FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO E O MODELO DA FLEXIGURANÇA: COMO FLEXIBILIZAR SEM DESREGULAMENTAR, LIMITAR OU PREJUDICAR OS DIREITOS DO TRABALHADOR?

Larissa Saraiva Garrido Carneiro[1]

Sumário: Introdução; 1 O mercado de trabalho e o contrato de trabalho; 2 A “crise” no Direito do Trabalho; 3 A flexibilização no contexto  de crise e reforma  no mercado de trabalho; 4 O modelo da flexigurança: um estudo comparativo; 4.1 Possibilidade de aplicação no Brasil; 4.2 Como flexibilizar sem desregulamentar, limitar ou prejudicar os direitos do trabalhador?; Conclusão; Referências. 

RESUMO 

O presente paper tem como enfoque a gradativa flexibilização da regulamentação trabalhista em favor da manutenção do contrato de trabalho. Neste estudo, indaga-se a possibilidade da aplicação (com êxito) do modelo de flexigurança no Brasil, levando-se em conta: em quais aspectos a legislação do trabalho já se apresenta flexível, e como melhorá-la, conciliando a flexibilidade de emprego e a segurança individual do trabalhador. 

PALAVRAS CHAVE:

Flexigurança – Mercado de Trabalho – Flexibilização Normativa

 

 

 

INTRODUÇÃO

O contrato de trabalho é um instrumento considerado recente. Pressupõe o trabalho livre, a liberdade de trabalho, e a evolução na história da liberdade do homem. Estudar-se-á, neste paper, a evolução desde os tempos em que o homem era submetido ao trabalho escravo.

A partir das mudanças trazidas pela revolução industrial e pela Revolução Francesa, cria-se uma ideia de um mercado, onde há oferta e procura por mão-de-obra. Trata-se da origem do mercado de trabalho, no qual é perceptível a constante mudança de exigências. O mercado de trabalho começa, então, a se revelar potencialmente criterioso. Far-se-á um estudo acerca das gradativas exigências do mercado.

O Direito do Trabalho é altamente influenciado por fatores econômicos, políticos, culturais e sociais. Ao passo em que a realidade é mutável, é também visível a dificuldade de a legislação trabalhista seguir em igual compasso. Forma-se, então, um conceito sistêmico de crise: “surgem quando a estrutura de um sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que são necessárias para a contínua existência do sistema (...), as crises são vistas como distúrbios persistentes na integração do sistema”. (ROMITA, 2008, p. 23)

A crise que surge durante a evolução do mercado de trabalho exige soluções para a continuidade de relações de trabalho harmoniosas. Tratar-se-á sobre as soluções do Direito do Trabalho em relação principalmente à crise econômica e ao desemprego.

A flexibilização seria uma resposta do Direito do Trabalho diante às dificuldades enfrentadas na crise. O contrato de trabalho não é mais o mesmo – as relações de trabalho tiveram que se adaptar às novas exigências das operações econômicas no período pós-industrial. A flexibilidade no mercado de trabalho é a palavra-chave do discurso econômico e social dos últimos anos. (ROMITA, 2008, págs. 23 e 24)

É notável, por parte dos estudiosos da flexigurança, o sucesso obtido na implantação do modelo na Dinamarca, país em que os postos de trabalhos criados foram satisfatórios, assim como as condições de trabalho. O êxito do modelo dinamarquês é atribuído a uma combinação de flexibilidade da relação de trabalho e segurança econômica e social dos trabalhadores. (ROMITA, 2008, p; 44)

Por fim, este trabalho tem por fim o estudo da modernização da Consolidação das Leis do Trabalho no sentido de adaptar-se no que há de positivo no processo de globalização, respondendo a seguinte pergunta: “como flexibilizar sem desregulamentar, limitar ou prejudicar os direitos do trabalhador?”.

