Mericismo:

A prática da ruminação induzida como transtorno alimentar purgativo-compensatório

Dra. Lisa MinariHargreaves

RESUMO

Neste artigo propõe-se discutir o mericismo, um tipo de transtorno alimentar que diz respeito à prática da ruminação induzida adotada como mecanismo purgativo. A prática da ruminação tem frequente origem na infância (distúrbio da ruminação) e se apresentafrequentemente com variações intencionais na fase adulta. O artigo embasa-se em estudos bibliográficos inerentes ao assunto tratado e a na análise de estudos de casos observados em atendimentos.

Palavras-chaves: Ruminação purgativo-compensatória, transtorno alimentar

  1. Mericismodo grego merykismós (ruminação) significa regurgitação e ruminação de alimentos depois da sua deglutição, como pode acontecer em algumas crianças e em alguns doentes psicóticos.Perturbação digestiva, que pode ser ou não de ordem psicológica, caracterizada pela volta do alimento à boca, onde é novamente mastigado ou engolido; ruminação.                  (InfopédiaDicionário on-line)

 

Segundo Sousa (2016) O mericismo encontra-se inserido nas perturbações do comportamento alimentar que aparecem na primeira infância ou no início da segunda infância. A sua característica essencial é a regurgitação e mastigação repetidas, durante o período de pelo menos um mês, após um período de funcionamento normal. No mericismo, os alimentos voltam à boca, sem náuseas, vómitos, repugnância ou outros problemas gastrointestinais associados. Neste processo, a criança cospe os alimentos, ou ainda mais frequentemente, mastiga-os e deglute-os novamente.

 Para a mesma autora os sintomas apresentados no mericismo não seriam causados por outros transtornos do comportamento alimentar e nem por doenças do estado físico geral da criança. Neste contexto, embora o mericismo seja mais frequente em crianças pequenas, pode também ocorrer em crianças mais velhas, sobretudo se apresentarem uma deficiência mental.

Segundo Pereira (2018)as crianças com mericismo apresentam uma postura muito característica: reclinam e arqueiam as costas inclinando a cabeça para trás, fazendo movimentos de sucção com a língua, demostrando prazer com a atividade. Estas crianças apresentam-se, ainda, agitadas, irritadas e famintas entre os períodos de regurgitação, apresentando-se na grande maioria dos casos mal nutridajá que a regurgitação acontecepontualmente após a ingestão de comida (mesmose for de grande quantidade).Desta forma, com o mericismo pode também haver na criança uma considerável perda de peso, uma piora nos índices corporais fisiológicos podendo levar a criança à morte (em casos extremos).

Para Sousa (2016) o  mericismo poderia decorrer devido a problemas psicossociais como a falta de estimulação, abandono, situações vitais estressantes e problemas na relação pais-filhos. Segundo o autor estes seriam fatores predisponentes para o desenvolvimento do mericismo.

            É importante ressaltar que apesar de ser pouco comum, o mericismo tem uma maior prevalência no sexo masculino do que no feminino manifestando-se frequentemente entre os 3 e os 12 meses de idade, podendo ocorrer suaremissão espontânea.  Em raros casos este distúrbio alimentar pode ter uma evolução contínua perpetuando sua manifestação na adolescência até a fase adulta da pessoa.

            Vindreau (2003) estudou o mericismo como conduta alimentar automática que consiste na ruminação interminável dos alimentos antes de cuspi-los. Para a autora essas práticas manifestas nos adultos evocam o comportamento arcaico da criança. O mericismo, assim como a prática do vômito induzido da comida ingerida (bulimia, bulimia nervosa) permite assim de evitar a absorção do que foi engolido e, de consequência, o ganho de peso. Para Fine (2003) o vômito dá a impressão de que tudo é possível, de que nada fica guardado no corpo. Neste contexto, o vomito visa acalmar a angústia e aumentar a estima do sujeito à medida que permite reencontrar o controle dos seus atos.

