David Costa ALves e Ecio Fonseca Costa[2]

Hélio Bittencourt[3]

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a lei da terceirização; analisando a terceirização no ambiente da Administração Pública Indireta. A terceirização ocorreu devido o surgimento e a expansão da globalização. Esse fenômeno transformou o contrato de trabalho que se instituiu pela relação empregado/empregador, modelo este que já estava concretizado em todo o mundo. Com esse modelo trilateral designado pela terceirização permitiu-se inúmeros avanços na economia e no modo de produção das empresas, facilitando seus serviços e barateando seus custos de produção. No entanto, ao trabalhar para a empresa que presta serviços, o empregado terceirizado preenche todos os requisitos necessários para a caracterização da relação de emprego necessitando de uma tutela jurídica mais especializada para aplicação nessa relação de emprego. Contudo, no Brasil não há uma lei especifica que regulamente tal atividade, senão, algumas leis e enunciados esparsos do Tribunal Superior do Trabalho, surgindo nesses últimos anos o Projeto de Lei 4330/04 (lei da terceirização) que visa reger essas relações de maneira bem específica.  Nesse diapasão, o objetivo do paper é demonstrar como se estabelecerá a relação entre as empresas estatais e a terceirização com a aprovação da Lei 4330/04 pelo Congresso Nacional.

Palavras-chave: Terceirização. Empresas estatais. Relação de emprego. Norma regulamentadora.

1 INTRODUÇÃO                                                                                  

Este trabalho visa esclarecer alguns pontos importantes acerca da terceirização na Administração Pública Indireta, realizando uma análise sobre o projeto de lei nº 4330/04. Contudo, se faz necessário entendermos o surgimento desse processo no Brasil e sua interferência nas relações trabalhistas. Antes de adentrarmos mais especificamente na análise da terceirização nas empresas estatais.

A terceirização aparece no Brasil por volta dos anos 50 como uma espécie de alternativa para as relações trabalhistas, realizando novos modelos de contrato de trabalho, não mais só uma relação entre o trabalhador e o empregador, mas uma relação, agora, trilateral, em que não só possuem duas figuras, mas vários indivíduos, como, também, outras formas de relações trabalhistas. Nesta nova forma, a figura do empregador transforma-se em um prestador de serviços, que contrata os trabalhadores, onde os mesmos estão ligados diretamente a esse prestador de serviços; no entanto, desenvolvem seu trabalho para um terceiro, denominado de tomador de serviços.

Há uma distinção, também, nessa relação contratual que é instituída entre as partes envolvidas, pelo que em relação ao trabalhador e a empresa prestadora de serviços temos um contrato trabalhista, ou seja, um contrato de vínculo empregatício. Já entre a prestadora de serviços e a entidade tomadora temos uma relação de um negócio jurídico estabelecido pelas regras do direito civil.

Este novo modelo, também, passou a ser aplicado pela Administração Pública, e mais especificamente pelas empresas estatais que, diante das suas especificidades, possuem um tratamento diferenciado, pois se regem por normas do direito público e pelas normas do direito privado. Neste ponto reside o tema central deste trabalho, no qual se verificará as implicações que tal lei poderá proporcionar a Administração Pública Indireta; pelo que o projeto dessa lei permite a contratação de terceirizadas em todas as atividades da empresa, desde atividade-meio até a atividade-fim, sendo que atualmente só é permitido pela súmula nº331 do Superior Tribunal do Trabalho a contratação de terceirizada em atividades-meio da empresa. Colocando em questão o instituto do concurso público que é uma norma estabelecida pela Constituição Federal.

 

2 Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista

 

                   As empresas estatais são parte da Administração Pública e seguem algumas diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal, a esse respeito Mazza (2014, p. 208) coloca da seguinte maneira: “dá-se o nome de empresas estatais às pessoas jurídicas de direito privado pertencentes à Administração Pública Indireta, a saber: empresas públicas e sociedades de economia mista”. Como são parte da Administração Pública, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, têm em comum algumas características estabelecidas para as entidades de direito público mesmo tendo a sua personalidade jurídica de direito privado.

