaram a dedicar-se em outras tarefas como por exemplo a diplomacia e trabalhos assalariados.

A procura de metais preciosos, a curiosidade científica, a necessidade de expandir a fé conduziram a Europa a realizar a sua expansão que culminou com a ocupação efectiva de África, a partir do século XIX.

Ainda neste processo, principalmente após 1935, os papéis e as funções atribuídos aos homens e às mulheres em África transformaram-­se sobremaneira em numerosas culturas tradicionais, acreditava­-se que Deus fizera da mulher a guardiã do fogo, da água e da terra, cabendo ao próprio Deus a guarda do quarto elemento do universo, o ar Onipresente (Mazuri, 2010).

Descrevendo os três papéis tradicionais atribuídos às mulheres neste período (Mazuri, 2010), afirma o seguinte:

  1. Na qualidade de guardiã do fogo, a mulher devia prover energia à coletividade. Ora, a madeira de aquecimento constitui a principal fonte de energia na África rural. Às mulheres africanas reservara­‑se, portanto, uma responsabilidade sem medida: elas deviam encontrar lenha e transportar enormes feixes, embora, muito amiúde, fossem os homens quem derrubassem, previamente, as grandes árvores das quais esta lenha era extraída.
  2. Como guardiãs da água, fonte, as mulheres estavam encarregadas de fornecer à família esta indispensável substância. Elas percorriam enormes distâncias para encontrá­‑la; conquanto, frequentemente, coubesse aos homens a perfuração dos poços.
  3. O papel das mulheres, em respeito à guarda da terra, ligava­-se à ideia da dupla fecundidade. As mulheres garantiam a sobrevivência da geração presente, desempenhando uma atribuição primordial no âmbito da cultura do solo, do qual elas mantinham a fertilidade. Assim como, em sua função materna, em virtude da sua própria fecundidade, a elas se outorgava dar vida à geração seguinte. Esta dupla fecundidade constituía um aspecto do triplo papel­‑guardião, próprio às mulheres africanas, em que pese o seu trabalho estar sempre associado àquele dos homens.

No entanto, a concepção tradicional do papel feminino acima citado foi modificada pelo sistema colonial europeu. Neste sistema os homens passaram a dedicar-se mais em trabalhos assalariados e, nalguns casos, distantes da sua região de origem, influenciando deste modo a divisão sexual do trabalho.

Para Hay (1976) apud Mazuri (2010), a ausência prolongada dos homens exerceu uma influência na divisão sexual do trabalho; às mulheres e crianças jamais ser­‑lhes­‑ia requerido ocuparem­‑se dos trabalhos agrícolas com tamanha intensidade.

Ao longo dos anos 1950, algumas comunidades da África do Sul apresentavam uma surpreendente bipartição: elas se dividiam em proletariado masculino (trabalhadores fabris) e uma população camponesa, antes e sobretudo, do sexo feminino. A regulamentação e as normas que, na África do Sul, impediam os mineiros de trazerem as suas mulheres para junto de si, agravavam sobremaneira esta tendência à segregação sexual, ao apartheid sexual.

Para além do trabalho assalariado nas minas e em outras actividades as guerras de libertação, ocorridas na África, a partir dos anos1960, contribuíram para a emigração na sua maioria de indivíduos do sexo masculino para participarem na mesma. Esta emigração perturbou a vida familiar e modificou a tradicional divisão do trabalho entre os sexos.

Deste modo pode-se dizer que a presença colonial europeia fez com que muitas mulheres africanas deixassem de desempenharem o seu triplo papel de guardiãs do fogo, da água e da terra.

Cabral (1974, p. 23), diz que por exemplo, com a formação de movimentos nacionalistas e inicio das lutas armadas, foi muito crucial a aceitação das mulheres no seio da tomada de decisão, pois os homens se recusavam a participar nas reuniões juntos com as mulheres, de um lado, e, de outro, ele acrescentava que se eles quisessem traçar um objetivo perante a luta armada, precisavam validar não apenas as suas ideias, mas também as das mulheres, porque só assim é que iriam conquistar a emancipação que tanto almejavam.

