“Falta amor, mas também falta interpretação de texto”, disse o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, criando um dos aforismos mais exatos sobre o cenário contemporâneo brasileiro. Eu, com outras palavras é claro, já dizia, repito e acredito muito que o feminismo é um bom exemplo de um termo que padece de uma questão semântica. Semântica, segundo a linguística, é o estudo dos significados e da interpretação de palavras ou textos. E quem sabe, verdadeiramente, o significado de feminismo? Já ouvi, várias vezes, que nós deveríamos viver num mundo que não fosse nem “machista” nem “feminista”, mas “igualitário” numa interpretação de que machismo e feminismo são justos opostos em suas diferenças. Dizer que machismo e feminismo são opostos simétricos é como dizer, nas artes, que o iluminismo é o exato oposto do simbolismo (só para ficar nos “ismos”). Ou seja, simplesmente não faz sentido. Basta uma consulta simples ao dicionário para se constatar que não há nenhuma simetria entre os termos. Enquanto o machismo aparece como “comportamento que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem” o feminismo é lido como “teoria que sustenta a igualdade política, social e econômica de ambos os sexos” (consulta feita ao dicionário Houassi). Ou seja, o machismo é uma prática que se traduz em desigualdade entre homens e mulheres. Já o feminismo é uma teoria (colocada em prática por muitos e muitas) que almeja a igualdade entre homens e mulheres – e não a supremacia das mulheres, como alguns desavisados gostam de pregar. Eu não estou inventando nada novo. Está naquele dicionário velho e empoeirado da sua estante e também está no dicionário online, pode ir lá olhar. Pensando bem, nem precisa. Apenas reflita: o feminismo nunca sugeriu que os homens fossem destituídos dos direitos de votar, de dirigir, de trabalhar – direitos estes que foram negados às mulheres, durante séculos, por uma cultura machista. E ainda são negados em alguns países. O discurso do ódio e do cerceamento de direitos das mulheres é característico do machismo. O feminismo, por sua vez, luta para que todos tenhamos os mesmos direitos e para que possamos fazer, livremente, as mesmas escolhas na sociedade. Porque é sabido que uma mulher hoje não pode, por exemplo, decidir que não quer se casar, que quer viver uma vida boêmia, sem ser profundamente julgada por estar agindo “como um homem” ou como uma “mulher fácil”. Isso é o machismo atuando na cultura. Ela está agindo apenas como uma mulher livre que ela é. Ou que ela deveria ser. Um homem, no seu lugar, não receberia o mesmo julgamento. Percebe a diferença? Isto sem falar nas diferenças de salário, nos diferentes níveis de exigência nos padrões de beleza, na dupla jornada, na recusa da divisão das tarefas domésticas e na covardia das agressões físicas. Alguns exemplos de que as (e os) feministas ainda têm muita pauta para continuar lutando por igualdade. Portanto, se você acredita que deveríamos viver em um mundo onde todos sejam tratados de maneira justa e igualitária, você é um(a) feminista e nem sabia disso. Bem-vindo ao clube! E por favor, espalhe a boa-nova e nos ajude a combater não só o machismo, mas também um pouquinho do problema da interpretação de texto em nosso país. + sobre a pesquisadora Beatriz Beraldo – Formada em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA e em Comunicação Social pela UNINORTE, fez o seu Mestrado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing São Paulo - ESPM SP em Comunicação e Práticas de Consumo, autora de artigos científicos publicados, entre eles ‘A voz das vadias: alguns olhares sobre as políticas de visibilidade da Marcha das Vadias SP’, vencedor do Prêmio COMUNICON 2013.