O conceito de Empresa Pública está registrado no artigo 5º, II, do Decreto-Lei n. 200/67:

Empresas públicas são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criadas por lei para exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência, ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de quaisquer das formas admitidas em direito.

Já o conceito das Sociedades de Economia Mista está previsto no artigo 5º, III, do mesmo Decreto supracitado:

A entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou à entidade da Administração Indireta.

                   As empresas estatais têm várias características em comum, como por exemplo: sofrem controle dos Tribunais de Contas, do Poder Legislativo e do Judiciário; estão sujeitas a lei de licitação para contratar. No entanto, as empresas públicas e sociedades de economia mista quando desenvolvem atividade econômica não precisam licitar para a contratação de bens e serviços, desde que os tais estejam relacionados diretamente com suas atividades-fim, para que a competição com as empresas privadas do mesmo setor não seja prejudicada. Ocorre, ainda, a obrigatoriedade de realização de concurso público para a contratação de seus empregados os quais são regidos pelo regime celetista de emprego público.

                   Dentre outros, esse requisito é obrigatório, pois a aprovação prévia em concurso público, que vem a ser um certame seletivo de provas ou de provas e títulos (CF, art. 37, II), é indispensável para qualquer investidura em cargo ou emprego público, sem exceções, salvo as previstas na própria Constituição.

                   Há a diferença, ainda, no que tange a realização dos serviços, ou seja, se a empresa estatal é prestadora de serviços públicos estas são imunes a impostos; os bens são públicos, respondem objetivamente (sem comprovação de culpa) pelos prejuízos causados; o Estado é responsável subsidiário pela quitação da condenação indenizatória; estão sujeitas à impetração de mandado de segurança e sofrem uma influência maior dos princípios e normas do Direito Administrativo. Já as exploradoras de atividade econômica não têm imunidade tributária; seus bens são privados; respondem subjetivamente (com comprovação de culpa) pelos prejuízos causados; o Estado não é responsável por garantir o pagamento da indenização, não se sujeitam à impetração de mandado de segurança contra atos relacionados à sua atividade-fim e sofrem menor influência do Direito Administrativo. Estando, ainda, sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, não podendo gozar de privilégios fiscais que não sejam extensivos ao setor privado (art. 173, § 1.º, II, e § 2.º, CF) nem, tampouco, receber tratamento excepcional por parte da legislação comercial. (MOREIRA NETO, 2014, p.376).

 

3 Panorama da terceirização no Brasil

 

                   A terceirização transformou-se em uma inclinação mundial devido ao processo de globalização; começando na iniciativa privada e passando também a ser utilizada largamente pela Administração Pública. É uma ferramenta que possibilita redução de custos e uma maior especialização na prestação dos serviços ou fornecimento de bens, além de permitir que a tomadora de serviço se concentre em suas atividades principais (atividades-fim), tornando-se mais competitiva.

 

Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. (DELGADO, 2012, p.430).

 

                   O objetivo da terceirização é a diminuição dos custos, além da melhora quanto à qualidade do produto ou do serviço. Na busca por melhores resultados empresariais os trabalhadores estão perdendo a vinculação jurídica com as empresas tomadoras de serviço, principalmente pela intermediação que está ocorrendo com o aumento crescente das empresas prestadoras de serviço. Alguns especialistas denominam esse processo de “especialização flexível”, ou seja, aparecem empresas, com acentuado grau de especialização em determinado tipo de produção, mas com capacidade para atender a mudanças de pedidos de seus clientes.

A terceirização possui, ainda, alguns aspectos positivos como a modernização da administração empresarial, com a redução de custos, aumento da produtividade e com a criação de novos métodos de gerenciamento da atividade produtiva. Mas também possui alguns aspectos negativos como a redução dos direitos globais dos trabalhadores, tais como a promoção, salários, fixação na empresa e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos. Prosseguindo nos malefícios ocasionados pela terceirização em atividades-fim das empresas, Barros (2011, p.65) coloca que: “encontram-se a violação ao principio da isonomia, a impossibilidade de acesso ao quadro de carreira da empresa usuária dos serviços terceirizados, além do esfacelamento da categoria profissional”.

