Crise dentro de um grupo Kabbalista

     Enquanto o grupo atravessa o estágio da consolidação, começa a estabelecer um filme Yesod, ou Fundação, que é completamente separado de seus membros. As pessoas podem ir e vir, e, na verdade, o grupo pode perder a maioria de seus membros fundadores e ainda assim manter e desenvolver uma entidade distinta. Isso, em geral, se relaciona à maneira de trabalhar do tutor, pois não existe nenhuma forma clássica para um grupo kabbalístico, exceto na essência. O elemento humano deve sempre deixar a sua marca, determinada pelo caráter e pelo gabarito do tutor, e pelos que são atraídos àquele método de operação. Quando o grupo atingir sua primeira “plataforma” de maturidade, encontrará, então, uma certa estabilidade. Nesse estágio, determinadas maneiras de fazer as coisas serão executadas como rotina, e as pessoas se alinharão e se relacionarão de acordo com o nível e com a inclinação pessoal de cada um. A situação se parece com a de uma família numerosa, com o tutor no comando. É inevitável, porque todas as atividades humanas coletivas refletem esse padrão, seja em casa, no clube ou no trabalho. Assim, existem os próximos ao líder, os da camada intermediária e aqueles abaixo e distantes de contato íntimo com o que se passa no topo do que principia a ser uma organização. Não quer dizer que os elementos da liderança os eliminem, mas que os níveis menos comprometidos e menos adiantados em geral não se dão conta dos acontecimentos mais sutis que têm lugar no grupo, exceto por boatos quase sempre muito atrasados e distorcidos.

     O que foi descrito começa agora a mostrar as características de uma situação familiar maior, com todos os seus lados negativos e positivos; intrigas, lealdades, opiniões e ambições. Para a maioria do círculo externo do grupo, a maneira pela qual as coisas são feitas é, provavelmente, bastante satisfatória, porque nunca tiveram antes a experiência de estar em um trabalho esotérico. Tudo é novo, e qualquer dúvida é vista como desobediência, mesmo que o tutor tenha recomendado que se tentasse tudo antes de aceitar alguma coisa. Para essas pessoas, a maravilha e o privilégio de pertencerem a semelhante grupo anula qualquer crítica que possam ter de sua organização, do comportamento dos estudantes mais adiantados ou do tutor. Essa é uma tábua de salvação para muitos dos recém-chegados, e questioná-la seria negar a ajuda recebida.

     O nível médio da congregação, o que normalmente constitui a maioria do grupo, está, em geral, satisfeito em executar todas as obrigações e operações do grupo, pouco discordando. Para eles, as reuniões regulares e exercícios cíclicos proporcionam uma profunda estabilidade e o sentido de pertencer a alguma coisa que valha a pena. Podem questionar um detalhe aqui e ali, mas seria para compreender por que isso ou aquilo é feito. Nunca sonhariam em dividir o grupo por qualquer problema, porque o grupo é o seu apoio, e prejudicá-lo seria destruir o que valorizaram, em muitos casos, mais que tudo em suas vidas. Podem escutar as pessoas falando uma das outras, mesmo que a regra seja nunca falar negativamente sobre alguém a menos que a regra seja nunca falar negativamente sobre alguém a menos que diante delas, e poderiam até mesmo ouvir comentários ou críticas sobre o tutor, mas eles nunca seriam desleais. Na verdade, defenderiam a honra do tutor como se fosse a própria. Contudo, semelhante lealdade pode criar tanto um sentido de segurança como as sementes da destruição, porque pode aprisionar o grupo em uma cidadela psicológica, o que, eventualmente, provocará resistência e, então, rebelião contra sua autoridade por várias razões.

     Do mesmo modo que a estrutura familiar, o grupo também começará a exibir a dinâmica de uma instituição com seus pequenos hábitos, rotinas e funções. Isso é inevitável, mas não se deve permitir que se torne excessivo. Certas pessoas, por exemplo, sempre se oferecerão para escrever as anotações sobre as reuniões e, assim, se tornam os escribas, enquanto outras exigirão o que imaginam ser privilégios específicos incluídos na preparação da sala da reunião ou mesmo por serem apenas encarregados da limpeza. Alguns indivíduos se identificam com suas tarefas oficiais, como ser o tesoureiro do grupo, enquanto outros, de natureza mais sutil, cultivam a amizade dos membros mais antigos do grupo por outros motivos além dos esotéricos. Essas motivações podem ser para obter acesso ao que eles pensam ser o círculo interno do grupo, ou apenas considerações profissionais ou sociais. Todoss esses, e muitos outros problemaaas, devem ser observados, examinados e eliminados, de preferência pelas próprias pessoas. Contudo, dentro dessa situação tão humana, com seus complexos relacionamentos e impulsos, há sempre indivíduos que nunca estão em paz. Tais pessoas são, muitas vezes, reconhecíveis, porque tendem a vagar de grupo em grupo buscando uma solução para seus problemas, mas nunca conquistam alguém de um grupo que se submeta à sua direção, embora tenham consciência disso mais que os outros.

