RESUMO

O referido estudo tem a finalidade entender a liberdade que o indivíduo possui de ter autonomia sobre seu próprio corpo, escolhendo assim sua opção sexual, uma vez que ele é uma pessoa capaz de direitos e deveres, podendo assim defender o que lhe é próprio. A partir dessa perspectiva iremos compreender a polêmica que envolve o transexual para conseguir a cirurgia de mudança de sexo, a retificação do registro civil e conseqüentemente a aceitação do mesmo na sociedade.

 Entretanto, é viável propor soluções para superar esse problema por meio de reformas na legislação brasileira, pois o direito deve acompanhar as evoluções ocorridas na sociedade e tornar o transexual um cidadão comum, com os mesmos direitos e deveres dos demais.

INTRODUÇÃO

Os direitos da personalidade são ligados a pessoa e a sua dignidade, visto que eles são adquiridos ao nascer e ao longo da vida, tornando-se desta forma valores e princípios fundamentais na condição de existência do homem.

No que tange ao direito do homem pelo próprio corpo, é definido o que somos, o que sentimos, percebemos, pensamos e agimos. É a partir dessa perspectiva que o transexual busca se inserir na sociedade, garantindo sua aceitação e acima de tudo o seu bem-estar de autodeterminação.

 A transexualidade é uma forma de exercer o direito sobre o próprio corpo e diante disso, o individuo age conforme suas vontades e sua dignidade exercendo sua autonomia corporal. O transexual, precisa enfrentar vários problemas para conseguir sua mudança de sexo e seu prenome no registro civil, pois este só é reconhecido de acordo com o que está posto no seu documento.

Dessa forma, o individuo transexual precisa apresentar características que possam evidenciar sua transexualidade, logo após deve passar por avaliações médicas de diversas áreas com a finalidade de que seja realmente diagnosticado como transexual. Esta cirurgia tem reflexos sobre o direito civil e penal, porém o direito deve caminhar junto com as transformações que surgem na sociedade, ou seja, deve estar em harmonia com a realidade.

Portanto, com os padrões postos na sociedade, onde todos devem ser homens ou mulheres, o indivíduo que adquire outra identidade sexual, conseqüentemente irá sofrer preconceitos, uma vez que a sociedade vai ter um olhar de discriminação sobre esta pessoa e acusá-lo como destruidor da moral e dos bons costumes.   

  1. Direito à Liberdade de Escolha ao Transexual

Todo individuo tem o direito de obter a sua felicidade e o seu bem-estar, uma vez que compete ao direito e a medicina acompanhar as evoluções que ocorrem na sociedade, principalmente no que tange aos transexuais. A medicina ampara as pessoas consideradas com distúrbio psíquico da identidade de gênero através da cirurgia para a correção sexual por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) e por meio de acompanhamento para a superação de transtornos psíquicos que possam vir a existir. Já ao direito, cabe o dever, para que através de mecanismos possam dá garantias aos indivíduos que precisarem custear essa cirurgia e permitir as devidas alterações do nome civil aos transexuais. De modo à por fim no preconceito existente, os livrando de ter o nome diferente da designação sexual.

Os indivíduos que sofrem por essa inadequação no sexo têm a liberdade de está plenamente inserido na sociedade, visto que o seu direito de autodeterminação tem que ser devidamente respeitado como qualquer outro. É perceptível, na maioria das vezes, o preconceito ou o olhar de pena existente entre as pessoas que vêem um transexual, pois este assume o desejo de fazer parte ao sexo oposto, se vestindo e se comportando de maneira igual ao sexo desejado. Com isso, internamente, esses indivíduos passam por um grande constrangimento, pois continuam com a genitália, com o prenome e o gênero do seu sexo biológico.

Outro ponto é o desconforto para o indivíduo transexual, é de chegar a qualquer lugar e apresentar um documento de identificação, na qual não coincida seu nome e gênero com a sua aparência de ser, uma vez que isto acaba por dificultar ao individuo ter uma vida plena, pois há um sofrimento por não existir uma identificação do sexo biológico com o sexo psíquico. Além da esfera religiosa, que se apega a conceitos que excluem da sociedade pessoas que não possuem padrões sociais exigidos.

É importante ressaltar que o individuo transexual é diferente do homossexual e do travesti, somente o transexual tem um forte sentimento de rejeição em relação ao seu sexo biológico, além da certeza de pertencer ao outro sexo e o interesse pela adequação dos órgãos genitais.

Portanto, a liberdade de escolha do transexual deve ser respeitada e aceita dentro da sociedade, não cabendo ser julgado como uma doença, visto que o individuo transexual busca somente o desejo de sua autodeterminação e o direito de se adaptar ao sexo psíquico através de cirurgia e da mudança do registro civil.

Diante do exposto, o ordenamento jurídico deve buscar a sua plena inserção na sociedade, uma vez que todos são iguais perante a lei e a cada individuo deve ser garantida a sua dignidade humana – onde o homem tem capacidade diante da sua própria existência.