Por meio disso, com o passar dos anos, devido à falta de leis disciplinando o assunto, essa prática era constantemente reexaminada pela justiça do trabalho, pois várias empresas adotavam a terceirização de forma inapropriada (LORA, 2009, p.173). Surgindo, então, a necessidade de um entendimento único pelos tribunais, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado nº 256/1986, o qual foi revisado no ano de 1993 por meio do Enunciado nº 331. Tal enunciado, por força da Resolução nº 129/2005-TST, transformou-se na Súmula nº 331. Sendo esta Súmula a principal instrução normativa que disciplina a terceirização no Brasil.

Inicialmente, com a Súmula n. 256, com exceção das hipóteses de trabalho temporário e de serviço de vigilância (Leis ns. 6.019/1974 e 7.102/83), o TST entendia por ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, passando a reconhecer o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. A Súmula n. 256 foi revista pela Súmula n. 331 (Resolução n. 23/1993, DJ 21.12.93), sendo, posteriormente, cancelada pela Resolução n. 121/2003, DJ 21.11.2003.

                   Contudo, ainda, não existe uma norma geral regulamentando a terceirização no país, apenas algumas normas especiais e a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, Barros (2011, p.354) diz a respeito da súmula nº331 que:

 

Ateve-se, portanto, o Tribunal Superior do Trabalho aos objtivos da terceirização, que visa, do ponto de vista teórico, a maximizar a qualidade dos serviços e a diminuir os custos operacionais. Teoricamente, o objetivo da terceirização é diminuir os custos e melhorar a qualidade do produto ou do serviço.

 

                   Sabe-se, porém, que está em voga no Congresso Federal o Projeto de Lei que disciplinará a terceirização (PL 4330/04); Projeto este que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e já se encontra no Senado Federal. Sendo, portanto, uma proposta polêmica, que ainda deve gerar muita discussão. Pois, dentre vários questionamentos há, também, uma série de dúvidas em relação às Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista.

                  É bem certo que a Administração Pública tem o dever de criar cargos ou empregos públicos inserindo-os em seu núcleo fundamental, os quais só podem ser exercidos por servidores públicos devido à sua relevância para o interesse público. E para isso, a Constituição Federal já estabeleceu no artigo 37, inciso II:

 

A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

 

                   Porém, há outras atividades que não coincidem com o núcleo exclusivo e que, portanto, podem ser terceirizados, como é o caso das atividades-meio, desde que observados os princípios da economicidade e moralidade; Ramos (2001, p.134), ainda, ensina que a questão da terceirização pode burlar o concurso público o que, na verdade, não é um assunto simples, pois envolve alguns aspectos que precisam ser compreendidos.

                   Pode ocorrer, também, a contratação de trabalhadores de forma ilícita por meio de empresas interpostas o que é terminantemente vedado pelo direito trabalhista; estabelecendo, dessa forma, a súmula nº 331 do TST que “a contratação por empresa interposta continua sendo ilegal, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços, excetuada a hipótese de trabalho temporário”. O Tribunal Superior continuou, portanto, considerando inadmissível delegar tarefas canalizadas para a atividade-fim da empresa.

Diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, a contratação irregular (terceirização fraudulenta ou terceirização impossível) de trabalhador mediante empresa interposta não gera vínculo de emprego diretamente com a administração pública (art. 4º, parágrafo único; Súmula n. 331, II), isso porque a contratação de trabalhador sem concurso público pela administração pública direta e indireta é nula (art. 37, II, § 2º, CF).

                   Nesse panorama, no que tange a aprovação da nova lei, aparece à aprovação, pelo plenário da Câmara dos Deputados, de um destaque que exclui das novas regras de terceirização propostas pela PL 4330/04 as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista. Para alguns deputados esse destaque aprovado em plenário não proíbe que setores da Administração Indireta realizem terceirizações, mas impede que Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, que fazem parte da Administração Pública Indireta, façam a terceirização em todas as suas atividades, como previa o projeto.

