RESUMO

Neste trabalho será analisada a indeterminação existente na Constituição Federal no que tange a temporalidade das medidas de segurança. Haja vista, que ao lado desta está a pena, a qual visa resolução dos atos ilícitos mais gravosos, aplicada à agentes capazes, possui uma duração específica, não podendo exceder trinta anos; enquanto a medida de segurança, que é considerada mais branda por se tratar de sanção à agentes incapazes que cometeram um injusto penal, não possui temporalidade máxima, apenas uma convenção de tempo mínimo de um à três anos, podendo ser estendida mediante o grau de periculosidade deste. Fato que traz á tona uma incoerência constitucional, pois fere os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito.  

PALAVRAS-CHAVE: Pena - Medida de Segurança- Temporalidade- Inconstitucionalidade- Princípios. 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Mediante o Código Penal brasileiro a pena tem por finalidade reprovar e prevenir condutas ilícitas provocadas por agentes imputáveis, almejando a ressocialização, implica em reclusão destes em ambiente penitenciário, não podendo ultrapassar do fixado período de 30 anos, ao passo que a medida de segurança tem natureza curativa e preventiva, aplicada ao agente incapaz infrator, considerada, portanto, mais branda por destinar este a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou ambulatorial, na pretensão de alcançar sua cura, podendo perdurar até a cessação de periculosidade do agente. Deste modo é notória a existência de um descompasso entre os dois tipos de sanção, pois a primeira apresenta um tempo determinado, enquanto a segunda não, prolongando-se na tentativa de que o infrator retome sua sanidade.

O que evidencia á primeiro momento a visível distinção dos dois agentes mencionados, ferindo assim o principio da legalidade e o estado Democrático de Direito, os quais defendem ser assegurado a todo indivíduo saber o período exato em que estará sujeito a sanção, logo se um deles tem esse conhecimento por ser de direito se faz justo e necessário que o outro também o tenha. A falta do limite temporal da medida de segurança atinge consequentemente o princípio da Proporcionalidade e Razoabilidade, os quais afirmam que deve existir um juízo de ponderação entra a pena e a conduta ilegal. O prolongamento exaustivo da medida de segurança recai na prisão perpétua, que é medida constitucionalmente proibida em Cláusula Pétrea e no princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Deste modo, este trabalho abordará as contradições citadas, postulando críticas a indeterminação temporal que se faz presente na aplicação da medida de segurança, a fim de garantir que os dispositivos jurídicos, sem exceções, sigam a legalidade constitucional consistentes nas normas que regem a sociedade.

1 CONCEITOS E REQUISITOS

Os Direitos Fundamentais são garantias intrínsecas na Constituição, a qual apregoa em seu artigo 5°:

 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade, do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade”.

Ainda nos seguintes incisos do mesmo artigo:

“III- Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

XLVII- Não haverá penas:

a) De morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX;

b) De caráter perpétuo;

c) De trabalhos forçados;

d) De banimento

e) Cruéis.

XLIX- É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.”

Deste modo, é necessário ressaltar que o direito à vida, liberdade, segurança, moral e integridade física dos indivíduos por esta se fazem assegurados. Porém tal conjuntura muda de âmbito quando se trata da instituição da medida de segurança diante do caráter atemporal, em face da pena que também é tratamento instituído a quem efetiva ato ilícito, contudo, de natureza temporal.   

2 DIFERENÇA ENTRE A PENA E A MEDIDA DE SEGURANÇA

 

A reforma de 1984 no Código Penal implicou em especificações no caráter da pena e da medida de segurança. A primeira se caracteriza por ser punitiva, ter como fundamento a culpabilidade dos imputáveis ou dos semi-imputáveis, ter período determinado, no máximo trinta anos e estabelecer a reclusão destes agentes em ambiente carcerário.

