O capítulo em exame é iniciado por uma reflexão acerca dos elementos característicos pertencentes ao direito e à moral. Estando ambos profundamente vinculados, analisa-se que possuem intimidade, um com o outro, já que a moral é atingida pelas violações jurídicas. Embora antes já tenham sido interpretados como uma única realidade normativa, hoje tal pensamento foi superado, permanecendo, contudo, elementos em comum aos dois campos.

Em comum, moral e direito possuem o fato de imporem condutas obrigatórias a quem se destinam, as quais se apresentam de maneira imperativa, além da característica de atenderem a uma necessidade social, definida historicamente e condizente com o momento em que tais regras se impõem.

Por outro lado, também são enumeradas múltiplas diferenças entre os dois campos. Enquanto a vida moral é interior e, portanto, exigida através de coação interna, a vida jurídica é externa, e sua exigibilidade e inobservância implicam em consequências exteriores. Além disso, a moral, por ser mais ampla e abrangente que o direito, interfere em uma pluralidade muito maior de relações humanas do que o direito.

No que atine à justiça e moralidade, apontam-se algumas diferenças, como o fato de a justiça impor deveres correlatos a direitos correspondentes, enquanto a moral é um processo unilateral; a primeira, portanto, só entra em vigor quando a vontade imaginária é traduzida numa ação, mas a lei moral pode ser violada sem qualquer ato volitivo concreto, bastando que a intencionalidade do agente seja imoral, para tanto. Ainda, os preceitos morais atuam sob o agente de maneira não coercitiva, espontânea, enquanto os preceitos jurídicos são, essencialmente, munidos da coação.

As diferenças entre direito e moral, ainda, são observadas dentro das três perspectivas propostas por Miguel Reale: quanto à natureza do ato, diz-se que a moral é bilateral e visa à intenção, a partir da sua exteriorização, e que o direito é bilateral atributivo, visando ao ato exteriorizado a partir da intenção; quanto à forma, a moral é incoercível, sem predeterminação tipológica, enquanto o direito é coercível e especificamente predeterminado, podendo ser heterônomo; por último, quanto ao conteúdo, a moral diz respeito aos valores da pessoa, visa do ao bem individual, enquanto o direito diz respeito aos valores de convivência e visa ao bem social.

No espectro de todas as semelhanças e diferenças apontadas, é chegada à conclusão de que, ao contrário do que fundamentado por Kelsen, não existe direito antiético ou aético. Isso porque as regras jurídicas, como um todo, vinculam-se legitimamente à ética no ordenamento jurídico.

Deste modo, apresenta-se a ligação e a correlação entre a Ética e diversos ramos do Direito, sendo demonstradas uma amplitude de normas éticas inseridas em normas jurídicas positivas.

Inicialmente, fala-se da incorporação da Ética junto ao Direito Constitucional, ocorrida principalmente devido ao fenômeno da constitucionalização do direito. Tal fenômeno, conforme explanado ao decorrer do texto, provoca a introdução de uma ética fundante em toda a sociedade, de modo que o papel de inserção da ética cabe a todos os operadores do direito. Não à toa que a Constituição Federal de 1988 é também chamada de Constituição Ética: os princípios éticos da liberdade, igualdade e justiça encontram-se inscritos logo no preâmbulo da Carta Magna e esta se apresenta como uma carta de princípios, à qual se confere uma dimensão ética insuperável.

Os princípios éticos que residem no texto constitucional, vale ressaltar, emanam a todo o ordenamento jurídico, como pode ser percebido por meio de uma interpretação hermenêutica – já que a Constituição é fundamento de validade de todas as normas inferiores.

Os direitos e garantias fundamentais citados pela Carta Magna apresentam-se como preceitos éticos a serem assegurados a todas as pessoas, sendo, de fato, critérios morais, ou seja, pautas de deliberação que devem ser levadas em conta na tomada de quaisquer decisões, políticas ou jurídicas, pelos detentores de poder e operadores jurídicos.

Como exemplos da intrínseca inserção da ética no âmbito do Direito Constitucional, pode ser citada a posição de destaque concedida ao princípio da dignidade da pessoa humana, cujo fundamento último é o fundamento moral. Também os direitos fundamentais se inserem numa ética transgeracional. Além desses, podem ser citados o estabelecimento de uma Ordem Social, o dever de probidade (consubstanciado na estipulação da improbidade administrativa como causa de suspensão dos direitos políticos), dentre outros.