                    No entanto, para parte dos deputados, a aprovação do destaque não impedirá que tal projeto se aplique a Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Pelo que, não é necessário ter, na lei, dispositivo que coloque expressamente que essas regras se aplicam a esses setores. Ao observar o artigo 173 da Constituição Federal, observamos que as empresas estatais que exploram atividade econômica estão sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas.

                   Assim, verifica-se que essa “lei da terceirização” é um regime jurídico que será aplicado às empresas privadas e, também, deverá ser colocado às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Esse destaque não terá qualquer incidência nos serviços terceirizados dessas empresas.

 

4 A terceirização nas empresas estatais

 

                   São inegáveis os avanços e as transformações que ocorrem no direito trabalhista no decorrer dos anos, pois a dinâmica do mercado de trabalho é contínua estabelecendo, dia após dia, novos processos e novos vínculos empregatícios. O processo desencadeado pela terceirização, ainda, é muito discutido, pois de um lado está os empresários buscando uma maior liberdade no setor e, do outro, os trabalhadores procurando garantir os seus direitos trabalhistas e entre ambos o Estado procurando estabelecer um equilíbrio nessa relação.

 

[...] É que se tem hoje, clara percepção de que o processo de terceirização tem produzido transformações inquestionáveis no mercado de trabalho e na ordem jurídica do país. Falta, contudo, ao mesmo tempo, a mesma clareza quanto à compreensão da exata dimensão e extensão dessas transformações. Faltam, principalmente, ao ramo justrabalhista e seus operadores os instrumentos analíticos necessários para suplantar a perplexidade e submeter o processo sociojurídico da terceirização às direções essenciais do Direito do Trabalho, de modo a não propiciar que ele se transforme na antítese dos princípios, institutos e regras que sempre foram marca civilizatória e distintiva desse ramo jurídico no contexto da cultura ocidental. (DELGADO, 2012, p. 437)

                  

                   As transformações estabelecidas pela terceirização são, até hoje, um problema muito grande a ser resolvido, pois as regras e normas que regem essas relações trabalhistas, ainda, são muito questionadas, principalmente pelos empresários; a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho vem regulando a terceirização, mas há uma necessidade enorme de leis que venham reger de forma mais abrangente a terceirização.

A redação da súmula 331 do TST veio esclarecer alguns pontos da antiga súmula 256, editada, também, pelo Tribunal Superior do Trabalho e ampliar as possibilidades de terceirização nas atividades-meio, expandindo as oportunidades para novos empresários se desenvolverem nesse setor.

Dessa forma, a súmula 331 rege a terceirização estabelecendo as regras a serem obedecidas, como podemos perceber abaixo.

 

Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.(Vade Mecum, 2013, p.1634).

 

Para alguns a definição jurídica dessa súmula 331, do TST, afastou-se da própria realidade produtiva. Assim, Souto Maior (2012, p.160) coloca que: “Em outras palavras, o Enunciado 331, do TST, sob o pretexto de regular o fenômeno da terceirização, acabou legalizando a mera intermediação de mão de obra que era considerada ilícita [...]”.

Neste sentido já entendeu o Tribunal Superior do Trabalho:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - NULIDADE DA CONTRATAÇÃO.

TERCEIRIZAÇÃO. Nem sempre é perceptível a distinção entre atividade-meio e atividade-fim da empresa, pelo que a licitude da terceirização dependerá sempre do exame de cada caso concreto. No caso em questão, o Regional assentou que a atividade desenvolvida pelo Reclamante não é caracterizada como atividade-fim da empresa, pelo que é possível a sua terceirização. [...] (4224900692002509 4224900-69.2002.5.09.0900, Relator: Carlos Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 26/11/2003, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 06/02/2004.) (JUSBRASIL, acesso em 09.08.2012, grifo nosso)

 

Diante dessa problemática fica clara a necessidade de uma lei mais abrangente e específica para reger essas práticas trabalhistas. O que podemos perceber que o projeto de lei da terceirização (PL 4330/04) é um ganho para o setor, pois vem delimitando essa prática e normatizando conceitos para um melhor entendimento da terceirização, com isso podemos destacar que tal projeto institui que:

