ESTUDO DE CASO

CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA[1]

José Muniz Neto[2]

 

 

 

  1. 1.      DESCRIÇÃO DO CASO

O município de Panaquatira foi assolado por inundações no ano de 2013, motivo pelo qual foi decretado estado de calamidade pública. Várias famílias foram desabrigadas e por conta disto tiveram que ser alojadas no ginásio esportivo da cidade, bem como em alojamentos construídos pela prefeitura.

Decorrido tempo considerável desde tais acontecimentos, muitas famílias ainda continuam abrigadas em alojamentos, sem ter condição de retornar às suas casas. Da mesma forma, diversos povoados também se encontram isolados em decorrência do desabamento de pontes e encostas situadas em vias que os interligavam, ocasionando a suspensão das aulas e dos danos estruturais proporcionados pelas inundações às escolas.

Todavia ainda se encontre famílias nessas situações, a prefeitura pactuou contrato com a banda “Aviões do Forró” para a realização de show em comemoração ao aniversário da cidade, no valor de R$ 180.000,00.

Mediante tais fatos, ingressou o Ministério Público com Ação Civil Pública visando a anulação deste contrato, alegando que se trata de despesa supérflua e irrelevante quando comparada à urgência na regularização da situação dos afetados pelas inundações. Ademais, afirma que esta conduta da prefeitura viola os princípios da administração pública.

Em contrapartida, sustenta o Município que a contratação da banda é despesa prevista na Lei Orçamentária Anual, a qual foi votada e aprovada pela Câmara dos Vereadores, além de que se tratara de decisão política, motivo pelo qual não haveria razão para a intervenção judicial já que não houve violação a nenhum dispositivo legal.

  1. 2.      IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1.  Descrição das decisões possíveis:

  1. a.      Declarar a invalidade do contrato.
  2. b.      Declarar a validade do contrato.

2.2  Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão.

  1. a.      Declarar a invalidade do contrato:

A administração pública apresenta a função precípua de atuar diretamente na garantia dos interesses de seus administrados, o povo. Neste viés, destaca Alexandre Mazza[3] três atividades a serem desempenhadas pelo ente público: o exercício do poder de polícia, o qual se traduz realizado pelo Estado na liberdade e propriedade privada do indivíduo em detrimento do interesse da coletividade; a prestação de serviços públicos e também a realização de atividades de fomento, traduzida pelos incentivos no desenvolvimento econômico e social da sociedade.

Com base nesses parâmetros de atuação foram instituídos princípios norteadores do Direito Administrativo, os quais, no presente caso, são de relevância inegável para a resolução do litígio. Primeiramente, podemos destacar o princípio da supremacia do interesse público, pelo qual se entende, como já destacado anteriormente, que prevalecerá o interesse coletivo sobre o interesse privado. Ressalta Fábio Bellote Gomes[4] que “a expressão interesse público, na sua amplitude, abriga tanto os direitos coletivos, enquanto próprios de determinadas coletividades de administrados, como também os difusos [...]”. Neste sentido, se pode inferir que os atos realizados pela administração pública seriam dotados de legalidade e legitimidade, visto a presunção de atuação deste ente em detrimento do interesse público.

O que se vislumbra no litígio ora analisado é o completo descompasso entre a administração do Município de Panaquatira e a realidade dos moradores ali domiciliados. Uma vez ocorridas as inundações e constatada a omissão da administração do município em tentar sanar ou minimizar os danos ocasionados às famílias desabrigadas, flagrante é a afronta ao princípio da supremacia do interesse público quando direcionado altos valores das receitas públicas para a contratação de serviços de entretenimento para a população. Cumpre destacar também a relevância das atividades culturais para o desenvolvimento intelectual dos administrados e nesse raciocínio poderíamos perceber também a aplicação do princípio da supremacia do interesse público, entretanto, conforme bem nos ensina Fábio Bellote Gomes[5] “a supremacia do interesse público, no entanto, não significa que a Administração Pública possa sobrepor-se abusivamente aos direitos dos administrados [...]”.