Percebe-se, deste modo, que a Constituição Federal de 1988 contempla, nos mais diversos dispositivos, temas morais e éticos, o que se justifica pelo seu próprio processo de formulação, dado à época em que o país passava por um processo de redemocratização. Deste modo, a temática moral e ética inseridas na Carta Magna servem de arcabouço para a organização do futuro almejado na época, e ainda nos dias de hoje, idealizado num projeto de Nação que deve ser concretizado pelas condutas éticas dos governantes e dos governados – o que é preceito da democracia participativa.

Assim, é chegada à conclusão de que a separação radical entre Moral e Direito, postulada pelo positivismo jurídico, é completamente inadequada e esvaziaria o sentido ético da Constituição.

No que diz respeito à ética e o Direito Penal, fica evidente a incidência da moral sobre as normas jurídicas criminais. Além dos princípios norteadores serem coordenados com a moral e com a ética, quase a totalidade de crimes do ordenamento jurídico compreendem também faltas morais. Os valores que o Direito Penal busca tutelar são justamente aqueles fundamentais ao desenvolvimento sadio da coletividade – e o atentado contra tais valores constitui um atentado à moralidade, uma ruptura com os ideais éticos. Considerando tais campos, Miguel Reale disserta acerca da compreensão do direito mediante enfoque tríplice entre fato, valor e norma, teoria a partir da qual se ressalta que, diante de um fato disciplinado pelo direito, a norma deveria corresponder ao valor conferido pela comunidade a esse fato, e que eventuais mutações no modo como a sociedade encara os fatos pode implicar modificações legislativas em relação ao tema, tal qual já ocorreu com os crimes de adultério e sedução.

O Direito Civil também segue o modelo de subordinação à ética, especialmente após o Código Civil de 2002, que tem como um dos principais fundamentos a eticidade, fundada na possibilidade de flexibilizar soluções, permitindo ao intérprete introduzir preceitos éticos e morais atualizados em seu campo de atuação.

Observa-se também a incidência de princípios éticos implícitos no Direito Processual. Desta maneira, o comportamento ético e a probidade no processo são pressupostos básicos das partes, operadores jurídicos e representantes do Estado-juiz, seja no processo civil, processo penal ou processo administrativo. A nova concepção do justo concreto, segundo a qual o processo é instrumento para a realização do justo e não um fim em sim mesmo, também leva ao aprimoramento da justiça.

A ética, ainda, relaciona-se com o Direito Tributário, principalmente no atinente às imposições da carga tributária, sabidamente elevada, ao dever ético de fiscalizar a Administração Pública, para tentar pedir dispêndios imorais do Erário – demonstrando que a lei tributária se compromete com a moral.

Tal comprometimento, da mesma forma, atinge o Direito Ambiental. Contudo, neste campo de incidência, verifica-se que, embora a carga ética que permeie as políticas ambientais seja de enorme relevância e repercussão social, para a presente e as futuras gerações, o gravame ético das infrações ambientais chega a ser meramente simbólico, tendo em vista os valores irrisórios das multas, normalmente aplicadas que, na maioria das vezes, sequer são cobradas aos infratores.

Assim como no direito positivo, a ética também reverbera na jurisprudência, de modo que a reiteração das decisões judiciais, bem como a constituição de Súmulas, sedimenta a moralidade humana enquanto fundamento de decisões judiciais, especialmente quando o direito é interpretado como positivação dos postulados éticos. Critica-se, neste ponto, contudo, a ausência de análise do conteúdo ético do que é decidido pelos tribunais, no cenário jurídico brasileiro, inexistindo estudos relacionados à motivação ética e política das decisões.

Por fim, reflete-se acerca da relação entre ética e a justiça do futuro, já que o país passa por um processo de jurisdicionalização das demandas, devido à crença de que a justiça serve para dar eficiência à resolução de conflitos. Entretanto, não é este o caminho para tornar a justiça eficiente. Na realidade, o alívio dar-se-ia através da busca de outros métodos e maneiras para prevenir e resolver os conflitos, devolvendo ao cidadão a autonomia de dialogar.