1 O mercado de trabalho e o contrato de trabalho

O direito é um fenômeno dinâmico, que se desenvolve a partir da dialética dos polos que o compõem. Estes são os fatos sociais – dimensão fática do direito – e os valores  que permeiam a evolução das ideias. Fatos e valores se correlacionam, formando as estruturas normativas, responsáveis pelo surgimento das normas jurídicas. (REALE, 1980, apud NASCIMENTO, 2006, p. 3-4)

O contrato de trabalho possui um aspecto histórico: “a relação individual de trabalho apresenta uma evolução que se confunde com a própria história da liberdade do homem”. Sua gênese é baseada no trabalho escravo, desde Roma, evoluindo para a vassalagem da Idade Média – uma relação de fidelidade negociada – e tornando-se produto da autonomia da vontade na Idade Moderna. (ROMITA, 2008, p.15)

A origem da palavra “trabalho” corresponde ao desagradável, à dor, ao castigo, à tortura. Tripalium, em latim, que significava um instrumento de tortura utilizado em animais para fazê-los puxar o arado. Historicamente, refere-se ao trabalho como uma tortura, enquanto hoje temos o trabalho como “toda energia física ou intelectual empregada pelo homem com finalidade produtiva [...] feita em favor de terceiros”. (CASSAR, 2013, p. 3)

O histórico do Direito do Trabalho se assemelha com a dinâmica dos fatos sociais e dos valores. Tem base na questão social envolvendo o mercado de trabalho durante a Revolução Industrial e a “reação humanista” disposta a preservar a dignidade da pessoa humana no ambiente de trabalho predominante: as indústrias. Houve a real necessidade de disciplinar, frente a uma ordem jurídica, as relações individuais e coletivas de trabalho, conciliando-as com os novos fatos sociais e novos fatores que eclodiam. (NASCIMENTO, 2006, p.4)

O conceito atual do Direito do Trabalho para engloba a referida preocupação social com os integrantes da relação de trabalho, em especial aos trabalhadores.

O conceito de Direito do Trabalho é um sistema jurídico permeado por institutos, valores, regras e princípios dirigidos aos trabalhadores subordinados e assemelhados, aos empregadores, empresas coligadas, tomadores de serviço, para tutela do contrato mínimo de trabalho, das medidas que visam à proteção da sociedade trabalhadora, sempre norteadas pelos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana. Também é recheado de normas destinadas aos sindicatos e associações representativas; à atenuação e forma de solução dos conflitos individuais, coletivos e difusos, existentes entre capital e trabalho; à estabilização da economia social e à melhoria da condição social de todos os relacionados. (CASSAR, 2013, p.5)

O Direito do Trabalho é contemporâneo em relação à Revolução Industrial, cenário de “exploração desumana do trabalho”. A partir de uma reação da classe trabalhadora, foi possível limitar a utilização do trabalho humano. As regras eram as de direito civil (direito comum), e não atendiam mais as necessidades dos trabalhadores. A mecanização dos meios de produção não exigia o conhecimento, e por esta razão, admitia-se qualquer tipo de mão-de-obra. Evidentemente, era mais vantajoso contratar o serviço mais barato possível. “O contrato fazia lei entre as partes”, colocando o trabalhador em posição desfavorável, submetendo-se à qualquer cláusula contratual e condições degradantes. O Estado, diante desses comportamentos abusivos, assumiu uma posição paternalista, intervencionista. (CASSAR, 2013, p. 12)

Ao decorrer da evolução tecnológica e do acirramento da concorrência mundial, é visível a reação ao modelo de gestão e produção em massa e aos acordos e contratos coletivos afirmados na Europa, onde encontram-se países com alta estruturação do mercado de trabalho e forte presença sindical. Propostas neoliberais começavam a idealizar a flexibilização do mercado de trabalho, com base na competitividade e na equidade. Em relação ao primeiro fator, afirmava-se que uma economia livre de proteções e regulamentações que dificultem a mobilidade de fatores é propensa a se inserir competitivamente em qualquer “corrente de comércio”. A equidade, por sua vez, estabelece que a liberdade de contratação e dispensa são essenciais para uma “eficiente alocação do trabalho”, gerando empregos e melhorando a distribuição de renda. (MEDEIROS & SALM, 1994, p. 4)

Com base na estudada evolução histórica, é possível entender que o contrato de trabalho e o mercado de trabalho não são imutáveis, não são indiferentes aos fatos que decorrem ao longo do tempo. O contrato, por exemplo, assume várias funções historicamente distintas, conforme o contexto em que está inserido e as formas de organização econômico-social. Ambos estão sujeitos a um “princípio de relatividade histórica”. (ROMITA, 2008, p. 16)

2 A “crise” no Direito do Trabalho

Como visto anteriormente, o contrato de trabalho sofre o impacto das mudanças econômicas e do modo de organização do trabalho capitalista. Por consequência, o direito do trabalho não pode ficar obsoleto frente a essas transformações. O direito do trabalho é “influenciado pelos fatores econômicos, políticos, culturais e sociais, enfim, pela relação de forças existentes entre os interlocutores sociais.” (MORVILLE, 1985, p. 17 apud ROMITA, 2008, p. 23)

Romita (2008, p. 23) fala em crise econômica e em crise do Direito do Trabalho. O autor cita a flexibilização como uma resposta à essas crises. A crise é no sentido de existirem menores possibilidades, dentro de um sistema social, de resolver o problema. As crises são como “distúrbios persistentes da integração do sistema”.