 

Art. 2º Para os fins desta Lei consideram-se:

I - terceirização: a transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta Lei;

II - contratante: a pessoa jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados, específicos e relacionados a parcela de qualquer de suas atividades com empresa especializada na prestação dos serviços contratados, nos locais determinados no contrato ou em seus aditivos;

III - contratada: as associações, sociedades, fundações e empresas individuais que sejam especializadas e que prestem serviços determinados e específicos relacionados a parcela de qualquer atividade da contratante e que possuam qualificação técnica para a prestação do serviço contratado e capacidade econômica compatível com a sua execução.

§ lº Podem figurar como contratante, nos termos do inciso II do caput deste artigo, o produtor rural pessoa física e o profissional liberal no exercício de sua profissão.

§ 2º Não podem figurar como contratada, nos termos do inciso III do caput deste artigo:

I — a pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado da contratante;

II — a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade;

III — a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 12 (doze) meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

§ 3º A contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado, sendo permitido mais de um objeto quando este se referir a atividades que recaiam na mesma área de especialização.

§ 4º Deve constar expressamente do contrato social da contratada a atividade exercida, em conformidade com o art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

 

 No entanto, devemos analisar todos os dispositivos desse projeto, e mais especificamente em relação às empresas estatais, para não cairmos em um erro grosseiro e termos uma lei que, em vez de favorecer as relações, traga prejuízos, principalmente para os trabalhadores.

Para entendermos melhor esse projeto e a relação com as empresas estatais podemos descrever em relação ao emprego público, que este surgiu e vem sendo utilizado para diferenciar o regime pelo qual o funcionário será submetido se de um cargo ou de um emprego público, ou seja, quando o vínculo contratual for regido pela legislação trabalhista se estará diante de um emprego público, porém quando o vínculo for estatutário, o funcionário será ocupante de cargo público.

Assim, a contratação estabelecida na Constituição Federal, tanto para a Administração direta quanto para Administração indireta é realizada por meio de concurso público, conforme o artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Além das formas de contratação previstas na Constituição Federal, a Administração Pública também se utiliza, e com grande frequência, do instituto da terceirização, firmando contrato com empresa privada, a fim de que esta ceda seus funcionários para prestarem determinados serviços no âmbito da administração. Só que a terceirização na Administração, segundo Marçal Filho (2011, p. 794) “[...] envolve uma modalidade de execução indireta do objeto necessário visando à satisfação de necessidades administrativas”. Assim, segue o autor, “o Estado permanece como titular da atividade, ainda que o seu desempenho seja realizado por uma empresa privada”.

Nesse diapasão, está o Decreto-Lei nº 200 de 1967, que incentiva a terceirização de atividades da Administração Pública.

 

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

(...)

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

 

A terceirização no âmbito da Administração Pública segue os mesmos requisitos da realizada no setor privado, ou seja, para que tal contratação seja considerada lícita, deve ocorrer nas atividades-meio e inexistir relação de pessoalidade e subordinação para com o trabalhador da empresa prestadora.

            Dessa forma é constituída a terceirização na Administração Pública, onde, é resguardada tal prática somente nas atividades-meio da mesma; todavia, a redação da PL. 4330/04 que, no primeiro momento, incluía as empresas estatais integrantes da Administração Pública a contratar em todas as suas atividades (atividade-meio e atividade-fim) ferindo, nesse sentido, a norma constitucional e diferenciando totalmente do que atualmente é designado.

            Entretanto, no tocante as empresas estatais o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um destaque excluindo as mesmas de desenvolverem a terceirização em todas as suas atividades, ficando o projeto aprovado pela Câmara e enviado ao Senado Federal, dessa forma:

Art. 1º Esta Lei regula os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes.

§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se às empresas privadas.

§ 2º As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 3º Aplica-se subsidiariamente, no que couber, ao contrato de terceirização entre a contratante e a contratada o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (grifo nosso).