Nesta mesma vertente destaca-se o princípio da razoabilidade, segundo o qual o administrador público deve agir de maneira que não exceda ultrapasse os fins a que foi destinado. É importante frisar que este princípio apresenta como desdobramento o princípio da proporcionalidade, impondo este ao administrador que atue de maneira proporcional no alcance de seus fins[6]. No presente estudo de caso também se percebe a violação destes princípios, uma vez que inexistindo receitas públicas disponíveis para serem utilizadas em situações de urgência, não se demonstra razoável e proporcional a aplicação de verbas para a contratação de uma banda, quando se constata que famílias ainda continuam desabrigadas e crianças e jovens não têm como ir às escolas por conta da interrupção das estradas.

Além destes princípios também se constata a violação de outros como o princípio da moralidade, em conjunto com o da legalidade; o princípio da finalidade e também o da motivação. O princípio da moralidade nos ensina que os agentes públicos devem agir não somente em conformidade com a lei, mas também de acordo com os padrões morais e éticos incrustrados da sociedade. Já o princípio da legalidade, em complemento ao princípio anterior, aduz que as condutas dos agentes públicos devem estar autorizadas em lei, sendo os atos não previstos em lei, ilegais. Por sua vez, em decorrência do princípio da finalidade sustenta-se que tais atos devem visar sempre o alcance do interesse público. Por fim, o princípio da motivação, previsto no art. 50 da Lei nº. 9.784/99, o qual dispõe que “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”.

Como visto, a atitude adotada pelo Município de Panaquatira viola uma série de princípios norteadores do Direito Administrativo. Além destes princípios, podemos destacar a violação ao dever de agir instituído à Administração Pública. Conforme sustenta Leonardo Bento[7], o dever de agir é aferido quando da constatação de sua necessidade ou oportunidade para exercer suas competências, situação na qual esta deve ser aplicada ex officio, e também quando vislumbrada a omissão do agente público, situação em que se decorrer danos aos administrados deverá ser responsabilizado o Estado.

Cabe ressaltar a possibilidade de controle judicial dos atos administrativos. Nas palavras de Edgard Marcelo Rocha Torres[8], quando se tratar de atividade vinculada este controle ocorrerá sem limitações, podendo o Poder Judiciário analisar a legalidade do ato e declarar ou não sua nulidade, entretanto, nos atos discricionários, por apresentarem abertura nas decisões do administrador, o poder judiciário deverá analisar as condutas respeitando os limites de atuação concedidos pela norma, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes.

Portanto, conforme demonstrado anteriormente, a conduta do agente responsável pela administração do Município de Panaquatira fere os mais variados princípios do Direito Administrativo, bem como a própria Constituição Federal, a qual garante à população um mínimo existencial para uma vida honrosa, e os próprios deveres estabelecidos à Administração Pública, cabendo nestes vieses o controle judicial do ato administrativo.

  1. b.      Declarar a validade do contrato:

Como foi visto na decisão anterior, a Administração Pública tem o dever de agir quando da constatada sua competência para tanto. Além de deveres, este ente também detém poderes, sendo os mais relevantes para o caso em estudo os poderes vinculado e discricionário.

O poder vinculado expressa-se através da ligação entre o ato do administrador e sua autorização expressa pela lei, sendo patente seu caráter de rigidez. Como afirma Leonardo Bento[9], “o agente público está inteiramente preso ao regramento legal, não possuindo margem de apreciação subjetiva para definir a conveniência, a oportunidade e conteúdo do ato”. Por sua vez, o poder discricionário confere ao agente a possibilidade de, com base na conveniência e oportunidade, decidir qual a melhor opção para o interesse público. Sustenta Alexandre Mazza[10] que o legislador, nesses casos de poder discricionário, preferiu definir não uma única conduta a ser praticada pelo administrador, mas um conjunto de opções a serem escolhidas por este com base nas nuances do caso concreto.

Mediante tais características da Administração Pública, no caso ora estudado percebe-se que o Ordenamento Jurídico nacional ao estabelecer a necessidade de definição do orçamento anual a ser utilizado pelo Ente Federativo, acaba vinculando o Administrador ao que foi previsto e aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA), na qual foi estipulado o gasto do Município de Panaquatira com a contratação da banda. Assim, não estaria autorizado ao Administrador desviar as receitas pré-estabelecidas na LOA, uma vez que esta se encontra vinculada a uma despesa específica.

