Em grande medida, pode-se dizer que, em todo sistema político ditatorial, a Educação é a primeira dimensão social a ser atingida. No Brasil, não foi diferente. O Golpe de 1964, que derrubou o Presidente João Goulart (doravante Jango), deixou marcas profundas na Educação e abortou os projetos de desenvolvimento e de reforma, no âmbito educacional, pensados pelo então Presidente.

            O projeto político nacional-reformista de Jango incomodou alguns setores da elite brasileira, o que acabou contribuindo para o aumento da insatisfação com a sua forma de governar; por outro lado, incomodou até mesmo alguns grupos de extrema esquerda, por propor um projeto de nação com vista ao desenvolvimento do país, à redução das desigualdades sociais e às reformas de base por um caminho pacífico, e não de forma revolucionária. Grande parte do militarismo, conservador e positivista, também ficou insatisfeita com as ações políticas do Presidente gaúcho. Todos esses setores contribuíram, de forma direta ou indireta, para o enfraquecimento e posterior derrubada do governo de Jango.

            Dentre os planos de Jango para a Educação, destacam-se os seguintes (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994):

  • criação do CFE (Conselho Federal de Educação);
  • aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação), que tinha como meta a eliminação do analfabetismo;
  • criação da Comissão Nacional de Alfabetização e da Comissão de Cultura Popular;
  • criação do PNA (Plano Nacional de Alfabetização), que visava adotar em todo o país o sistema Paulo Freire.

            Com base nesses tópicos, nota-se que o governo Jango era um governo preocupado com a reforma da Educação e com a Cultura. “Jango, com suas reformas, fez o Brasil viver a sua utopia” (TENDLER, 1984).  Por outro lado, o Golpe representou o rompimento com todos esses planos e metas. A implantação do governo militar será um atraso para a Educação brasileira e marcá-la-á até a atualidade, como será tratado mais à frente.

            Nas escolas de Educação Básica, as disciplinas de História e de Geografia deixaram de existir enquanto disciplinas independentes, e sua junção passou a chamar-se Estudos Sociais. Na Universidade, igualmente, ambos os cursos acabaram, restando apenas o curso de Estudos Sociais.

            O governo da época distribuía também aos alunos um Caderno de Educação Moral e Cívica, completamente imbuído de ideologias disciplinadoras, alienantes, e até mesmo nacional-patrióticas – tangendo o ufanismo. Além disso, mecanismos de controle ainda mais impressionantes e aterradores eram utilizados: militares, à paisana ou não (e até mesmo munidos de fuzis), adentravam as salas de aula, sobretudo as do Ensino Básico, para conferirem se determinado professor não estava ensinando o que não convinha ao Estado - ideias consideradas “subversivas”[1].

            Outros fatores podem ser citados para mostrar como a ditadura militar incidiu negativamente na Educação. O governo militar implantou a Cruzada ABC (Cruzada de Ação Básica Cristã) e o Mobral (Movimento Brasileira de Alfabetização), como instrumentos de controle político das massas (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994). Nessa época, a Educação foi marcada pelas tendências pedagógicas liberais (Tradicional; Escola nova; e Tecnicismo), as quais refletiam a consciência sociopolítico-econômica do momento, aliada às ideias de avanço e progresso por meio do tecnicismo e da racionalização completa da sociedade. As três tendências pedagógicas liberais supracitadas serão brevemente explicadas abaixo.

            A Pedagogia Tradicional tem como característica uma concepção normativa de Didática, entendendo-a como princípios e regras que regulam o ensino.  O meio principal de ensino é a exposição oral, a atividade de ensinar é descontextualizada e centrada no professor, e a aprendizagem dá-se por repetição e práticas de memorização (LIBÂNEO, 1994).

            Por sua vez, a Pedagogia Renovada inclui várias correntes: progressivista (John Dewey); não diretiva (Carl Rogers); ativista-espiritualista (católica); culturalista; piagetiana; montessoriana; e surge como contraposição à Pedagogia Tradicional. Utilizando a corrente da Escola Nova – uma das principais – como exemplo, é possível afirmar que sua Didática é ativa. O aluno é visto como o sujeito de sua aprendizagem, considera-se que ele aprende melhor o que ele faz por si próprio. Daí a preocupação com criações de situações e condições propícias para a aprendizagem. O professor não é o centro da atividade escolar, ele apenas incentiva e orienta, buscando levar o aluno a pensar, a raciocinar de modo científico e a desenvolver sua reflexão e autonomia. Apesar disso, também se cobra a matéria decorada, como no ensino tradicional (idem, 1994).

