Qual Era a Formação Cultural de José Bonifácio? Por Que Ele Foi Conhecido Como o Patriarca da Independência? Qual Era Sua Relação com D. Pedro I?

 

 

 

Três anos antes da Independência do Brasil, José Bonifácio de Andrade e Silva pediu autorização a D. João VI para voltar a Santos, pois depois de viver 36 anos na Europa sentia-se velho e cansado. Queria morrer ao lado de seus familiares e, como era funcionário graduado da coroa portuguesa, dependia da aprovação para continuar a receber seus vencimentos no Brasil. Os pedidos se repetiam há uma década, mas sempre eram negados.

 

Em 1819 a autorização finalmente foi concedida e, ao retornar ao Brasil, José Bonifácio tinha 56 anos de idade. Até ali, tivera uma vida memorável, pois havia partido para a Europa com apenas 20 anos e formou-se em Direito, Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra. Aluno brilhante, ganhou uma bolsa para estudar Química e Mineralogia em outros países europeus. Esteve na Alemanha, Bélgica, Itália, Áustria, Hungria, Suécia e na Dinamarca.

 

Em Paris – primeira escala da viagem – testemunhou o furor da Revolução Francesa e, anos mais tarde, ele estaria nas trincheiras de Portugal lutando contra as tropas de Napoleão, as quais invadiram o país enquanto a corte de D. João fugia para o Brasil. Por isso, em 1819, o homem que haveria de passar para a posteridade como “O Patriarca da Independência” acreditava já ter cumprido o seu destino.

 

O que José Bonifácio não imaginava é que o seu grande papel na História ainda estava por acontecer. Caberia a ele ser o principal conselheiro do príncipe regente num momento crucial para a construção do Brasil. Ele esteve à frente do ministério de D. Pedro por escassos 18 meses, mas nenhum outro homem público fez tanto em tão pouco tempo e, sem ele, o Brasil de hoje provavelmente não existiria.

 

Na opinião do historiador Jorge caldeira a única forma de impedir a fragmentação do território brasileiro após a separação de Portugal seria equipá-lo com um “centro de força e unidade” sob o regime de monarquia constitucional e a liderança do imperador Pedro I.

 

Até aquele momento faltava um elo que unisse os grupos de interesses na sociedade brasileira, composta por comerciantes, traficantes de escravos, fazendeiros, senhores de engenho, mineradores de ouro, clérigos, magistrados, advogados, professores e funcionários públicos.

 

Antes da sua chegada ao ministério, o príncipe oscilava entre a pressão das tropas portuguesas no Rio de Janeiro e dos grupos radicais da maçonaria, que viam nele apenas um instrumento para na verdade chegar à república. Outro foco de influência eram os amigos boêmios e oportunistas, aos quais se ligara na juventude, caso do alcoviteiro Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”. Coube ao Patriarca a tarefa de afastá-lo, ainda que temporariamente, dessas influências nocivas.

 

Nascido em 1763, Bonifácio era quatro anos mais velho do que o rei de Portugal (D. João VI) e tinha idade para ser pai de D. Pedro. Quando o príncipe nasceu – em 1798 – ele já era um dos cientistas mais respeitados da Europa e, entre outras realizações, publicou tratados para melhorar a pesca da baleia, o plantio de bosques e a recuperação de minas em Portugal.

 

Como mineralogista, descreveu 12 novos tipos de minerais e, em homenagem a ele, em 1868 o cientista americano James Dana batizou a descoberta de um mineral com o nome de “andradita”.

 

Apesar da diferença de saber, de experiência e de idade, Bonifácio e D. Pedro se complementavam na forma inquieta de viver. O Patriarca passou para a História como um homem sisudo e austero. Mas, na verdade, trata-se de uma imagem equivocada, pois ele era um boêmio, “bom de copo” e terminar as madrugadas dançando “lundu” (dança típica do Brasil colonial) em cima de uma mesa. Prendia o cabelo em forma de rabo de cavalo na nuca e, como D. Pedro, Bonifácio amava as mulheres.

