DOCUMENTÁRIO “ALÉM DO CIDADÃO KANE”

ANÁLISE SOCIOLÓGICA

Daniel Pereira Lopes[1]

Certamente a sociedade brasileira vem sendo alvo de uma emissora vista internacionalmente como uma rede de televisão que manipula os telespectadores. As críticas à emissora fazem referência à extensão histórica de controvérsias nas relações desta rede com a sociedade do país. A rede, desde o seu surgimento, trabalha profundamente  com a consciência e age como reflexo para os indivíduos: possui uma capacidade sem paralelo de influenciar a cultura e a opinião pública. O documentário “Além do cidadão Kane” demonstra explicitamente essa relação que vem moldando um único meio de se pensar sobre o que é transmitido em seus programas, abordando temáticas perceptíveis que envolvem imprensa, o monopólio da informação, o poder e a manipulação, a ideologia, a indústria cultural e hegemonia.

A TV é encantadora. Seu mecanismo de transmissão de informações estabelece  uma relação de suposta intimidade com o telespectador, como se lesse seus pensamentos e atendesse aos seus desejos. Assim, povoa a imaginação de milhões de pessoas, reproduzindo valores simbólicos numa escala industrial, sem estímulo a qualquer tipo de reflexão. A programação exibida tem como objetivo principal “esvaziar” o senso crítico de quem assiste, deixando “mentes livres” e abertas  para que a publicidade estimule o fetiche da mercadoria, próprio do capitalismo.                        

A emissora globo busca parecer onisciente, onipotente e onipresente sobre a vida cotidiana dos cidadãos brasileiros, explorando as vaidades, curiosidades e emoções segundo perspectivas e desejos com base em interesses de algum grupo. A demonstração da realidade da nação é dada de modo a saciar curiosidades perversas e ate mórbidas, fazendo que os programas, muitas vezes, tirem suas matérias-primas do drama de indivíduos brasileiros que aparecem nas delegacias como suspeitos de pequenos crimes. Ali são entrevistados por intimidação. As câmeras invadem barracos e cortiços,  e gravam sem pedir licença a estupefação, o espanto diante de algo que não se espera, de famílias de baixíssima renda sem entender o que realmente está ocorrendo: um parente é suspeito de estupro, ou o vizinho acaba de ser preso por tráfico, ou o primo morreu no massacre de fim de semana no bar da esquina. A polícia chega atirando, a mídia chega filmando.

A principal polêmica histórica da emissora Globo  está articulada ao apoio dado à ditadura militar e a censura dos movimentos pró-democracia nos noticiários do canal. O regime militar, segundo os opostos à emissora de televisão, teria rendido benefícios ao grupo midiático da família Marinho, em especial para o canal de televisão que, em 1984, fez uma cobertura omissa das Diretas Já. A própria Globo reconheceu, pressionada pelas manifestações  de junho de 2013, em editorial lido no Jornal Nacional, 49 anos depois, que o apoio ao golpe militar de 1964 e ao regime subsequente foi um erro. 

O documentário propõe essa reflexão e aponta como a criação da emissora  Globo foi mais do que uma simples concessão pública, pois fazia parte do projeto de “modernização e integração nacional” da ditadura militar, contando, é claro, com o apoio de capital norte-americano.

De certa forma, se outras oligarquias apoiavam a ditadura, a emissora Globo era a ditadura, ou pelo menos, seu departamento de propaganda. O regime militar nunca precisou censurar a Rede Globo.

O controle da informação constante no Ato Institucional 5 pretendia simplesmente impor à toda imprensa a mesma linha político-ideológica da empresa de Marinho. Não por acaso, ainda hoje nos editoriais “jornalísticos” podemos ouvir os ecos da doutrina da “segurança nacional”, na qual as mobilizações dos trabalhadores são deslegitimadas e tratadas como ameaças ao bem-estar social e ao progresso.

No documentário destacam-se alguns momentos simbólicos da interferência da emissora Globo na vida política brasileira: a distorção na cobertura do movimento “Diretas Já”; a tentativa de falsificação do resultado das eleições fluminenses, conhecida como caso “Proconsult”; e a edição do debate final entre Lula e Collor no ano de 1989.

Essas manobras, típicas de golpes de Estado, são razões para a não renovação de qualquer concessão pública, mas, no Brasil, esta rede é considerada “sagrada” e continua recebendo volumosas verbas de publicidade estatal e generosos financiamentos do BNDES. Questiona-se, então,  se ainda o senso crítico tem sua autonomia e se a alienação deixa os brasileiros incapacitados de serem seres pensantes fora da doutrina imposta pela emissora. Por meio de tanta censura durante o regime militar, o que ainda há de oculto e que o país desconhece? São indagações sem retóricas enquanto o Brasil não se libertar da dominação da emissora Globo.



[1] Graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais – Unidade Barbacena. Instituto Superior de Educação Dona Itália Franco.

Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID.                                                                                    Monitor do Componente Curricular “Sociologia Clássica I: Karl Marx”, do curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado de Minas Gerais.                                                                                                                                                   Relações Públicas do C.A. (Centro Acadêmico) do Curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado de Minas Gerais.