A sociedade pós-capitalista consegue produzir mais com pouca mão-de-obra. A informação e a robótica são as principais causas do aumento da produtividade e do trabalho decrescente. Levando em conta dados internacionais, houve uma redução da demanda de trabalhadores entre 25% e 35%. Os salários também são reduzidos. A flexibilização ocorre de forma crescente nos Estados Unidos e na Europa. (NASCIMENTO, 2006, p. 43)

Diante de uma crise econômica, há a tendência de ocorrer reformas trabalhistas no sentido de reforçar a competitividade empresarial e estimular a criação de empregos. Amado (2013, p.165) explica a crise do Direito do Trabalho ocorrida nos anos 70, quando era frequente as críticas em relação ao “‘monolitismo’, ao ‘garantismo’ e à ‘rigidez’” na regulamentação das relações de trabalho. No final do século XX, a flexibilização se intitula como solução e o Direito do Trabalho é considerado um instrumento favorável à criação de emprego e promoção do investimento.

O Direito do Trabalho atravessa, desde então, uma profunda crise de identidade, com a sua axiologia própria (centrada em valores como a igualdade, a dignidade, a solidariedade, etc.) a ser abertamente questionada. Fala-se, não sem alguma razão, numa autêntica “colonização economicista” deste ramo do ordenamento jurídico. A retórica discursiva em torno da flexibilidade mostra-se, porém, altamente sedutora, sendo o clássico (e, dir-se-ia, historicamente ultrapassado) conflito social entre empregadores e trabalhadores substituído pelo novo conflito entre insiders (os trabalhadores com vínculo por tempo indeterminado e com emprego estável) e outsiders (os desempregados e os que apenas dispõem de um emprego precário, como os contratados a prazo e os falsos trabalhadores independentes). Um Direito do Trabalho rígido e excessivamente garantístico seria, afinal, o grande responsável por esta segmentação e pelo dualismo do mercado de trabalho, criando uma fratura entre os que estão dentro e os que estão fora da “cidadania fortificada” do direito laboral”. (AMADO, 2013, págs. 165-166)

No mundo, há mais de 900 milhões de pessoas desempregadas ou em situação de subemprego. As tendências são pelo crescimento desta estatística, e o Direito do Trabalho ainda não soube apontar alternativas eficazes para enfrentar o que para NASCIMENTO (2006. p. 46) seria a “nova questão social”.

A globalização produz efeitos, enumerados pelo mesmo autor. Sobre os empregos, a globalização causou, além da sua redução geral, a ampliação setorial. Houve a criação de novos setores de produção, que são oriundos de tecnologias modernas e do crescimento do setor de serviços. Também foram substanciais o aumento das subcontratações e a informalização do trabalho da pessoa física. (NASCIMENTO, 2006, p. 49)

Dos efeitos sobre os salários, foi possível constatar sua diminuição em alguns setores do processo produtivo e aumento em outros, as novas formas de remuneração por produtividade e a redefinição das jornadas de trabalho. Sobre os contratos de trabalho, observou-se o crescimento da adoção dos contratos de prazo determinado. Em relação à jornada de trabalho, percebeu-se a ampliação da compensação de horas com o banco de horas. (NASCIMENTO, 2006, págs. 51-52)

Com a globalização, todavia, mesmo os grandes blocos supranacionais econômicos, a exemplo da União Europeia, enfrentam contundentes questões, como: discriminação no mercado profissional, dispensa arbitrária ou sem justa causa, descumprimento do pacto laboral, precariedade no meio ambiente de trabalho, automação, subemprego e desemprego. Assim, modalidades de trabalho consideradas até recentemente atípicas -, embora oriundas de fatos jurídicos típico, como o contrato de trabalho temporário -, ganharam status de contratos de trabalho típicos, com assento no ordenamento jurídico de países vários. Sobreleve-se o novo Código de Trabalho de Portugal, de 2009, que legitimou como típicas algumas dessas modalidades antes tidas como atípicas, em clara sinergia com a evolução das relações laborais. (FERREIRA, a[?], págs. 1-2)

O Direito do Trabalho precisa responder ao desafio da crise econômica e do desemprego. É necessário que se crie “condições de ocupação à generalidade das pessoas que o pretendam”. A ocupação se refere não exclusivamente ao emprego, mas também a uma diversificação das formas de ocupação laboral: o trabalho autônomo, formas de emprego atípicas e laborização do trabalho familiar, por exemplo. Para ROMITA (2008, p. 24), a flexibilização é essencial para se ter uma solução no cenário de crise social e econômica.