            Por fim, o chamado Tecnicismo Educacional – que, apesar de ser considerado uma tendência pedagógica, inclui-se, em certo sentido, na Pedagogia Renovada – desenvolveu-se no Brasil no decênio de 1950. Inspira-se no behaviorismo e na abordagem sistêmica do ensino, e sua Didática é considerada instrumental. O professor é tido como um administrador e executor de um planejamento; o processo de ensino segue a seguinte sequência: objetivos > conteúdos > estratégias > avaliação (idem, 1994).

            Doravante, passa-se para as tendências de cunho progressista: a Pedagogia Liberal e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, que ganharam maior solidez e sistematização por volta do decênio de 1980.

            Ambas são teorias críticas da educação, isto é, sua proposta é a de uma educação escolar crítica, que esteja a serviço das transformações sociais e econômicas; mais precisamente, elas preocupam-se com a superação das desigualdades sociais historicamente agravadas pelo desenvolvimento da organização capitalista das sociedades (LIBÂNEO, 1994). A primeira não tem uma proposta explícita de Didática, a qual é mesmo recusada, por seus seguidores entenderem que toda didática tem um caráter tecnicista, instrumental e prescritivo; nela, a atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos, e o ensino, na realidade social; permite-se aos alunos a participação ativa e propõem-se a eles questões da realidade social e imediata, trabalhando com temas geradores. Já na segunda tendência, considera-se que apenas discussões acerca da problemática social cotidiana não são suficientes para um ensino de qualidade e justo, na medida em que é preciso que os alunos também tenham domínio crítico de todo o conteúdo, do conhecimento científico sistematizado, para que possam participar efetivamente enquanto povo nas lutas sociais; essa tendência atribui grande importância à Didática, por entender que o objetivo desta é a direção do processo de ensinar; por fim, é possível afirmar que a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos busca uma síntese da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova, buscando, por essa junção, superá-las (LIBÂNEO, 1994).

            É justamente entre as tendências pedagógicas progressistas que se pode falar em Gestão Democrática. A Direção Escolar passaria a ser Gestão Educacional se abandonasse o autoritarismo, o impedimento de participação ativa tanto dos alunos quanto de todos os funcionários na construção da identidade escolar – ou seja, a mentalidade autoritária e conservadora em si. Segundo Pinto (2014), se não houver Gestão Democrática e se não se permitir autonomia às unidades escolares, o sistema educacional jamais será capaz de atingir seu objetivo mais básico, que é o de oferecer às populações menos favorecidas social e financeiramente um ensino público minimamente de qualidade.

            Dadas as reflexões possibilitadas por este texto, é possível afirmar que o imaginário da ditadura militar e suas implicações ainda persistem fortemente no Brasil. E há várias razões para isso, as quais não poderão ser elucidadas aqui. Ainda há uma mentalidade conservadora no Brasil, com relação a qualquer atitude que se pretenda reformista. Brasil: República que resistiu por mais de cem anos à democracia (VILLA, 2014) e, hoje, ainda a ensaia. Além disso, e finalizando, pode-se invocar também certo conformismo de grande parte do sistema educacional brasileiro, que teme perder determinadas vantagens e prioridades, ou melhor, que teme a redução de seu poder.

REFERÊNCIAS:

LIBÂNEO, J. C. Tendências pedagógicas no Brasil e a Didática. In: ______. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. pp. 64-74.

PINTO, L. G. O. Sobre a necessidade de Gestão Democrática e Autonomia na Rede Pública Estadual de São Paulo. Revista do Projeto Pedagógico – UDEMO. 2014. pp. 6-9.

TENDLER, S. Jango. Direção de Sílvio Tendler. Rio de Janeiro: Caliban Produções Cinematográficas, 1984. 115 min. P&B. son.

VILLA, M. A. Golpe à brasileira. Jornal do Projeto Pedagógico – UDEMO. Março/abril 2014. p. 14.

XAVIER, M. E.; RIBEIRO, M. L.; NORONHA, O. M. A Defesa da Escola Pública. In: ______. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994. pp. 214-221.

______. A Militarização da Sociedade. In: ______. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994. pp. 224-231.



[1] Explicação concedida pela Prof.ª Dr.ª Rachel Duarte Abdala em cine-debate sobre o documentário Jango (1984), de Sílvio Tendler, exibido na Universidade de Taubaté (UNITAU-SP), no dia 10 de maio de 2014.