Da Cabala Mercana
A segunda parte da Cabala se diz Mercana, a quem Thomas Garçom e Rebulosa, pela semelhança que há entre a letra N e a letra V, chamam Mercava, e é aquela ciência que deu ao mundo mais que entender, e nos dará aqui quase toda a matéria deste tratado.
Foi entre seus amigos sequazes de tão alta reputação, que ainda em semelhante posto passou deles aos modernos, ao que atentando o referido Reuchlin no lugar citado, havendo dito que aos humanos era impossível louvar as operações da Cabala Beresiths, acrescenta: Quanto magis de Mercava ... Porque tiveram e veneraram eles esta ciência por uma teologia órfica e simbólica, a qual por alta contempsegundolação da divina e angélica virtude os instruía da prognosticação do futuro, sem que a seu parecer se desviassem da científica verdade.
Tinham por objeto os sagrados nomes de Deus, até o número décimo nesta maneira. O primeiro, Ensoph. O segundo, Hiels; e assim seguindo a ordem numerativamente: Emeth, El, Elohim, Eloha, Saboath, Elahe, Sadai, Adonay, aos quais respondem simbolicamente: Coroa, Sapiência, Prudência, Clemência, Severidade, Ornato, Triunfo, Lavor, Fundamento, Reino.
Estas são as dez enumerações (dizem eles) que nós os mortais concebemos de Deus, ou essenciais, ou pessoais, ou comuns, deduzidas dos dez nomes que demonstramos. De maneira que ao nome Ensoph, primeiro em ordem dos dez, ocorre simbolicamente Coroa, e o próprio que disseram os gregos Alpha e Ômega, princípio e fim; e daqui deduziam a sentença: Ensoph Corona Regni régias, mortes, vitórias, transmigrações de Impérios, ligas, bases, guerras e sucessos semelhantes que tudo deduziam do nome Ensoph. E pelos mais repartiram todos os humanos efeitos, segundo a intrínseca dignidade, que no tal nome consideravam; da qual dignidade, ou atributo (tinham para si), havia na voz humana procedido aquele tal nome. Como em Roma se chamou Scipião Africano por razão de haver triunfado da África; ou, também, porque da própria vocação de Deusse aprendesse o nome, com que queria ser invocado, como quando de si disse: Ergo sum Alpha, et Omega.
Igualmente se valia esta Cabala Mercana dos nomes dos Santos Anjos Michael, Gabriel, Rafael, Zadkiel, Raziel, Maethiel, Oriel, Peliel e outros de que a Sagrada Escritura faz menção; dos quais nomes também à imitação dos de Deus produzia suas enumerações em virtude da significação intrínseca que, segundo o rigor da palavra hebreia, neles consideravam.
Ajudava-se não menos em alguma maneira dos santos sinais, e se servia por modo interpretativo não só de nomes, mas de letras, números como iremos mostrando; ao que também se acrescentava a observação de caracteres, linhas, pontos e acentos. O que tudo se intui na virtude da figura de seu mistério.
E por que não pareça ridícula esta observação, é de saber que a língua hebreia foi tão frequente nestes segredos, qu e os não desprezaram, antes muito se valeram deles para a inteligência da Escritura Santa aqueles primeiros padres que no-la interpretaram. Porque a exposição notória, que em benefício e outros famosos intérpretes toda depende da observância daqueles símbolos e sinais que nos idiomas hebreus e gregos ainda achamos hoje, como é o Aprile, Gehenon, Dsaulos, Ecclisis, Zitima, Mellon, Xenion, Uranion, Gneuma, Tropos, Ypsilon, Ypogramenon, Caracter, Diplos, Segor, Pethach, Hauron, Antira, Anyranos, Astericus, Obelus, Metobelus, Cauranion, Agnostigmenon, Liminiscus, Subliniscus, Antigraphus, Antisima, Oryphia, Dypla, Peristigme, Silicus, Nechudot, que todos na translação e interpretação do divino texto fazem considerabilíssimo mistério, recebido, usado e inculcado pelos santos e padres da Igreja.