Luís vaz de camões traços melancólicos de uma época
Publicado em 23 de abril de 2012 por Ariana Lourenço da Silva
Luís Vaz de Camões
Traços Melancólicos de uma Época
Por Ariana Lourenço da Silva
Na segunda metade do século XVI e nas duas primeiras décadas do século XVII, o “Maneirismo”: que se apresenta como a primeira manifestação da decadência do Classicismo Renascentista, refletindo a quebra do equilíbrio e da simplicidade propostos pelos renascentistas, (o homem não se considera mais tão auto-suficiente e tão crente em sua potencialidade e importância) manifesta-se na Literatura Portuguesa influenciando diversos artistas da época.
Desta plêiade de artistas influenciados por este movimento de pensamento, encontra-se o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, que embora, seja essencialmente um autor do Classicismo, podemos notar em algumas de suas obras certos traços maneiristas. Logo, é debruçando o meu olhar sobre a lírica camoniana, mais especificamente na no poema “Muda-se os tempos, mudam-se as vontades” e na cantiga popular “Na fonte está Leonor” que fundamento este ensaio com um dos temas preferenciais do maneirismo: A Melancolia.
Considerando a melancolia como uma doença, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a define como um árduo estado de desânimo, de desinteresse pelas coisas do mundo, incapacidade de amar, contenção na realização de qualquer tarefa, baixa gradual da auto-estima, até alcançar um patamar de desejo de uma punição.[1]
Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!
Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada –
Deixai-os, que é tudo assim.
Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.[2]
(Fernando Pessoa)
A partir de estudos realizados, observa-se que no maneirismo, assim como em outros movimentos literários, não nos falta componentes melancólicos, isso porque o estado melancólico se prolonga no tempo e no espaço, tendo em seu caráter a indefinição de sua evolução, ou seja, o estado melancólico muda constantemente manifestando-se sob diversas formas. Se para “definir” melancolia as palavras chave são: transitoriedade temporal, espaço e mudança. Citemos Camões, autor influenciado pela melancolia do maneirismo:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança
Corroborando essa idéia de mudança; transitoriedade temporal, e sendo a melancolia um estado de espírito sem causas precisas que afeta todo tipo de pessoa, independente de idade, sexo, raça ou credo, Eduardo Lourenço (1999)em seu Livro Mitologiada Saudade diz que:
Há que lembrar, porém, que a melancolia – porque não é uma modalidade, entre outras, da sensibilidade e do sentimento, mas uma manifestação estrutural do ser humano, afetado pela sua relação com o tempo – não pode ser confundida com expressões contingentes da nossa existência como a tristeza ou a nostalgia. A tristeza e a nostalgia têm causas, origens e motivações identificáveis na ordem da experiência empírica dos homens. Não é esse o caso da melancolia. (LOURENÇO, p.100).
Ao escolher a lírica camoniana para falar sobre a melancolia, observou-se que além da influência maneirista, Camões sofre influência de sua Pátria já que a melancolia é um dos componentes principais da cultura portuguesa.
Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia.
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
(VERDE, p.116)
A importância do significado da palavra “melancolia” para o povo português encontra-se na expressão utilizada por Almeida Garrett em ‘desejo melancólico’ “A melancolia se expressa também naquele mais luso dos sentimentos, a saudade”. (SCLIAR ,p.148)
Sendo o saudosismo um dos traços melancólicos do povo português, podemos verificar esse saudosismo no poema e na cantiga de Camões: “Diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem se algum houve, as saudades.” (Poema - Muda-se os tempos, mudam-se as vontades) “Depois que de seu amor soube novas, perguntando de improviso a vi chorando.” (Camões - Na fonte está Leonor). Como aponta Silvio Lima, a saudade é:
“retrotensa”, intensa e “protensa”. Retrotensa porque nos envia ao passado. Itensa, no sentido de “esticada”, “retesada”, é intensa, ainda, por ter uma intenção. E é protensa porque projeta a pessoa para um futuro, mas um futuro que contém o passado melancólico.
(LIMA, p. 232-233)
A melancolia da lírica camoniana analisada, além do saudosismo está associada também à paixão, esse sentimento arrebatador que nos transporta para fora da realidade.
Posto o pensamento nele,
porque a tudo Amor a obriga,
cantava; mas a cantiga,
eram suspiros por ele.
Nisto estava Leonor
o seu desejo enganado,
às amigas perguntando:
- vistes lá meu amor?
(Camões – Na fonte está Leonor)
É interessante observar que o eu - lírico da Cantiga, além de ter em si todo um universo melancólico, a postura física de Leonor é descrita por Camões, como a postura física típica de uma pessoa melancólica;
O rosto sobre tua mão;
os olhos no chão pregados
que, de chorar já cansados,
algum descanso lhe dão...
Desta sorte Leonor
suspende de quando em quando
sua dor; e em si tornando
mais pesada sente a dor.
(Camões – Na Fonte Está Leonor)
Segundo Moacyr Scliar (2003) “A melancolia às vezes é uma doença, às vezes não é.” Sendo a melancolia uma doença ou um “estado de espírito” metaforicamente falando, Camões, pela sua história pessoal e sob influencia do maneirismo revela-nos, tanto na cantiga, quanto no poema, uma lírica resplandecente de melancolia. O verso “E em mim converte em choro o doce canto.”, arremata o pensamento epocal da melancolia camoniana.
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Bibliografia
LIMA, Silvio. “Reflexões sobre a consciência saudosa”. In: BOTELHO, Afonso & TEXEIRA, Antônio Braz. Filosofia da saudade. Lisboa, Imprensa Nacional, 1986.
LOURENÇO, Eduardo. Portugal como destino / Mitologia da saudade. Lisboa,Gradativa, 1999.
SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trópicos: a melancolia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia de Letras, 2003.
VERDE, Cesário. Todos os poemas. Organização, introdução e bibliografia de Jorge Fernandes da Silveira. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.