 Enquanto a segunda se especifica por ser de caráter preventivo, relevar a periculosidade do agente inimputável ou excepcionalmente do semi-imputável, caso seja comprovado a possibilidade de sua reincidência, ter duração indeterminada, sendo estabelecido apenas um prazo mínimo de um a três anos, que pode perdurar até o falecimento do indivíduo e deliberar o tratamento destes em hospital de custódia e cuidado psiquiátrico ou atendimento ambulatorial.

Para que seja aplicada a medida de segurança, a doutrina impõe três requisitos:

a)      Necessidade do exercício de fato típico punível, não podendo existir excludente de criminalidade, culpabilidade ou ausência de prova;

b)      Subsistir grau significativo de periculosidade do agente, se analisa a possibilidade de reincidência do inimputável ou em casos excepcionais, dos semi-imputáveis;

c)      Haver ausência de imputabilidade plena, o imputável só pode responder por conduta ilícita em pena, apenas os inimputáveis e semi-imputáveis são subordinados a medida de segurança.  

 Assim, no intuito de concluir a explicação utiliza-se aqui a citação de René Ariel Dotti que descreve as diferenças entre a pena e a medida de segurança:

“A pena pressupõe culpabilidade; a medida de segurança, periculosidade. A pena tem seus limites mínimo e máximo pré-determinados (CP, arts. 53, 54, 55, 58 e 75); a medida de segurança tem um prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, porém o máximo da duração é indeterminado, perdurando a sua aplicação enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade (CP, art. 97, §1º). A pena exige a individualização, atendendo às condições pessoais do agente e às circunstâncias do fato (CP, arts. 59 e 60); a medida de segurança é generalizada à situação de periculosidade do agente, limitando-se a duas únicas espécies (internação e tratamento ambulatorial), conforme determinado pelo art. 96 do Código Penal. A pena quer retribuir o mal causado e prevenir outro futuro; as medidas de segurança são meramente preventivas. A pena é aplicada aos imputáveis e semi-imputáveis; a medida de segurança não se aplica aos imputáveis. A pena não previne, não cura, não defende, não trata, não ressocializa, não reabilita: apenas pune o agente.” (APUD: FEITOSA, Isabela Britto. Aplicação da medida de segurança no Direito Penal Brasileiro. 02 de Fev. de 2011. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5982>  Pesquisado em 17 de Mai.de 2012)

 

 

3 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA

O Código Penal brasileiro estabelece em seu artigo 96 qual será o tratamento aplicado aos inimputáveis e em casos excepcionais aos semi-imputáveis sujeitos a medidas de segurança:

“As medidas de segurança são:

I- Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou à falta, em outro estabelecimento adequado;

II- Sujeição a tratamento ambulatorial. “

Logo se compreende que a medida de segurança pode-se dar de forma detentiva, referente à internação em hospital de custódia, ou restritiva, relativo ao tratamento ambulatorial. Tal diligência persiste até a extinção de periculosidade do indivíduo, que será submetido no mínimo de ano em ano a perícia médica para avaliação de sua sanidade mental. 

Sendo comprovado que o indivíduo tem condições mentais para voltar ao âmbito social, há a liberação deste da sanção imposta, contudo se no prazo de um ano ele vier a praticar um ato ilícito, é reestabelecido o regime de sanção (artigo 97, §3°). E em caso de necessidade é possível que o juiz determine ao agente que esta submetido a tratamento ambulatorial, sua internação ( artigo 97, §4°).

No entanto, Marcellus de Albuquerque Ugiette, promotor de Pernambuco, em seu seminário sobre justiça e doença mental expõe críticas ao enunciado das espécies de medida de segurança, em especial ao inciso I, do artigo 96 já citado e ao artigo 99 do Código Penal brasileiro, o qual em suma sentencia que a internação se dará em estabelecimento dotado de características hospitalares, pois evidência que apesar destas proposições o estado não se preocupou em criar novos estabelecimentos para tratamento, que a lei não expressa o que de fato é este “estabelecimento com características hospitalares”, e por isso os manicômios judiciários são incluídos na  expressão “estabelecimento adequado” e que não há definição na lei do que seja dependência médica adequada e estabelecimento adequando, o qual condizem respectivamente, internação e tratamento ambulatorial, o que faz com que na prática as duas signifiquem a mesma coisa.