Além disso, não caberia uma análise judicial do ato ora estudado em virtude do princípio da separação dos poderes. Está previsto no art. 2º da Constituição Federal (CRFB), o qual aduz que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Em decorrência desta independência entre os poderes previstos na CRFB, a intervenção do poder judiciário nos atos administrativos consistiria em flagrante inconstitucionalidade. Assim, instaurar processo judicial visando anular o contrato firmado pelo município e a banda apresenta também esta inconstitucionalidade, vista a inexistência de uma das condições de ação, qual seja a possibilidade jurídica do pedido, conceituada por Scarpinella[11] de maneira que o pedido formulado na pretensão do autor, ou suas razões, não pode ser vedado pelo Ordenamento Jurídico.

Portanto, não há no que se falar em legalidade na intervenção do poder judiciário nos atos administrativos, visto a incompatibilidade deste controle com o estabelecido na CRFB, com base no princípio da separação dos poderes. Ademais, os gastos com a contratação da banda foram previstos e aprovados na LOA, não podendo ser desviados com base na vinculação das receitas e despesas do Ente Público.

  1. 3.                  Descrição dos Critérios e Valores Contidos em cada Decisão Possível.
    1. a.      Responsabilização apenas dos Sócios.

- Teoria da Responsabilidade Subjetiva; Má-fé dos empresários; Desconsideração da Personalidade Jurídica; Responsabilidade em concurso, de acordo com o art. 179 da Lei de Falência.

  1. b.      Responsabilização conjunta dos Sócios e da Pessoa Jurídica.

- Teoria da Responsabilidade Subjetiva; Responsabilização da Pessoa Jurídica por crime ambiental; Precedente constitucional para responsabilização.

 

  1. c.       Não responsabilização de nenhum ente por crime falimentar.

- Inexistência de elementar normativa do crime de fraude contra credores; Recurso (agravo de instrumento) contra decisão declaratória de falência; Perda de objeto do crime falimentar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, José Francelino de. Comentários à lei de falências e recuperação de empresas / José Francelino de Araújo . – São Paulo : Saraiva, 2009. (ebook)

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei 10.406 de 10/01/2002. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 05/10/1998. Brasília: Diário Oficial da União, 1998.

BRASIL. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Lei 11.101 de 09/02/2005. Brasília: Diário Oficial da União, 2005.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº92.921–4, 1ª Turma, BA, 19 de agosto de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador .jsp?docTP=AC&docID=550495>. Acesso em: 11 de setembro de 2013.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº564.960 – SC, 5ª Turma, SC, 01 de junho de 2006. Disponível em: <http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STJ/IT/RESP_564960_SC_02.06.2005.pdf?Signature=FkUKfRUonM%2B2D4AwN81zKXKK8lQ%3D&Expires=1379080582&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf >. Acesso em: 11 de setembro de 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. – 14. ed. - São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook)

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas / Fábio Ulhoa Coelho. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. (ebook)

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. v. 3. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. (ebook)

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial : direito de empresa / Fábio Ulhoa Coelho. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook)

MENEGON, Filipe. Aspectos objetivos e procedimentais dos crimes falimentares conforme a nova lei de falências e recuperação de empresas.  2007. Disponível em: < http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Filipe_Menegon.pdf>. Acesso em: 11 de setembro de 2013.

PEREIRA, Marcelo Aguiar. Fraude contra credores e fraude à execução. ¿. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B39050F8B-D6BC-4870-8ABF-FEB4DCA94866%7D _1.pdf>. Acesso em: 11 de setembro de 2013.

PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006.

WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa, v. 8 / Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes, Alexandre de Mendonça Wald. – São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook)



[1] Case referente à disciplina de Direito Administrativo I do curso de Direito, UNDB.

[2] Aluno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, curso de Direito, 7º semestre noturno.

[3] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 120-121. (ebook)

[4] GOMES, Fábio Bellote. Elementos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.140-141. (ebook)

[5] Ob cit. P. 149.

[6] COSTA, Elisson Pereira da. Direito Administrativo. Coleção OAB Nacional: Segunda fase. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 79-80 (ebook)

[7] BENTO, Leonardo. Apostila de Direito Administrativo. v. 01. São Luís. p. 40.

[8] TORRES, Edgard Marcelo Rocha. O controle dos atos administrativos pelos tribunais diante da nova dimensão dos conceitos de discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. 2010.

[9] P. 42.

[10] P.505

[11]BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 607. (ebook).