O intuito de Cabral era de mostrar o quão era importante à participação das mulheres para conquista da independência e que os seus papéis não se resumiam apenas ao lar e à educação dos filhos, mas elas também eram aptas para ocupar lugares que habitualmente apenas os homens ocupavam

Por exemplo, SEMEDO e BARROS (2010), também diz que as lutas de libertação nacional foram um período de mudanças nas vidas das mulheres, pois foi um momento em que a perspectiva de vida da camada feminina se alterou: o espaço de acção alarga-se do privado, doméstico para o público, a militância política e a participação como guerrilheira e profissionais das mais diversas áreas, abrindo-se, assim o caminho para grande aventura da construção da cidadania das mulheres africanas.

No entanto, o caso moçambicano, quando se começou com as primeiras forças guerrilheiras, as mulheres tinham muitas dúvidas e não sabiam as tarefas assim como quais as responsabilidades que se esperavam da mulher na luta. Mesmo vivendo há muito tempo em Bases guerrilheiras, algumas nem sequer compreendiam porque lá estavam. Quando o camarada Mabote vinha informar sobre as tarefas da mulher, as mulheres ficavam zangadas, quase que o insultavam, não compreendiam, na altura, o valor das lições que ele lhes dava. … Agora vejo-me em posição idêntica à de um homem e não a de uma mulher simples como era” (Conversações do Chefe do DD com responsáveis dos Destacamentos Femininos na despedida das mesmas, Nachingwea, 02/10/67, Cx 46, DE Actas 1).

 

 

2. 2 A situação da mulher no período pós-colonial

Gomes (2015) assinala que o fim dos anos sessenta do século XX foi acompanhado por um crescente interesse de intelectuais africanos pela “redescoberta” do passado histórico do continente, pelas ideias de liberdade e de unidade. Descobriu-se assim que a emancipação das mulheres africanas estava condicionada substancial e formalmente de formas diferentes daquelas que as mulheres do mundo ocidental tinham experimentado ao longo dos anos. Porém, devido ao legado da colonização, houve profundas mudanças e retrocessos no campo da liberdade.

De acordo com Gomes (2015):

 No pós-colonial, a categoria “gênero” começou por ser utilizada para indicar a construção social das diferenças e das desigualdades características das sociedades humanas, ocidentais e não só. O “gênero” foi sendo concebido como uma categoria política orientada no sentido da redefinição das relações de poder, público e privado, entre homens e mulheres, ao mesmo tempo em que se transformava numa categoria epistemológica, de pesquisa, finalizada a refundar os processos de conhecimento (Gomes 2015).

De acordo com a supracitada, do ponto de vista teórico, a partir dos anos 1980 no sentido da desconstrução nos estudos “pós-coloniais”, em termos de gênero, sustentaram-se questões essenciais sobre a produção do conhecimento: quem o produz; em que condições sociais e políticas é formulado o discurso; e a quem se destina esse conhecimento, por isso que (Adichie 2015), entende que:

O feminismo aparece como movimento novo no contexto africano, exclusivo entre grupos de mulheres. Inclusive, muitas dessas mulheres são atacadas como sendo não-mulheres, talvez, pela sua resistência às imposições de gênero, demarcando a naturalidade na desigualdade e o estranhamento à posição ou posicionamento de igualdade. A autora entende ser necessária uma educação feminista, a começar desde casa uma educação feminista das crianças. Vendo resultados positivos nos termos da fuga da submissão em relação a aquelas que aderem ao feminismo, a autora sugere o feminismo para todas as pessoas como uma estratégia de mudança eficaz nas relações de gênero. (Adichie 2015).

O dito pela autora, foi característica em África após coloniais, em que a posição das mulheres no seio da representatividade nos órgãos públicos de soberania ficou encarregado na sua maioria para as que foram à luta armada, nessa lógica, segundo Semedo e Barros (2012. p.43) no período do partido único, o qual vinculou muitos países africanos, ficou visível a queda do número das mulheres, senário que veio a conhecer um novo rumo com a emergência do regime democrático em muitos países africanos, com aprovação novas constituições, que se encontram actualmente num processo de consolidação.

Segundo Mazurui (2010), neste período, quando a actividade económica africana revestia­-se de um carácter mais local, as mulheres exerciam uma função decisiva nestes mercados locais, desempenhando a função de comerciantes. Desde então, a tendência à expansão das actividades económicas, característica dos períodos colonial e pós­-colonial, progressivamente excluiu as mulheres dos centros decisórios da economia internacional, porem, apesar das mulheres africanas participarem activamente na vida política elas subordinam-se aos homens.