 

  1. Direitos da Personalidade

A priori é importante analisar acerca dos direitos da personalidade, pois estão ligados ao intimo do ser humano, de modo que o homem é fonte de todos os valores e sem esse valor fundamental a pessoa não existiria. Esses direitos não possuem conteúdo econômico imediato, estando ligados a cada ser humano de forma perpétua. Também estão presentes para dignificar do homem, protegendo a sua essência e o seu conjunto de características próprias. Sendo, desta forma, inseparáveis ao indivíduo.

É dentro dessa perspectiva que o homem adquire direitos e assume obrigações, onde passa a ser sujeito ativo e passivo de relações jurídicas, isto é, o direito da personalidade é o primeiro bem do ser humano. Segundo Maria Helena Diniz, os direitos da personalidade são:

“Direitos de defender: 1) a integridade física: a vida, os alimentos, o próprio corpo vivo ou morto, o corpo alheio vivo ou morto, as partes separadas do corpo vivo ou morto; 2) integridade intelectual: a liberdade de pensamento, a autoria científica, artística, literária; 3) integridade moral: a liberdade civil, política e religiosa, a honra, a honorificência, o recato, o segredo pessoal doméstico e profissional, a imagem, e a identidade pessoal, familiar e social.” (Diniz, Maria Helena, 2007, p. 122).

Desta forma cabe ao individuo resguardar o que lhe é próprio. É importante ressaltar que esses direitos da personalidade estão ligados ao corpo do homem enquanto vivo ou morto, de modo que são indisponíveis, e somente em certos casos, quando há manifestação da vontade expressa de seu titular, existe disponibilidade.  São também direitos subjetivos e comuns da existência. Por conter, em si, um dever geral de abstenção, são direitos absolutos, pois é através dessa perspectiva que o homem vai adquirir e defender os bens que há de lhe convir.

Logo, pode-se dizer que é através dos direitos da personalidade que o transexual tem seu direito assegurado, pois é a partir desta premissa que os valores fundamentais do individuo se materializam, como, por exemplo, a opção sexual, e esta convicção deve ser garantida de forma legal pelo ordenamento jurídico. 

1.2 Autonomia Corporal

As mudanças ocorridas na sociedade devem ser acompanhadas pelos seres que fazem parte deste local. O homem, de maneira geral, deve ter sua autonomia respeitada, pois este consiste no elemento central do Estado democrático brasileiro. Logo, o transexual deve receber tratamento individual, ou seja, deve ter capacidade de decidir sobre seu próprio corpo, e se deseja realmente se submeter a alguma operação médica, entretanto este precisa expressar sua vontade diante da situação.

Na perspectiva de Ana Carolina Brochado Teixeira, ‘’ a saúde é dentro da idéia de integridade física, psíquica e moral, o governo do próprio corpo, é a forma como se quer viver a vida corporal, sem prejuízo a vida alheia, pois os direitos de personalidade devem ser exercidos de acordo com o projeto de vida individual de cada um’’ (TEIXEIRA, 2010).

Dessa maneira, o transexual deve ser visto como um indivíduo capaz de direitos e deveres assim como qualquer outro, ou seja, capaz de ter autonomia principalmente sobre o que é seu. Logo, este pode decidir se quer ou não submeter-se a algum procedimento cirúrgico, de forma que, essa escolha não pode interferir na vida e nem na liberdade alheia.

O artigo 13 do Código Civil tipifica o seguinte: ‘’Salvo exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes’’ (Código Civil brasileiro, 2002). Diante disso, o transexual poderá, através da sua dignidade respeitada, exercer plenamente sua cidadania.

  1. Cirurgia de Transgenitalização

Mudar o sexo é, na maioria das vezes, a melhor saída para compatibilizar o corpo e a mente do transexual, uma vez que a sexualidade humana não é detectada apenas pelo viés biológico, há fatores psicológicos e comportamentais que influenciam também no reconhecimento da sexualidade do indivíduo.

O sexo psicossocial é adquirido pela pessoa ao longo do tempo, logo se a identidade do indivíduo não estiver de acordo com o seu registro civil ela irá sofrer conseqüências dentro da sociedade por isso. Segundo Maria Helena Diniz ‘’a jurisprudência brasileira tem entendido que se deve permitir a alteração do prenome, colocando-se no lugar reservado a sexo o termo transexual, por ser esta a condição física e psíquica da pessoa, para garantir que outrem não seja induzido em erro’’ (DINIZ, Maria Helena, 2006).

É previsto dentro dos direitos da personalidade, o desenvolvimento livre da sua personalidade, bem como a disposição do seu próprio corpo. Dessa forma, o transexual possui esses direitos a fim de garantir sua saúde física e psicológica. Entretanto, a realização dessa cirurgia tem por objetivo reconstruir os órgãos genitais do indivíduo e garantir o bem-estar do mesmo, uma vez que muitos acabam entrando em conflito consigo mesmo e com os demais indivíduos do meio social, devido a sua sexualidade psíquica diferir da sua sexualidade biológica.