 

Teve várias amantes que lhe deram dois filhos bastardos. Manejava bem uma espada e havia rumores de que tinha matado quatro homens em duelos. Esse estilo desassombrado de viver fascinou de imediato o jovem Pedro quando o encontrou pela primeira vez no início de 1822.

 

No Rio de Janeiro, o príncipe visitava-o diariamente, sem marcar audiência e, quando tinha assuntos para discutir, montava seu cavalo e dirigia-se à casa do ministro situada no centro da cidade. Sequer se dava ao trabalho de avisar que estava chegando.

 

Em São Paulo, os Andradas formavam a elite de uma província orgulhosa que, apesar do isolamento, acompanhava com interesse as transformações na Europa e nos Estados Unidos. No começo do século 19, os paulistas estavam longe de serem todos matutos ou caipiras. Bonifácio era o 2º filho de uma família de comerciantes que enriqueceu trocando ouro por escravos, ferragens e outras mercadorias.

 

Seu avô – o comerciante José Ribeiro de Andrade – tinha chegado ao Brasil na onda migratória desencadeada pela descoberta de minérios e pedras preciosas em Minas Gerais. A riqueza acumulada nesse período tinha permitido à família enviar quatro dos dez filhos para estudar em Coimbra.

 

Desses, além de José Bonifácio, outros dois teriam papel importante na Independência do Brasil. Os Andradas eram insolentes e orgulhosos ([1]). No final do século 18, confrontaram várias vezes o governador de São Paulo (Antônio José da Franca e Horta), um homem autoritário nomeado pela coroa portuguesa que se gabava de não depender da “liga do povo”, nem merecer sua atenção.

 

No Brasil de 1822 José Bonifácio desempenhou papel equivalente de Thomas Jefferson na Independência dos Estados Unidos, com três diferenças a favor do brasileiro: _ (a) Jeferson que também viveu em Paris na época da Revolução Francesa, se deixou seduzir pelo ardor revolucionário e, durante algum tempo, acreditou que o regime de terror era aceitável em nome do avanço das novas ideias políticas.

 

Ao contrário, Bonifácio assustou-se e aprendeu muito com o que viu nas ruas de Paris, percebendo que a energia das massas sem controle poderia ser mais nociva que a tirania de um soberano absoluto; (b) a segunda diferença é que Jefferson não tinha qualquer senso de humor. Era um fazendeiro chato e aferrado ao protocolo. Ao contrário, Bonifácio era afável, divertido e adorava contar piadas; (c) a terceira estava relacionada à escravidão.

 

No ano em que escreveu a declaração da Independência americana – pela qual “todos os homens nascem iguais” e com direitos que incluem a liberdade – Jefferson era dono de 150 escravos e tinha entre suas atividades o tráfico negreiro. Portanto, no seu entender, todos os homens nasciam livres e com direitos, desde que fossem brancos. Ao contrário disso, Bonifácio nunca teve escravos e era um abolicionista convicto.

 

Apesar da diferença de opiniões sobre escravidão, os dois estadistas tinham apetite sexual que extrapolava as fronteiras raciais. Jefferson teve inúmeros filhos com uma de suas escravas e nunca os reconheceu. Bonifácio também teve amantes negras e mulatas, embora só existam notícias de dois filhos ilegítimos com mulheres brancas, um nascido em Paris e outro em Portugal. Sua visão sobre a diversidade racial brasileira era generosa e otimista.

 

Num país de analfabetos, rural e atrasado, José Bonifácio era mais viajado, cosmopolita e bem preparado do que qualquer estadista ou intelectual português ou brasileiro do seu tempo. Era um homem avançado nas ideias e nos planos para o Brasil, pois ele defendia a catequização e a civilização dos “índios bravios”, a transformação dos escravos em “cidadãos ativos e virtuosos” e uma reforma agrária que substituísse o latifúndio improdutivo pela pequena propriedade familiar.

 

Fazia trezentos anos que o tráfico de escravos funcionava como o motor da economia, fornecendo mão de obra barata para as lavouras de cana-de-açúcar, algodão e tabaco e para as minas de ouro e diamantes. Porém, José Bonifácio acreditava que o Brasil estava condenado a continuar no atraso enquanto não resolvesse a herança escravagista. Não bastava libertar os escravos, pois era preciso incorporá-los à sociedade. “Como poderá haver uma constituição liberal e duradoura num país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutos e inimigos? – perguntava aos deputados paulistas em Lisboa.