3 A flexibilização no contexto  de crise e reforma  no mercado de trabalho

A flexibilidade das normas trabalhistas, de uma forma geral, seria relativa às “formas de contratação, à duração do trabalho, à estipulação dos salários, à negociação coletiva e, sobretudo, ao regime de dispensa” (ROMITA, 2008, p.25).  Através dessa flexibilização, percebida em meados da década de 1980, questionou-se o próprio Direito do Trabalho.

A flexibilização não ocorre de qualquer forma. Flexibilizar pressupõe a continuação da interferência estatal nas relações de trabalho, de forma a estabelecer condições mínimas de trabalho, sem as quais não seria possível conceber a vida do trabalhador com dignidade – o mínimo existencial. É necessário também que se autorize, em determinados casos, exceções ou menos rigidez nas regras, possibilitando a manutenção da empresa e dos empregos. (CASSAR, 2013, p. 32)

É necessário citar que a doutrina social cristã e socialista e as convenções internacionais da OIT também tiveram fundamental importância na influência da legislação garantista, asseguradora do mínimo existencial. (BARROS, 2012, p. 68)

No contexto da flexibilização, é possível delimitar dois momentos históricos: o primeiro foi o “direito do trabalho da emergência”, que teve um caráter temporário, e o momento da “instalação da crise”, quando ocorram as reivindicações patronais permanentes. (BARROS, 2012, p. 69)

A autora destaca dois tipos de flexibilização:

A flexibilização interna, atinente à ordenação do trabalho na empresa, compreende a mobilidade funcional e geográfica, a modificação substancial das condições de trabalho, do tempo de trabalho, da suspensão do contrato e da remuneração. Enquadram-se nessa forma a flexibilização o trabalho em regime de tempo parcial (art. 58-A da CLT), e a suspensão do contrato a que se refere o art. 476-A do mesmo diploma legal. Paralelamente, temos a flexibilização externa, que diz respeito ao ingresso do trabalhador na empresa, às modalidades de contratação, de duração do contrato, de dissolução do contrato, como também à descentralização com recurso a formas de gestão de mão de obra, subcontratos, empresa de trabalho temporário, etc. Encaixa-se nessa segunda forma a inserção do trabalhador no regime do FGTS, retirando-lhe qualquer possibilidade de adquirir estabilidade no emprego [...]. (BARROS, 2012, p. 69)

A flexibilização tem como um de seus objetivos encontrar o ponto de equilíbrio entre o princípio da proteção ao trabalhador, presente em várias normas, os direitos relacionados à dignidade da pessoa humana e a necessidade de manutenção da saúde da empresa. Embora conflitantes, eles podem se mostrar harmônicos em alguns momentos. Serão conflitantes porque evidentemente o interesse do empresário não é o mesmo interesse do trabalhador. Haverá a harmonia de interesses quando o empregado entender a situação precária de seu empregador, da dificuldade de inserção nesse mercado e ameaça de desemprego. Ambos têm a pretensão de recuperar a empresa. Nesta situação, “o trabalhador autoriza conscientemente o sacrifício de seus direitos trabalhistas em prol da manutenção de seu emprego”. (CASSAR, 2013, págs. 32-33)

É possível afirmar, portanto, que a flexibilização é um eficiente mecanismo quando os interesses entre o empregado e o empregador, no caso concreto, são totalmente convergentes. (CASSAR, 2013, p. 33)

Sobre a repercussão da política de flexibilização trabalhista, ROMITA (2008, p.30) traz três posicionamentos: a corrente favorável à flexibilização, que a declara benéfica em relação à sociedade por trazer maior segurança individual ao trabalhador em épocas de crise (além de todos os motivos já expostos). É baseada na autonomia privada coletiva, porque se faz necessária a participação da sociedade na criação das normas jurídicas que nela própria incidirão.

