A liturgia é um ato de fé. A fé é, antes de tudo, um dom. A fé, como a vida, nos é dada. É um dom. Ela nos é dada gratuitamente antes de esboçarmos qualquer gesto meritório. Mas a fé é também o fruto de uma conquista de realizar, ao máximo, qualquer possibilidade humana de pensar, de amar, de agir. È alcançar o impossível (mistério), a partir do qual surge todo possível, esboçado ou pré-figurado na "liturgia". O homem vive continuamente, permanentemente no impossível (mistério) de si próprio. Ele está sempre no dom da fé, vislumbrada na "liturgia”. Crescer na correspondência desse impossível (mistério) é a conquista do dom da fé. No simples ato de andar nos damos conta desse diálogo de fé. Na medida em que no andar percebo o meu poder, percebo que estou no exercício de um dom. (No rito litúrgico este diálogo é muito mais claro e explicito). Estou no imponderável da ação. Jamais posso garantir, no tempo e no espaço, a competência, a continuidade do dom de andar. Toda competência humana se exerce a partir de uma dádiva gratuita, isto é, do impossível (mistério) a nosso poder. Exprimir o impossível (mistério) em que estamos é próprio da fé e na liturgia isso se concretiza. Estamos sempre nesse impossível (mistério). Portanto a fé está sempre presente em toda nossa experiência humana. O mesmo acontece com os ritos "litúrgicos". Eles não estão fora do homem, mas estão na raiz do humano. O ser humano é humano porque tem essa capacidade de celebrar o mistério. O homem pode perceber o mistério da noite de todos os dias e do abismo de todas as auroras. Isso porque estamos gratuitamente mergulhados no mistério e não escapamos a sua presença, qualquer que seja o ponto de partida de nossas reflexões, de nossas ações, de nossa existência e de nosso viver cotidiano. É inconcebível qualquer rito “litúrgico” sem estes dois pré-supostos: fé e vida. Não são pré-supostos abstratos, mas sim, existenciais e vivenciais. As duas faces da mesma moeda. A “liturgia" é a síntese da fé e da vida. Esse mistério está mais evidente quando se faz depender tudo da existência de Deus: o Existir Puro. Embora possamos perceber a existência de todo ser: matéria, vida, homem, sujeito, ação..., seremos sempre forçados a admitir a inteligibilidade do universo, da vida e do homem. Toda criatura tem sua fonte em alguma coisa que não é perfeitamente inteligível. É uma deficiência do homem. Qualquer que seja a nossa postura diante do "mistério, esbarramos sempre com Deus, ainda que às vezes, sob a forma da figura esdrúxula, exótica do “absurdo” e do “sem sentido", como afirma Sartre. Eis, pois, que a fé se proclama e se anuncia de modo latente, em toda ação humana e em todo nosso pensar. A fé se manifesta em toda ação e em todo pensar. Sem ela, a vida, a ação e o pensar seriam impossíveis, como claramente é impossível a própria história. Tudo isso porque a síntese se realiza no rito "litúrgico". Sem este rito o homem se desintegra e desfalece. Não só a Filosofia, mas todas as Ciências estão baseadas, muito mais do que normalmente pensamos e imaginamos, em atos de fé.