SOUZA, Edinilsa Ramos de. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. In: Ciência & Saúde Coletiva, 10(1): 59-70, 2005.

 José Paes de Santana[1]

O artigo referenciado aborda a violência, levantando dados estatísticos e doutrinários sobre a morbi-mortalidade para homens e mulheres internados em hospitais das capitais brasileiras entre os anos de 1991 a 2000, e aponta os homens, na adolescência e na juventude, como as principais vítimas da violência, em proporções que chegam de 5 a 12 vezes mais que as mulheres envolvidas, para homicídio e acidente automobilístico, entre outras causas externas pesquisadas, acentuando uma maior incidência na vulnerabilidade do homem, quando a variável em questão for o homicídio.

 Para a autora o gênero masculino configurado pelas práticas machistas, faz do homem a maior vítima da violência, pelo menos nas causas externas pesquisadas e para o espaço amostral que se considerou, ao mesmo tempo em que se depreende da leitura do artigo em tela, que tais práticas machistas se delineiam pela tradicional associação da identidade masculina à virilidade, à força e ao poder que lhe são inerentes.

Além da constituição biológica do ser homem como variável interveniente, a autora leva em consideração “a construção social do gênero masculino a partir das características psíquicas, sócio-históricas e políticas que o constituem” (p. 60), no cômputo das relações intersubjetivas a que o homem se submete no seu dia-a-dia.

Citando Cecchetto (2004) leva-se em consideração que no desenvolver dessas relações interpessoais, a imagem masculina foi sendo associada de forma inequívoca à supressão do choro, do medo, e da intimidação ante ao perigo, tendo com corolário sua demonstração de coragem sempre peculiar a esse ser ativo, enquanto modelo hegemônico de masculinidade, mas com o passar do tempo, observou-se a existência de uma quebra desse paradigma que se chamou “crise da masculinidade” (p. 60), resultando em um novo perfil de homem mais emotivo e mais próximo da imagem feminina, além de mais infantil, todavia, o paradigma inicialmente construído ainda é preponderante na sociedade.

A autora ainda ressaltou no seu artigo com base no suporte bibliográfico utilizado por ela, que não se há de partir do pressuposto de que o homem é espontânea e instintivamente inclinado para a prática da violência, mas que tudo isso surge quando se alia na própria sociedade o perfil do ser homem à práticas tais como a competição e os  esportes radicais, entre outras, que terminam por repercutir de forma negativa na vida e na saúde do homem, além da tensão e ansiedade que o enfrentamento de riscos e perigos lhe causam.

 Souza (2005) apontou argumentos sobre a violência não somente na relação com as questões estruturantes das identidades de gênero, mas considerando-lhe também como uma patologia social que pode decorrer de aspectos estruturais da sociedade, dos quais decorrem “desigualdade e opressão” (p. 62), como raça e classe social, contextos nos quais, o gênero masculino oscila entre autor e vítima. 

O artigo também leva em conta estudos realizados por Morelba (2000) em que se cria um estereótipo para o homem da América Latina a partir de estudos feitos no Peru, Chile e Venezuela, com a afirmação de que nesse contexto se privilegiam a sexualidade, a reprodução e o poder, na constituição do gênero masculino.

Foi utilizada no artigo a metodologia descritiva através do método da análise de protocolo, onde foram examinados dados de mortalidade provenientes “do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus/MS) e os de morbidade, do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/Datasus/MS)” (p. 62).

Dos dados analisados, observou-se que a mortalidade masculina ocorre com maior incidência dos 20 aos 24 anos e sofre diminuição mais acentuada a partir dos 60 anos, quando ainda assim continua com frequência maior que aquela que se observa no gênero feminino a essa idade.

Macapá, João Pessoa, Recife, Vitória, São Paulo e Cuiabá, nessa ordem apresentaram as frequências mais consideráveis de violência do gênero masculino, polarizando as menores frequências, também nessa ordem, Palmas, São Luís, Natal, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, quando ainda se observou que as taxas para o gênero masculino superaram em média quatro vezes as incidentes para o gênero feminino.

Chama-se atenção no artigo para as áreas do conhecimento humano como a epidemiologia, a sociologia e a psicologia, entre outras ciências, que têm dado sua contribuição na compreensão do fenômeno em comento, ao mesmo tempo em que a autora reafirma que as causas externas mais importantes para o estudo em tela, na mortalidade masculina, foram o homicídio e os acidentes de transporte, acrescentando-se a essa informação, a de que, no Brasil os homicídios são causados principalmente por armas de fogo.

Outro dado relevante comentado pela autora do artigo foi o de que os homens se apresentam como vítimas, no mais das vezes, nos espaços públicos, enquanto as mulheres no interior de suas residências; os homens são vítimas de desconhecidos, enquanto as mulheres de conhecidos, como companheiros ou ex-companheiros.

Ainda se observou que a exclusão social conduz os jovens a atividades criminosas como forma de sobrevivência, e que os índices de escolaridade também são diretamente proporcional às maiores incidências observadas, acompanhando-se essa proporcionalidade entre os jovens oriundos dos lares chefiados por mulheres com baixa renda, de cor negra ou parda, e habitantes de conglomerados periféricos.

Acentuou-se ainda que o crime organizado, o tráfico de drogas e o contrabando de armas, ao mesmo tempo em que aumentam a insegurança da população civil, as tornam mais violentas e repercutem de forma diretamente proporcional nos índices observados pela análise de protocolo feita.

O que se deduz do exposto é que o diapasão entre masculinidade e violência não é privilégio do Brasil e suas capitais, mas um fenômeno que tem causas em fatores estruturantes, tanto da personalidade desse gênero, quanto da própria sociedade, transcendendo diferentes culturas.



[1] Mestre em Educação. Graduado em Ciências, Matemática, Bacharel em Direito e atualmente é Diretor do Centro de Ensino Fundamental 02 do Guará - Secretaria de Estado de Educação do DF - Brasil. Trabalha com  Educação, com ênfase em Educação Matemática, Mediação de Conflitos, e Direito. [email protected]