RESUMO: este trabalho tem por objetivo discutir as consequências da ação dos experts sobre o processo de licenciamento arqueológico e viabilidade de empreendimentos de mineração do Estado do Amapá. Para tal, os diferentes pontos de vista destes experts são tomados sob o conceito de Arena, o que é feito tendo como fontes de informação e análise instrumentos legais e documentos usados pelos experts desde o início do processo de licenciamento. Para o último caso, destacam-se os elaborados tanto no contexto de serviços de consultoria contratados por empreendedores buscando licenciar áreas para execução de empreendimentos de mineração, quanto por órgãos públicos ligados ao controle de políticas federais de salvaguarda cultural do patrimônio arqueológico, bem como os documentos resultados da apuração de crimes relacionados ao não cumprimento destas e os produzidos por serviços técnicos especializados requeridos para subsidiar a ação dos envolvidos nas três conjunturas. Nesse contexto, foi possível identificar e discutir dilemas corriqueiros e resultados destes sobre as políticas de salvaguarda do patrimônio cultural arqueológico na Amazônia brasileira, especialmente o impacto negativo que a condição de expertise no assunto causa não só a estas políticas como também tem condições de afetar igualmente aspectos socioeconômicos das populações adjacentes a empreendimentos que requerem licenciamento arqueológico. Palavras-chave: Arqueologia; Patrimônio Cultural; Licenciamento Arqueológico.

O Estado do Amapá ocupa posição geográfica destacada nas discussões sobre o processo de migração de comunidades indígenas no contexto da conquista europeia das Américas no século XVI. Desde 2006, as pesquisas arqueológicas realizadas no Estado evidenciam a porção oeste do Amapá como rota de passagem de grupos humanos que buscavam evitar contato com o branco europeu, se deslocando para a parte mais interna e distante do litoral brasileiro, vindo do Estado do Pará e indo em direção a áreas que hoje configuram os territórios da Guiana Francesa e Suriname (SILVA, 2010). O histórico de envolvimento de empreendimentos de mineração no processo de ocupação e desenvolvimento econômico do Amapá a partir da década de 1940, associado a condição de ponto estratégico para entender a ocupação humana pretérita na Amazônia, transformaram a região em alvo de atenção dos órgãos do poder público ligados a licenciamento ambiental e salvaguarda cultural de áreas de empreendimentos com potencial de impacto socioeconômico e ambiental. Em paralelo, também se exigiu atenção e comprometimento de empreendedores quanto a necessidade legal, valor científico e cultural de ações de salvaguarda do patrimônio arqueológico das áreas de abrangência de seus empreendimentos, bem como aos impecílios de viabilidade destes diante de posturas contrarias. Embora considerem a importância socioeconômica e política desses empreendimentos para as regiões onde são instalados, órgãos do poder público como Ministério Público Federal (MPF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a sociedade civil não têm como ignorar o fato da Constituição Federal, em seu artigo 216 (BRASIL, 1988), reconhecer sítios arqueológicos como bens culturais da União. Enquanto tal, a proteção legal já lhes era conferida, dentre outras, pela Lei nº 3.924/1961 (BRASIL, 1961) em associação ao Decreto nº 2.848/1940 (BRASIL, 1940) e sua regulamentação de processos judiciais implicando multas e prisão a quem atentar contra bens da união. Assim, demandando de empreendedores o resguardo da integridade física ou o estudo de patrimônios arqueológicos identificados em seus empreendimentos. Ainda que o valor cultural e científico do patrimônio arqueológico seja uma realidade cada vez mais estabelecida legalmente, a partir da criação de instrumentos legais como a Portaria Iphan nº 07/1988 (IPAHN, 1988), Portaria Iphan nº 230/2002 (IPHAN, 2002) e, mais recentemente, a Instrução Normativa Iphan n° 01/2015; como demonstra Souza (2008), a Amazônia brasileira é marcada por exemplos de má gestão deste patrimônio em áreas de empreendimentos com alto potencial de impacto socioeconômico e ambiental que implicam licenciamento arqueológico. O que resulta, sobretudo, da ausência de convenção ou condições de empreendedores e órgãos controladores em cumprir os trâmites legais dos vários tipos de licenciamento para execução de empreendimentos, ou mesmo casos de implicações técnica de serviços atrelados a estes. Para uma análise com atores em meio a conjuntura desse tipo, tomaremos como suporte os conceitos de Rede e Expert usados por Viglio et. al. (2018). No sentido aqui empregado, o expert é a pessoa convidada a fundamentar decisões em função de conhecimento técnico adquirido com ampla formação acadêmica associada a experiência pratica. Por sua vez, a arena é o cenário de inter-relação sistêmicas em que experts de diferentes conhecimentos e perspectivas interagem para influenciar um processo decisório. Neste cenário, as discussões tecidas neste artigo resultam de trabalhos técnicos realizados pela Inside Consultoria Científica, em 2018, em dois empreendimentos de mineração do Amapá que apresentam algumas das características referidas. Na execução dos trabalhos e reflexões decorrentes, percebemos não só questões tradicionais que, infelizmente, estão perenes na salvaguarda do patrimônio arqueológico na Amazônia brasileira, como também a influência que profissionais ocupantes da condição de experts desta conjuntura tiveram sobre a gestão desse patrimônio. Em paralelo, ponderamos esses fatores em associação as possibilidades de impactos socioeconômicos para as populações adjacentes aos empreendimentos, especialmente 3 quando considerado aspectos de sua viabilidade diante deste cenário. [...]