4 PRAZO DE DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Segundo o artigo 97, § 1° do Código Penal brasileiro:

“A internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos.”

Não existe prescrição da duração máxima das medidas de segurança, somente uma delimitação mínima para estabelecer quando obrigatoriamente deverá ser feita a primeira perícia médica. Entretanto, na Constituição Federal não é admissível o prolongamento ilimitado das sanções penais, pois é vedado por este prisão perpétua.

 Deste modo, as doutrinas modernas determinam que diante desta omissão da lei, é o legislador que deve estabelecer a duração da medida de segurança, ponderando que devido a falta da estipulação do prazo temporal esta não pode ao menos exceder a limitação imposta ao regime de pena, que é de trinta anos, uma vez que a medida de segurança busca o tratamento não a punição do agente.

Assim foi afirmado por Zafarroni e Pierangeli:

“Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o interprete quem tem a obrigação de faze-lo” ( APUD: Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11° ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 677)

Mediante a questão o STF defende:

“Medida de segurança. Projeção no tempo. Limite. A interpretação sistemática e teleológica do arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.” (HC 84219/SP- 1° Turma- Rel.Min. Marco Aurélio, julgado em 16/8/2005, publicado no DJ 23/9/2005, p.16. APUD: Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 683.  )     

 

 

5 CRÍTICA ACERCA DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Pelos Direitos Fundamentais que são garantias pré-existentes na Constituição, pelos Princípios Constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da rozoabilidade e pela Teoria do Estado Democrático de Direito, a indeterminação temporal das medidas de segurança é fator inconstitucional no Código Penal brasileiro. 

A aceitação do caráter atemporal recai na proposição de que a medida de segurança tem finalidade punitiva, sendo até mesmo mais rígida do que o regime de pena, pois pode prolongar-se no tempo, até o momento do falecimento do agente, ou seja, implica na desconfiguração do proposito de tal medida, que é mais branda, pois se fundamenta em ser preventiva e curativa, almejando o tratamento do incapaz que cometeu um injusto penal.

Desta maneira, André Copetti apregoa a inconstitucionalidade da medida se segurança:

“Totalmente inadmissível que uma medida se segurança venha a ter uma duração maior que a medida da pena que seria aplicada a um imputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Se o tempo máximo da pena correspondente ao delito o internado não recuperou a sua sanidade mental, injustificável é a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense, devendo, como medida racional e humanitária, ser tratado como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito” (APUD: Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11° ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 681)

CONCLUSÃO

 

A medida de segurança é uma proposição necessária no âmbito do direito penal, pois não há como punir um inimputável que comete um ato ilícito, visto que este não tem sanidade mental para discernir o que é legal e o que não é, assim não cometendo crime, não existe razão para responder por sanção punitiva. Deste modo, é ultrajante a possibilidade da medida de segurar recair na reclusão penal.

Sua indeterminação temporal permite comparação e sobressalto ao regime de detenção, se mostrando assim, inconstitucional, pois fere princípios e garantias constitucionais, como o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, que estabelecem necessidade de ponderação entre a sanção e a conduta ilícita, vedando assim penas cruéis e perpétuas; o princípio da legalidade e do estado democrático de direito, os quais garantem ilegitimidade ao fato do indivíduo desconhecer o período em que estará sob influência de sanção e a garantia constitucional determinada no artigo 5° da Constituição Federal, que asseguram a todo cidadão seu direito á vida, liberdade, segurança e integridade física. 

Portanto, é necessário que se estabeleça na lei ou que seja convencionado entre os legisladores o prazo máximo de duração da medida de segurança, a fim de que esta não reflita mais em parâmetros inconstitucionais, atingindo então sua real efetivação.