Existe também uma corrente contrária à flexibilização, que a tem como um retrocesso: “a legislação do trabalho já se mostra suficientemente flexível e que aumentar a dose de flexibilização resultará em prejuízos para os trabalhadores. [...] Os mínimos legais só podem ser ampliados em favor dos trabalhadores, mediante negociação coletiva ou estipulação contratual individual”. (ROMITA, 2008, p. 31)

Por fim, a corrente moderada ou intermediária estabelece a fixação de um meio-termo, entendendo que os excessos devem ser evitados. (ROMITA, 2008, p. 36)

[...] um mínimo de garantias deve continuar sendo assegurado por lei aos trabalhadores, mas seu interesse na preservação d emprego (concretizado na viabilização da negociação in peius) há de ser amparado pelo ordenamento. [...] A crise impõe a necessidade de mudanças, não o imobilismo. A flexibilização, por si só, não representa a solução, mas cumpre não efetuar essas mudanças apenas “para que tudo permaneça como está”. (ROMITA, 2008, p. 36-37)

Nos últimos anos, surgiu a necessidade de reforma do mercado de trabalho nos países industrializados, com o objetivo da adaptação às transformações nos métodos de produção. O Direito do Trabalho, por sua vez, não pode ficar ultrapassado em relação à essa evolução. Neste âmbito está presente a flexigurança. (ROMITA, 2008, p. 39)

4 O modelo da flexigurança: um estudo comparativo

Em 2000, houve um marco para entender o fenômeno da flexigurança:

 o Conselho da União Europeia realizou em Lisboa uma reunião com o objetivo de promover a ocupação, a competitividade das empresas  e a coesão social. Foram fixadas metas a serem alcançadas até 2010: taxa de ocupação geral de 70% (à época, era de 64%), de 60% para as mulheres (à época, era de 55%) e de 50% para os idosos (à época, era de 40%). Foi criada uma força-tarefa para a criação de postos de trabalho, com base no reconhecimento de que se necessita de mais energia na política de emprego e de reformas estruturais no mercado de trabalho. (ROMITA, 2008, p. 40)

A referida força-tarefa tinha as seguintes propostas: a criação de mais flexibilidade no tempo de trabalho; a promoção do part-time (trabalho de tempo parcial); mudar, com possível diminuição, o grau de segurança nos contratos por tempo indeterminado, de forma a alterar o regime de proteção contra a despedida; implantar uma satisfatória segurança para os trabalhadores com contratos por tempo de terminado ou outros contratos atípicos; dentre outras. (ROMITA, 2008, p. 40)

O modelo da flexigurança se aplicou com grande sucesso na Dinamarca, na década de 1990 – este país é o parâmetro do presente estudo.  A partir da política de flexibilização, percebeu-se a expansão de mercado e uma redução na taxa de desemprego. Isso se deve à combinação da “flexibilidade da relação de trabalho e de segurança econômica e social dos empregados”. A estrutura dinamarquesa também contribuiu para a boa aplicação da flexigurança: o mercado é “dominado por empresas de médio e pequeno porte; a proteção do emprego é débil, [...] existe um sistema público e bem desenvolvido de educação e formação profissional [...]”. (ROMITA, 2008, p. 44)

Predomina uma ideia de um “mercado de trabalho inclusivo”, como conceito central que abre possibilidades para a inclusão de um número cada vez maior de pessoas no emprego ativo. Os amplos objetivos fixados para a efetiva implementação do mercado de trabalho inclusivo são os seguintes: a) todo indivíduo tem uma responsabilidade social; b) devem ser adotadas medidas que assegurem a capacidade total de trabalhar durante toda a vida útil de trabalho; c) as pessoas com reduzida capacidade de trabalho devem ter um emprego; d) devem ser empregadas cada vez mais pessoas. (ROMITA, 2008, págs. 45-46)

 

4.1 Possibilidade de aplicação no Brasil

O direito do trabalho no Brasil consolidou-se na década de 40, e por conta de “fatores determinantes do perfil institucional brasileiro e dos fundamentos do direito do trabalho brasileiro, os efeitos da negociação coletiva de trabalho não se processaram”. Sendo assim, é possível concluir que no direito do trabalho brasileiro prevalece a heteronomia, onde prepondera a regulamentação sobre o direito sindical. (SIQUEIRA NETO, 1997, p. 38)

A estrutura política e regulamentar brasileira resultam em uma relação de trabalho antidemocrática e repressiva. O corporativismo causou o enfraquecimento dos sindicatos, e além disso, o Estado possui o controle implacável destes. As negociações coletivas não foram regulamentadas, “foram aniquiladas em função da estrutura do processo de negociação e da solução jurisdicional obrigatória dos conflitos coletivos de trabalho e o direito de greve foi regulado de forma restritiva”. (SIQUEIRA NETO, 1997, p.38)

Vólia Cassar (2013, p. 37) defende a ideia de que o Brasil adotou a flexibilização legal e sindical – a própria lei autoriza ou excepciona as hipóteses de flexibilização, podendo haver a redução de direitos; ou pode haver a possibilidade das normas coletivas exercerem este papel.