Vale ressaltar sobre os dois casos de transexuais o feminino e o masculino, atualmente com o avanço da medicina nesta área a redesignação feminina, ou seja, a mudança do sexo masculino para o feminino é muito mais avançada e eficiente que a mudança do feminino para o masculino, onde esta última ainda não possui resultados satisfatórios.

Contudo, os fatores físicos e psíquicos caminhando justos aumentam as possibilidades do indivíduo que se submeteu a operação de mudança de sexo, a se inserir na sociedade mais facilmente, com respeito e tolerância.

2.1 Normas que Legitima a Cirurgia

O meio social vive em constante mudança e o direito deve, portanto, estar sempre de acordo com essas transformações, para então regulamentar e tornar eficiente a sociedade. A legislação brasileira, primeiramente não acompanhou certos avanços como a cirurgia de transgenitalização no transexual, hoje esta é autorizada, no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 1.955/2010), realizada em hospitais públicos, através do SUS (Sistema Único de Saúde), hospitais universitários e particulares.

Qualquer cidadão que procure o sistema de saúde público, apresentando a queixa de incompatibilidade entre o sexo anatômico e o sentimento de pertencimento ao sexo oposto ao do nascimento, tem o direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação. A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde assegura o direito ao uso do nome social. O usuário pode indicar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do nome que consta no registro civil. No caso de usuário que já esteja fazendo uso de hormônios sem acompanhamento médico, será realizado encaminhamento imediato ao médico endocrinologista. (BRASIL, Portal da Saúde)

O paciente deve ser avaliado durante certo tempo, em média dois anos, nesse período são realizadas avaliações médicas de diversas áreas como – endocrinologia, psicologia, psiquiatria, assistência social e cirurgia. Os pacientes serão selecionados a partir das avaliações feitas por esses profissionais, após o tempo de acompanhamento determinado. O indivíduo precisa ter 21 anos e consentir livremente com a situação.

A cirurgia não pode ser vista como violência ou crime e sim como uma forma de adequar a aparência física do indivíduo transexual com o seu sexo psicológico, é uma cirurgia de natureza terapêutica, é uma forma de amenizar o sofrimento do transexual, reconhecendo seus direitos, uma vez que o médico tem intenção apenas de amenizar o problema deste indivíduo, este ato é tipificado no artigo 23, III, do Código Penal brasileiro, autorizado, como já descrito, pelo Conselho federal de Medicina, através da Resolução 1482, de setembro de 1997.

Apesar de todas essas normas, alguns transexuais apelam para o Judiciário a fim de conseguir autorização para se submeterem a cirurgia e também para conseguir os custos da mesma pela rede pública de hospitais, baseando-se no direito à saúde.

2.2 Alterações no Registro Civil

Um dos grandes problemas pelo qual os transexuais enfrentam hodiernamente é no que diz respeito à alteração do nome e do sexo no registro civil. O nome civil consta como o elemento de identificação mais visível do meio social em que o indivíduo está inserido, é compreendido pelo prenome e sobrenome. E por constituir a personalidade da pessoa, o nome individualiza o ser, desta forma se torna parcela fundamental na construção do gênero devendo ser protegido juridicamente.

No que diz respeito à definição de sexo, Maria Berenice Dias discorre a respeito do assunto que, “a identificação do indivíduo como pertencente a um ou outro sexo é feita no momento do nascimento, de acordo com o aspecto de sua genitália externa.” (DIAS, Maria Berenice, 2001). Contudo, é perceptível que não se deve levar em conta somente características que estejam exteriores ao indivíduo, mas também em consideração ao sexo psíquico que este poderá vir desenvolver, uma vez que o elemento psicológico também é fundamental para o desenvolvimento da pessoa.

Como ainda há uma carência do direito em relação à alteração do registro civil para os transexuais, faz com que na maioria dos casos os indivíduos se encaminhem a Vara dos Registros Públicos como a finalidade de tentar retificar o nome e a identificação do sexo no registro civil. Pode-se afirmar que ainda há um preconceito e uma perspectiva conversadora do Judiciário em relação ao assunto, visto que se alega a impossibilidade do pedido, pois a alteração do nome causaria insegurança jurídica, no caso do casamento, por exemplo, pois se daria entre pessoas do mesmo sexo.

Contudo, a alteração no registro civil é um processo burocrático e desgastante, mas é possível, como por exemplo, o caso da 15ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, em que o juiz determinou a alteração do nome e gênero do registro civil de um transexual, pois segundo ele, “decidir de outra forma seria negar algo evidente, condenando o autor a conviver com documentos que não condizem com sua situação biotipológica, com o seu comportamento físico e mental.” (G1/CEARÁ)

Portanto, o direito deve acompanhar a singularidade e a subjetividade de cada um, pois o constrangimento pelo qual o transexual passa ao exibir documentos na qual não consta o nome e a identificação do sexo de suas novas circunstâncias é ainda mais doloroso. Além de ir contra a dignidade da pessoa humana e violar o direito da personalidade que o transexual tem.

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