MORCEGO CHUPADOR

(Contada por Zeca Perigo, hoje Zeca Mafra ou ZM).

 

O lugar onde aconteceu o presente episódio, é conhecido como Lago da Barreira, no caminho entre Maués e Boa Vista do Ramos no Estado do Amazonas, a poucas horas de barco de Maués. Naquele lugar, morava o nosso personagem e sua família. O lugar era lindo, com pastagem para o gado, rios e lagos, onde a pesca era farta. A agricultura era somente para o sustento da família, sobrando pouco para a comercialização com os regatões e comerciantes em Maués. Esporadicamente, Dchanga ia a cidade. Levava alguns produtos: banana, leite, queijo, coalhada e peixe. Da venda de tais produtos, comprava os mantimentos necessários: açúcar, querosene, tabaco, munições e utensílios de pesca, o suficiente para durar alguns meses, sem a necessidade de ir novamente a cidade.

A vida no campo era tranqüila. De dia cuidava-se do gado e cultivava-se a lavoura. A noite era para a pescaria, a chamada porongação1. A rotina era a mesma ao longo dos anos. Com os filhos já crescidos, Dchanga sentiu que era hora de mudar-se para a cidade, onde matricularia todos para estudarem no grupão2 Santina Filizola, pois não queria que se criassem analfabetos.

Entretanto, um acontecimento antecipou sua mudança. Uma peste de morcegos se abateu sobre a fazenda, os chupadores sugavam gados, cavalos, matavam galinhas, patos e perus. O pacato Dchanga entrou em desespero. Utilizou de todas as armadilhas que lhe ensinavam. Defumação com casa de cupim, canarana seca, fumaça com chifre de boi, colocou tiririca em todas as entradas da casa e nos locais onde os animais dormiam, porém nada surtia efeito, os famigerados morcegos ficavam cada vez mais vorazes. Começaram a atacar as pessoas e, seu principal alvo, era exatamente Dchanga.

Diante do fato agravante, Dchanga procurou o “curador” Sátiro que morava no Rio Apocuitua-Mirim. O “sacaca” fez despachos, no entanto nenhuma de suas “simpatias” surtiram efeito, a vida outrora de descanso, a cada dia  piorava, um verdadeiro inferno.

Sua esposa vivia sobressaltada e passava noites sem dormir, matando carapanã com o fogo da lamparina e ao mesmo tempo, vigiava seus filhos e o marido, que ao final de uma noite porongando, caía em sono profundo.

Em uma dessas noites, ao voltar da pescaria de madrugada, assim que se deitou na rede, o sono tomou-lhe conta, roncava igual a um porco. A rede em que dormia, bastante “surrada”, já apresentava alguns remendos. Ao enrolar-se na rede, e dormindo somente de cueca “samba-canção”, o passarinho3 de Dedé varou pelo buraco da cueca e em seguida pelo rasgo da rede, ficando com toda a pelanca à mostra. Sua esposa com pouca visão, ao queimar um carapanã no marido, observou aquele vulto, que, em contraste com o fogo da lamparina, parecia vermelho, idêntico a um morcego. Pensando ser um enorme chupador, sua esposa não perdeu tempo. Armou-se com um par de tamancos (o calçado da época) bem pesado e com as duas mãos, esmagou o estranho vulto.

O grito que se ouviu em seguida foi horrível. Gemidos, sussurros e pedidos de piedade... O pobre Dchanga nem imaginava o que estava acontecendo, pensava ter sido mastigado por uma cobra grande ou ter levado uma mordida de cobra surucucu. O nosso personagem hoje já não convive em nosso meio. Se o fato ocorreu ou não, fica por conta da imaginação de cada leitor (a).

 

Glossário:

1.  É a pesca efetuada à noite na qual se utilizava uma lamparina para iluminar 2. Como era chamada a Escola Estadual Santina Filizola. 3. O pênis.