À luz dos fatos apresentados e a partir daobservação de estudos casos abordados em consultório é possível sistematizar alguns conceitos básicos inerentes ao mericismo praticado na fase adulta. 

Antes de tudo é importante ressaltar que a ruminação principalmente na infância apresenta-se como um mecanismo “automático” que se apresenta “fisiologicamente” devido a comportamentos resultante de experiências traumáticas. Na fase juvenil ou adulta apresenta-se frequentemente como mecanismo induzido de maneira mais consciente, necessário para a manutenção da homeostase fisíco-psicológica do sujeito que o pratica.

Assim no adulto a prática do mericismo parece apresentar características precisas que focam também a fase anterior da ingestão do alimento. O mericismo inclui em seu processo, a percepção da cor, do cheiro, da textura e do sabor do alimento que é “barrado” sistematicamente na boca após uma longa mastigação, rejeitado e cuspido. Existe assim, uma apreensão alimentar mais sensorial do que fisiológica que não envolveria a “contaminação engordativa” alimentar aliviando o sujeito da angustia e do sofrimento decorridos da injestão. Observa-se que o desconforto devido à eliminação forçada do alimento da boca (alimento mastigado cuspido) é considerado como forma de alivio tensional temporário funcionando como mecanismo de compensação tendo em vista que evitando a ingestão calórica, evita-se o ganho de peso e perdendo o peso ganha-se a forma ideal do corpo magro.

Neste contexto, observa-se frequentemente, na pessoa afeta por este tipo de transtorno um conflito interno desencadeado por uma questão tanto ética quanto estética. A questão estética diz respeito aos esquemas corporais que constituem o próprio sujeito e a influência contextual (social, cultural, histórica) na qual ele está inserido. A questão ética diz respeito à conduta do sujeito em relação ao tratamento destinado ao alimento. O conflito decorre a partir da necessidade de alcançar ou manter um padrão corporal esteticamente ideale a consciência ética do desperdício alimentar promovido neste processo. Tanto o conflito ético (incapacidade de aproveitar o alimento da maneira apropriada – tanto individual quanto coletiva) quanto o conflito estético (incapacidade de alcançar o corpo idealizado) geram frequentemente no sujeito sentimento de culpa e baixa auto estima.

O sujeito que apresenta o transtorno do mericismo, entra assim em um “círculo vicioso” de dependência que gera conflito interno e frequentemente angústia profunda. Tendo em vista a necessidade de perpetuar o hábito alimentar (mesmo que deletério) e sua função compensatória na manutenção do bem-estar momentâneo, o sujeito adota a ruminação purgativo-compensatória[i] (mericismo) como mecanismo homeostático transitório.

O mericismo purgativo-compensatório tanto na fase infantil quanto adulta traz sérios problemas de saúde, ressaltando que na fase adulta apresenta um quadro sintomático e manifesto de distúrbios similares ao do sujeito bulímico. Mesmo no processo de ruminação e eliminação induzida do alimento mastigado existe uma pequena parcela do alimento que é ingurgitado e que traz benefícios nutricionais para o organismo do sujeito. Diferentemente do sujeito que sofre de anorexia, o paciente mericista não apresenta (dependendo do grau do transtorno) problemas extremamente graves de desnutrição aparente.

À luz dos fatos apresentados, torna-se portantofundamental o estudo mais aprofundado a respeito deste transtorno pouco conhecido, de seus mecanismos e de suas consequências, como forma de prevenção e como possibilidade estruturante de métodos de enfrentamento por parte do sujeito.

Bibliografia:

Brusset, C. Fine, A. A Bulimia. Escuta Editora: São Paulo, 2003.

Dicionário infopédia de Termos Médicos [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult2020-01-3018:11:15].Disponívelna Internet: https://www.infopedia.pt/dicionario/termos-medicos/mericismo

Sousa,D.ConceitodeMericismo.Em https://knoow.net/ciencsociaishuman/psicologia/mericismo/ 2016

[i]Ruminação purgativo-compensatória: Terminologia do transtorno elaborado pela autora.