A lei tem autorizado a flexibilização além das hipóteses previstas em lei:

é o caso do acordo de compensação de jornada (art. 7º, XIII, da CF c/c Súmula nº 85, I e II, do TST), seja mediante opção do empregado, apenas com chancela sindical, como ocorre no contrato por tempo parcial – art. 58-A, §2º, da CLT e a suspensão do contrato para realização de curso – art. 476-A da CLT, seja pela redução ou revogação de benesses, como ocorreu com a natureza salarial de algumas utilidades (art. 458, §2º da CLT) ou com redução do FGTS para os aprendizes (art. 15, §7º, da Lei nº 8.036/90) [...] (CASSAR, 2013, p.39)

4.2 Como flexibilizar sem desregulamentar, limitar ou prejudicar os direitos do trabalhador?

A flexibilização pode ser vista como um fenômeno positivo, porém deve-se atentar aos seus limites – a extrapolação da flexibilização pode levar à desregulamentação do Direito do Trabalho. Essa desregulamentação tem como pressuposto a ausência do Estado (mínimo) em detrimento da livre manifestação da vontade e da autonomia privada. Na flexibilização existe a intervenção estatal mínima, com o intuito de garantir dos direitos do trabalhador. A proteção à dignidade da pessoa humana pelo Estado é absoluta. (CASSAR, 2013, p.40)

O que se deve evitar também é o abuso de direito, que fere normas infraconstitucionais e torna o ato nulo. O abuso de direito pode ser percebido pela falta de razoabilidade e proporcionalidade no conflito entre interesses do empregador e do empregado. (CASSAR, 2013, p. 34)

CONCLUSÃO

Em relação ao estudo, conclui-se que o modelo da flexigurança pode ser adotado no Brasil, mas sua aplicação irá variar com a estrutura política, econômica e social da época. Porém, não é interessante reduzir os direitos do trabalhador em um contexto de pouca “sobrevivência” de determinado setor da produção. É necessário que o Estado se mobilize no sentido da geração de empregos, e da criação de medidas econômicas que favoreçam a competitividade do mercado nacional.

A flexigurança é um modelo aplicável no mercado de trabalho de cada país, dentro de sua realidade. As disposições contratuais neste modelo são flexíveis, facilitando o ingresso e despedimento de trabalhadores no mercado de trabalho. Flexibilizam-se princípios e normas para garantir segurança na relação de trabalho.

REFERÊNCIAS:

AMADO, João Leal. O Direito do Trabalho, a crise e a crise do Direito do Trabalho. In: Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 4, n. 8, p.163-186, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.linuxfi.net/periodicos/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/247/214>. Acesso em 11 de fevereiro de 2014.

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 8.ed. São Paulo: LTr, 2012.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 8.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5.ed. São Paulo: LTr, 2006.

FERREIRA, Patrícia Alves. Pensando o Direito do Trabalho na atualidade e para as futuras gerações: o caso da flexigurança na União Europeia. Disponível em: <http://www.carreirasjuridicas.com.br/downloads/dia08oficina03texto1.pdf>. Acesso em 10 de fevereiro de 2014.

MEDEIROS, Carlos A.; SALM, Claudio. O mercado de trabalho em debate. Novos Estudos nº39. Disponível em: <http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/73/20080626_o_mercado_de_trabalho_em_debate.pdf>. Acesso em 15 de abril de 2014.

MORVILLE, Pierre. Les nouvelles politiques sociales du patronat. 1985. p. 17 apud ROMITA, Arion Sayão. Flexigurança. São Paulo: LTr, 2008.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980 apud NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho e Flexibilização no Brasil. São Paulo em Perspectiva, 11 (1) 1997. Disponível em: <https://www.seade.gov.br/produtos/spp/v11n01/v11n01_04.pdf>. Acesso em 15 de abril de 2014.

ROMITA, Arion Sayão. Flexigurança. São Paulo: LTr, 2008.

 



[1] Graduanda do curso de Direito da UNDB – Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, discente do 10º período.