     Pessoas dessa espécie são encontradas em qualquer organização, seja de trabalho, diversão, ou de busca espiritual. São ambiciosas por poder, embora falem sempre do bem comum. Em grupos esotéricos, a abordagem pode estar disfarçada, mas a motivação é bastante perceptível ao olho experiente. Tais indivíduos são, quase sempre, altamente inteligentes, e planejarão e aguardarão até verem uma oportunidade de assumir o grupo. Às vezes isto é feito de forma bem legítima, quando são excelentes participantes, e nesse caso obtêm muito respeito e, com freqüência, amadurecem na psique e no espírito de liderança de forma honesta com a sua preocupação com o poder. SE não o fazem, então é fato sabido niniciarem uma rebelião silenciosa, questionando, em conversas particulares com outros membros, a maneira pelo qual o grupo é dirigido. A princípio não atacarão diretamente o tutor, mas buscarão levar ao descrédito os que estão próximos da cadeira, dizendo serem eles cúmplices, e usando todos os erros das pessoas para colocar em dúvida a sua credibilidade. Algumas vezes, tais acusações são justas e necessita-se de correções, mas não são transmitidas ao tutor, a quem deveria ser comunicada qualquer transgressão importante. Isso se passou quando, por exemplo, um membro mais adiantado ficou superentusiasmado por uma turma que praticava um ritual, e se tornou um tirano sargento de regimento. Incidentes e outras coisas como essa, se não forem cortadas, destruirão a confiança coletiva. Possíveis usurpadores encaminharão todas as situações nessa direção, pois esperam, como todos os revolucionários, com isso provocar um caos, onde constituirão o seu próprio tipo de ordem. É essa a sua fantasia, consciente ou inconciente.

     Tal conceito extraordinário não está destituído de precedentes. Mais de um grupo foi destruído em seu interior, por discórdia provocada internamente. O caso mais clássico foi o dos Karaitas, no século VIII, uma seita dissidente que rejeitou a Lei Talmúdica e se recusou aceitar a autoridade dos rabinos. O motivo verdadeiro, contudo, foi uma luta interna de poder na qual seu líder, havendo perdido a posição que pensava ser sua por direito, criou uma seita recusatória sobre a qual governava. Um exemplo mais recente foi a questão que dividiu uma escola esotérica entre os que desejavam caminhar sobre os passos do antigo mestre e os que queriam mudar o sistema e seguir outro caminho. Tais crises não irrompem da noite para o dia, mas são o resultado de muitos meses, ou mesmo anos, de uma secreta divergência, na qual alguém, ou uma função, deseja se apossar de uma organização já existente.

     Talvez a situação mais difícil seja quando o estudante-estrela mais próximo ao tutor é aquele que está no centro da rebelião. Isso pode acontecer quando a pessoa vê que nunca será mais que um participante e não terá permissão para dirigir o grupo de acordo com a sua compreensão. É muito duro ser um substituto, em especial quando se escuta problemas que nunca chegam aos ouvidos do tutor, ou assim se pensa, ignorando o fato de que ele próprio não transmite a informação, a fim de isolar o tutor e aumentar o seu próprio poder. Embora semelhante prática possa parecer horrenda quando o elemento luciférico em todos nós testa nossa integridade, é surpreendente o que uma pessoa pode se induzir a acreditar quando pensa estar agindo para o bem de todos. Um bom número de estudantes-estrela caem nessa tentação e, ao contrário do que acreditam, sua manobra é quase sempre observada de perto pelo tutor, que já passou pelo mesmo teste. Pode parecer estranho, mas o processo de engano e de auto-engano não será alterado, pois o tutor não deve interferir, exceto nos primeiros estágios, com alusões ao conceito do livre-arbítrio, mas proporcionar ao estudante muitas oportunidades de enxergar e colocar um ponto final no que está fazendo, de preferência por sua própria vontade.

     Se, contudo, a situação se tornar crítica, isto é, começar a afetar adversamente o grupo como um todo, o tutor deve agir. Isso pode se dar através de numerosas conversas particulares com outros membros mais adiantados do grupo, que com bastante tato poderiam advertir o estudante da rota de colisão, evitando assim a perda do prestígio; ou poderia ser um confronto pessoal, no qual o tutor apresenta a situação e a maneira pela qual o estudante-estrela está prejudicando o grupo e desacreditando o Trabalho. Na maioria dos casos, a pessoa, ao compreender o que aconteceu, busca corrigir a situação, mas, ocasionalmente, o réu pode não se arrepender e falar o que pensa sobre a maneira como vê o grupo. O tutor, nessa situação, deve responder que teria sido melhor para o estudante ter falado antes sobre o seu descontentamento. Se o estudante ainda mantiver essa posição e acrecentar, como é muitas vezes o caso, que existem outros que concordam com a sua crítica, o tutor, então, não tem outra opção senão recomendar que o estudante forme o seu próprio grupo e trabalhe independentemente. Essa solução é, de fato, um convite formal para todos os que não desejam continuar no presente grupo partirem sem nenhum sentimento ruim. Alguns poderiam aproveitar a oportunidade de estabelecer outro grupo, o que pode ou não dar certo, de acordo com a realidade de sua causa. Se for apenas opinião, fantasia, ou a busca de novidades que os faz romper com o grupo, então a semente de sua intenção não frutificará. Se for uma preocupação verdadeira, então poderá florescer.

     A solução ideal para o estudante-estrela é compreender que é hora de trabalhar por conta própria. Isso deve ser reconhecido pelo tutor que, se for verdadeiro, encorajará e abençoará o tutor em perspectiva, enviando-lhe candidatos adequados para ajudar a formar a base de um novo grupo. Se criar raiz, então, isso pode ser o começo de uma Escola de Kabbalah, enquanto o processo se inicia outra vez, com um tutor recém-iniciado instruído para propagar aquela Linha.

     Eis aqui outro nível do Trabalho, quando o Ensinamento e treinamento se expandem em grupos relacionados, o que cria um determinado estilo de operação. Esse mesmo estilo será reconhecido por outras escolas, e no mundo inteiro, através da sua reputação.