 

A oportunidade de pôr todas essas ideias em prática surgiu no final de 1821, quando chegou a Santos a notícia sobre os decretos da corte que dividiam o Brasil e ordenavam o embarque de D. Pedro para Portugal. Doente de erisipela, Bonifácio foi procurado por Pedro Dias Paes Leme que lhe relatou o clima de revolta contra os portugueses na capita.

 

No dia 24 de dezembro a junta provisória da província lançou um manifesto endereçado a D. Pedro. O tom do documento redigido por José Bonifácio (vice-presidente da junta) é furioso: _ “o rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil caso o príncipe se curve às exigências da corte e retorne a Portugal”.

 

José Bonifácio chegou ao Rio de Janeiro acompanhado dos deputados de São Paulo no dia 18 de janeiro de 1822, uma semana após o “Dia do Fico” e já nomeado ministro à sua revelia. Angustiada, a princesa Leopoldina foi encontra-lo a meio caminho entre a Fazenda de Santa Cruz e o porto de Sepetiba, onde a comitiva desembarcou. Ela sabia que o impulsivo, porém inexperiente, marido precisava de apoio e orientações naquele momento difícil. E, ao apresentar a Bonifácio os filhos pequenos, disse: “Esses dois brasileiros são vossos patrícios e eu peço que tenhais por eles um amor paternal”.

 

  1. Pedro estava tão ansioso quanto Leopoldina para encontrar-se com os paulistas que os recebeu entre 9 e 10 horas da noite, introduzindo-os no palácio por uma porta privada. Ali o príncipe comunicou a nomeação de Bonifácio, recebendo um sonoro “não” como resposta. Depois de alguns instantes de impasse, voltou atrás e anunciou que aceitaria mediante algumas condições.

 

  1. Pedro perguntou quais eram e Bonifácio pediu uma conversa a sós, “de homem a homem”. Nunca se soube o conteúdo do diálogo entre os dois, mas Bonifácio saiu dali ministro, como queria D. Pedro. A pergunta é: _ que condições teria ele imposto ao príncipe para aceitar o cargo? Otávio Tarquínio acredita que seria a promessa de D. Pedro de que não sairia do Brasil em hipótese alguma.

 

Na verdade, Bonifácio queria mais do que isso. Ele queria uma profunda reforma na estrutura social e econômica do país, com a extinção do tráfico negreiro e a gradual abolição da escravidão, reforma agrária e educação para todos. Só a primeira parte funcionou, mas isso bastou para transformá-lo no Patriarca, o personagem mais importante da Independência do Brasil ao lado de D. Pedro.

 

Preso e deportado para a França depois da dissolução da primeira constituinte brasileira, em novembro de 1823, José Bonifácio se converteria num áspero crítico de D. Pedro. Bonifácio voltou do exílio seis anos mais tarde para reencontrar um D. Pedro amadurecido pelos difíceis embates políticos que enfrentou desde a sua partida. Em decisão surpreendente, o imperador esqueceu as mágoas do passado ao nomeá-lo responsável pela educação dos filhos – entre eles, o futuro D. Pedro II – antes de abdicar o trono brasileiro e também partir para a Europa, em 1831.

 

No entanto, o novo posto recolocou o antigo ministro no alvo dos adversários políticos e, afastado da tutoria de D. Pedro II em 1833, Bonifácio foi preso por “conspiração e perturbação da ordem pública”. Acusavam-no de liderar um complô para trazer D. Pedro de volta ao Brasil. Julgado à revelia e absolvido depois de dois anos, José Bonifácio de Andrade e Silva morreu no dia 6 de abril de 1838 em Niterói, perto da Ilha de Paquetá, na Baía de Guanabara, onde se recolhera em exílio voluntário e desiludido com os rumos da política.

 

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([1]) Otávio Tarquínio de Souza. “José Bonifácio”. p 173