 

2. 3 A situação da mulher no período das democracias africanas 

RUDEBECK (1997, p.2) define a democracia como um regime que dá todos os cidadãos adultos uma participação igual no exercício do poder e ao mesmo tempo garante o respeito da integridade dos grupos minoritários e cidadãos individuais. Por outro lado, os estudiosos da ciência política definem democracia como um regime que implica o direito a voto para todos os cidadãos adultos, eleições regulares, liberdade de organização, liberdade de expressão e estado de direito.

Esta definição de Rudebeck, remete-nos a um entendimento de que actualmente, a mulher em Africa encontra um espaço privilegiado no exercício pelo dos seus direitos cívicos, da maneira que assistidos nos nossos dias a presença da mulher em todas esferas da vida, desenvolvendo actividades socioeconómicas embora se questione sua contribuição qualitativa e quantitativa.

O autor acima, avaliando a situação da mulher dentro do sistema democrático africano, considera que a pobreza é um aspecto de incómodo para esse novo regime, uma vez que a grande maioria da população vive na carência, que de alguma forma afecta mais as mulheres.  Contudo, este autor enfatiza que é possível que a democratização tenha trazido menores efeitos para as mesmas, porque apesar de obtiverem menos votos pode-se dizer que houve um aumento de mulheres nos lugares de tomada de decisão e nos órgãos de soberania em relação ao regime anterior. Apesar disso, ele conclui que mesmo reconhecendo os avanços, isso não torna suficiente para relacionara democracia eleitoral com a emancipação da mulher.

Conclusão

Antes da presença europeia no continente africano, existia a partilha de poder entre os sexos. Esta tradição foi enfraquecida com a colonização europeia e introdução da cultura ocidental.

Para além da colonização europeia as guerras civis que ocorreram em alguns países africanos depois das independências, a introdução de novas técnicas e da educação ocidental influenciaram a situação das mulheres africanas.

As mulheres africanas foram marginalizadas em algumas actividades, conferindo-lhes lugares de maior destaque em outros domínios.

Entre as políticas sociais dos governos africanos pós-independência, a emancipação das mulheres se destacou como uma das prioridades. Essa iniciativa resultou do facto dos partidos-estado, desde a sua formação terem definido a emancipação feminina como uma de suas diretrizes políticas, mas também, da actuação que as mulheres tiveram durante o período da luta de libertação nacional, não se tratando simplesmente de uma política de concessão do novo governo.

Por tanto, estas iniciativas foram com tempo sendo ensombradas pelas concepções sociais africanas sobre o papel da mulher, que tem sua maior tendência de subalternização da mulher.

Sabe-se que a forma de organização social tradicional, permitiu às mulheres ocuparem o papel de produtoras. Em boa parte do continente africano, a organização das sociedades foi fortemente influenciada pelas relações de parentesco que tem como base o sistema de linhagens. Trata-se de um sistema variado e com um nível de predominância diferenciado nos espaços urbanos e rurais, porém, podem apresentar alguns aspectos comuns e condicionaram a forma de inserção dessa mulher em diferentes espaços da vida.

Bibliografia

ADICHIE, Chimamanda N. Sejamos todos feministas. Tradução Christina Baum. 1 ed.    

       São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

AMIN, Samir e HOUTART, François (org.). Mundialização das resistências: o estado

       das lutas 2003. São Paulo, Cortez, 2003.

MAZRUI, Ali. A. O Horizonte 2000. In UNESCO. História Geral de África. VIII. África

        desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Pp. 1095-1131.

GOMES, Patrícia G. O estado da arte dos estudos de gênero na Guiné-Bissau: uma 

        abordagem preliminar. Outros tempos, vol. 12, n. 19,  p. 168189, 2015

RUDEBECK, Lars. Buscar a felicidade. Bissau. INEP. 1997

 

 

[1]  Licenciado em Ensino de História, Mestre em Ciências Políticas, Doutorado em História de África Contemporânea – Universidade Pedagógica, Docente de História Moderna e Contemporânea da Europa e América na Universidade Licungo - Moçambique

[2]  Licenciado em Estudos de Desenvolvimento – Universidade A´Politécnica, e Mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos – Universidade Pedagógica, Delegação de Nampula.

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