RESUMO SIMPLES: O embate entre os princípios constitucionais do direito à informação e direito de imagem emergem férteis debates na seara penal, no que tange, principalmente, à presunção de inocência do suspeito. O direito de ser informado é pressuposto essencial de uma democracia, ao passo que o direito de imagem é uma garantia imprescindível a condição humana. Com o propósito de refletir sobre essas diretrizes cada vez mais comum na conjuntura hodierna, que tornou as mídias virtuais uma ferramenta capaz de alcançar proporções incalculáveis de pessoas, faz-se necessário realizar uma observação jurisprudencial e doutrinária, a fim de ponderar esses princípios, de modo a respeitar as particularidades de cada um no ordenamento jurídico brasileiro.

 

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade de imprensa.  Exposição do suspeito. Divulgação do nome. Direito de imagem. Presunção de inocência.

 

INTRODUÇÃO

            Sob a perspectiva atual, os meios de comunicação virtual estão cada vez mais democratizados, o que torna o alcance de notícias ainda mais abrangente, pois a popularização dessas ferramentas propaga, de modo imediato informações diversas que, muitas vezes, sequer, passam pelo crivo da verdade. Essa rapidez reflete a fluidez hodierna, em que a disseminação de informações significa empoderamento.

            Todavia, é partir desse viés que algumas informações prejudicam drasticamente a dignidade daqueles que são expostos ainda em fase de investigação, por exemplo. Isso afeta a imagem desses cidadãos que passam por juízos de valor, não sendo conferidos a eles o direito à ampla defesa, que por sua vez, acaba prejudicando a concretização de um dos princípios basilares do Processo Penal, o Princípio da Presunção de Inocência. 

A corroborar com o exposto acima, as medidas cautelares estão a exigir redobrado cuidado. A própria exposição da figura do indiciado ou réu na imprensa através da apresentação da imagem ou de informações conseguidas no esforço investigatório podem causar prejuízos irreversíveis à sua figura.  Visto que os direitos da personalidade são inerentes a sua dignidade como pessoa e traz consigo uma importância suprema, tendo em vista que deles derivam outros direitos que, se não fossem reconhecidos pelo Estado, poriam em risco a própria noção, concebida pelo Estado Democrático de Direito, do homem como sujeito de direitos. Portanto, torna-se impossível imaginar a separação do indivíduo do seu direito à imagem por constituir uma garantia mínima da essência humana.

Nessa dispersão, tem-se como objetivo geral destrinchar a respeito da divulgação da imagem e do nome do suspeito pela prática de algum crime como grave ofensa ao Princípio da Presunção de Inocência, que tem previsão constitucional. Além disso, pretende-se alçar uma reflexão sobre o impacto da exposição de suspeitos mascarada de uma falsa liberdade de expressão e sobre a violação de direitos essenciais para a concretização da justiça.

 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Exposição midiática

            No contexto hodierno, a mídia virtual tornou-se um dos meios de comunicação mais acessíveis, tanto pela sua rapidez quanto pela diversidade de informações. No campo do Direito Constitucional, a liberdade de informação ganhou um importante relevo, sendo firme o entendimento de que essas garantias são pressupostos de uma democracia plena.

            Nessa acepção, o brilhante filósofo Zygmund Bauman salienta que os tempos são líquidos porque tudo muda tão rapidamente. Resta claro que tudo que for transmitido pela mídia será propagado para um número considerável de pessoas, o que leva a possibilidade de disseminação de notícias midiáticas que imprimem nos leitores, sentimentos e julgamentos que, não só desmoralizam como atrapalham no trâmite da ação penal, a exemplo, em casos de júri popular.

        A imagem e intimidade excessivamente exposta como suspeito da prática de um crime alcança grande proporção, em que não há como negar que o indivíduo ali exposto, é hipossuficiente o bastante e incapaz para provar, em contrário senso, a sua inocência já ofendida diante das câmeras e repórteres. Neste contexto, observa-se que a mídia tende a substituir as instituições públicas que são responsáveis pela apuração e julgamento de crimes, ora auxiliando a polícia na atividade de investigação, ora para fazer a justiça funcionar como deveria (SCHREIBER, 2008).

        Assim, faz-se necessário delinear o quanto essa temática alcançou repercussão geral, chegando, inclusive, aos Tribunais Superiores e tornando-se escopo de matéria jurisprudencial pontuando o prejuízo moral da divulgação do nome do suspeito, que além de ser qualidade inerente ao homem, é o meio pelo qual torna-se conhecido socialmente.