 

            Contudo, como bem sabemos, e já colocado acima nesse mesmo trabalho, as empresas estatais que desenvolvem atividades econômicas reger-se-ão pelas normas aplicadas às empresas privadas para que as normas aplicadas do direito público não inviabilizem a concorrência das empresas estatais, como, por exemplo, ocorre com a dispensa da licitação das empresas públicas e sociedades de economia mista de bens e serviços relacionados às suas atividades-fim, tanto é que, também, não gozam de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado, submetendo-se aos mesmos regimes jurídicos das empresas privadas atuantes na área.

Nesse sentido, O artigo 173, § 1º, da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998), determina a elaboração de um estatuto jurídico das empresas estatais; a ordem emanada para que legislador elaborasse um regime jurídico próprio para as supracitadas entidades, dispondo dentre outros assuntos sobre a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. E, também, para dispor a propósito de licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, visando flexibilidade na atuação das empresas estatais e, por conseguinte, maior competitividade no mercado.

Quiçá que tal projeto não seja uma porta que se abre para a extinção dos concursos públicos no âmbito da Administração Indireta e posteriormente chegue a atingir também, a Administração Direta e voltemos aos preenchimentos dos empregos e cargos públicos por meio de “apadrinhamentos” políticos os quais a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 extirpou do país, por meio dos concursos públicos, essas práticas daninhas.

5 CONCLUSÃO                           

A elaboração da lei da terceirização (PL 4330/04) é importantíssima para normatização desse vínculo empregatício, seguindo com isso o princípio da legalidade, a fim de se evitar inseguranças no mundo jurídico; deve, contudo, ser bem discutida, no intuito de se evitar discrepâncias no cenário fático em relação às ideias a que se prendeu o legislador quando da elaboração desse projeto de lei.

O presente trabalho, ao objetivar discutir a questão da terceirização nas empresas estatais, esclarece exatamente o que restou disposto no último capítulo desse trabalho, pois diante da descentralização que ocorre na Administração Pública, com a instituição da administração indireta por meio das empresas estatais, e as transformações trabalhistas que ocorreram nas últimas décadas criando o processo da terceirização nas relações trabalhistas houve essa imbricação por parte das empresas estatais contratando trabalhadores sem a observância do concurso público como rege a Constituição Federal; contudo tal fato ocorre pelo o entendimento de que as empresas estatais são regidas por normas instituídas as empresas privadas. Assim, mediante a súmula nº331 do Superior Tribunal do Trabalho houve o entendimento que as empresas estatais poderiam se utilizar da terceirização desde que não houvesse subordinação e fosse relacionada a atividades-meio das referidas empresas.

Com a aprovação do projeto 4330/04 em lei corre-se o risco de que seja, apenas, um pontapé para extinção dos concursos públicos, pelo que da mesma forma como ocorre com a terceirização nas atividades-meio das empresas estatais baseada nas normas das empresas privadas poderá ocorrer um prejuízo em relação a concorrência das empresas estatais defendendo as mesma a contratarem, também, por meio da terceirização em todas as áreas de sua atividade incluindo, com certeza, a atividade-fim. Sendo isso um prejuízo enorme nas oportunidades igualitárias de todos os brasileiros chegarem ao emprego púbico sem que isso ocorra por intermedições de padrinhos políticos.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em 25 de Setembro de 2015.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 4330/2004. Dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes. Disponível em: . Acesso em: 20 de agosto de 2015. Texto Original.

BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm>. Acesso em: 28 de Setembro de 2015.

BRASIL, Súmula 331 TST. Vade Mecum Compacto. 9 ed – São Paulo: Saraiva, 2013.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho - 11. ed. — São Paulo: LTr, 2012.

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Terceirização e responsabilidade do tomador dos serviços. Repertório IOB de jurisprudência: trabalhista e previdenciário, n.21, p.671-664, 1ª quinzena nov. 2009.

FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum: 2011.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: LTr, 2001

SOUTO MAIOR, Jorge Luis. Trabalho descentralizado. A terceirização sob uma perspectiva humanista. Disponível em: . Acesso em: 29 de Outubro de 2015.

[1] Artigo apresentado à disciplina de Direito Individual do Trabalho, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Alunos do 7º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.