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DIVULGAÇÃO DO NOME DO AUTOR COMO SUSPEITO PELA PRÁTICA DE CRIME. INFORMAÇÃO INVERÍDICA. DANO MORAL. CABÍVEL. RETIRADA DA MATÉRIA E PUBLICAÇÃO DE ERRATA. SUFICIENTES. CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA SELIC. HONORÁRIOS MAJORADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Há o dever de reparar o dano moral daquele que teve seu nome divulgado erroneamente como criminoso. 2. A determinação de retirada da matéria, publicação de errata e reparação a título de danos morais são suficientes e cumprem o binômio reparar/punir, sendo desnecessária que ocorra ainda a publicação da sentença no link do respectivo sítio eletrônico que divulgou a reportagem (grifos nossos).               (TJ-AM - APL: 07051882520128040001 AM 0705188-25.2012.8.04.0001, Relator: Maria das Graças Pessoa Figueiredo, Data de Julgamento: 10/09/2018, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 10/09/2018)

 

2.2. Presunção de Inocência

Em se tratando da divulgação do fenômeno criminal outro princípio constitucional merece destaque, a presunção de inocência. A acusação a um indivíduo com o encargo de provar os fatos, compete a um órgão estatal imbuído da tarefa de desconstruir por meios de provas válidas a presunção da inocência. Conforme aduz o entendimento de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, in verbis: trata-se de princípio que foi inserido expressamente no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1988 (artigo 5º, LVII)[1].

Desse princípio, derivam duas regras fundamentais: a regra probatória ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade. Sob a égide da Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada pelo Brasil: Decreto n° 678/1992)[2], o instituto da inocência presumida é expressamente citado, de modo mais abrangente:  art. 8º, 2 ‘’toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa’’.

2.3. Direito de imagem

Por seu turno, a imagem social está configurada como qualidade exterior da pessoa, a proteção que goza o indivíduo de seu nome e de sua imagem em face de possíveis violações da sua intimidade por meio de exposição não autorizada, tem previsão constitucional, mais especificamente no art. 5°, inc. X que assevera: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (BRASIL, 1988). Como garantia dessa proteção, a Constituição Federal assegura o direito de resposta, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, como foi abordado na jurisprudência supracitada. Ao que se apresenta pelos Tribunais Superiores o teor da divulgação da matéria jornalística pretende ir além da narrativa de uma mera informação, o que veio a causar ofensa à honra do cidadão. Observa-se, além disso, que o relator garantiu o direito de resposta que consiste na defesa manifesta dos interesses daquele que teve seus direitos violados e a reparação pecuniária pelo dano sofrido que abalou a moral, imagem e demais aspectos materiais do indivíduo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O presente resumo se propôs a analisar o embate entre o direito à informação, aspecto essencial em qualquer democracia, e o direito à imagem, garantia inerente a condição humana e respeito à dignidade da mesma. Paulatinamente a essa discussão, o princípio da presunção de inocência, previsto no dispositivo da Carta Magna, certifica aos suspeitos em investigações criminais, senão após o trânsito julgado em sentença penal condenatória, a presunção de sua inocência.

            É incontestável a importância das mídias virtuais na atualidade e como tem alcançado pessoas de diversos segmentos, fornecendo uma gama de notícias dos mais diversos assuntos. Como foi objeto de análise, muitas são as notícias acerca de temas criminais, que chama a atenção do público, é justamente por esse motivo que se torna imprescindível o desenvolvimento de análises desse ramo. Por esse viés, emerge o cuidado com a exposição excessiva, pois ela prejudica gravemente a vida dos cidadãos exposto, subjugando-os a juízos de valor de uma grande quantidade de pessoas.

            Na existência desse conflito entre os princípios de mesma equivalência é fundamental a ponderação, que permite o respeito mútuo a esses princípios. Desse modo, a partir da diferenciação de regras e princípios em cada caso concreto, para que haja a correta aplicabilidade na área jurisdicional, levando em consideração todas as peculiaridades do assunto envolvido e da atribuição do peso de cada direito conflitante, sempre tomando cautela para discernir objetivamente sobre tais direitos.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccvil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25 out. 2019

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 25 out.2019

BRASIL. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em 25 out. 2019

BRASIL. Tribunal de Justiça do Amazonas. Apelação cível nº 0705188-25.2012.8.04.0001. Apelante: Empresa de Jornais Calderaro LTDA. Apelado: Evandro Claramello Racosta. Relatora: Desa. Maria das Graças Pessôa Figueiredo. Amazonas. 10 de setembro de 2018. Disponível em: Acesso em 26 out. 2019

LAMBERTI, Mônica. A (in) observância do princípio da presunção da inocência pela mídia. 2016. Disponível em: <https://monicalamberti.jusbrasil.com.br/artigos/414680420/a-in-observancia-do-principio-da-presuncao-da-inocencia-pela-midia> Acesso em: 25 out. 2019

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BRANDINI, Fernando. Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais. Brasília. TJDFT, 2015.

TÁVORA, Nestór; RODRIGUES, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 12ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm. 2017.

GÓIS, Veruska Sayonara de. O direito à informação jornalística: garantias constitucionais ao direito de ser informado no sistema brasileiro. 2009. 207 f. Dissertação (Mestrado em Constituição e Garantias de Direitos) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009. Disponível em: >. Acesso em 26 de out. 2019

ARTIGOS. O direito de imagem do acusado. 2017. Disponível: <https://jus.com.br/amp/artigos/62917/1>. Acesso em 26 de out. 2019

ARTIGOS. O princípio da presunção de inocência como garantia processual penal. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21862/o-principio-da-presuncao-de-inocencia-como-garantia-processual-penal> Acesso em 26 de out. 2019.

 

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.