Gleriston Albano Cardoso Alves.

Resumo

A previdência social é uma das mais importantes políticas públicas dentro de um Estado Democrático de Direito que se propõe a assegurar o bem estar de seus cidadãos nas situações de desamparo que a vida humana pode propiciar. Assim, o Estado institui contribuições obrigatórias, de natureza tributária, para todos os que exercem atividade remunerada, com o fito de amparar estes próprios contribuintes quando tais contingências ocorrerem. O Estado, com o objetivo de aumentar a cobertura social, criou a figura do segurado facultativo, cuja contribuição é voluntária. Faz-se necessário investigar se tal contribuição se encaixa como tributo como a dos demais segurados da previdência social, cujo resultado trará repercussões diversas conforme o produto da investigação. Assim, coteja-se a figura do segurado facultativo e de sua contribuição à luz de uma comparação com os demais segurados obrigatórios do sistema previdenciário oficial bem como com o regramento geral dos tributos disposto no Código Tributário Nacional. A conclusão não pode ter sido outra que não a constatação de que a exação da figura do segurado facultativo não possui a natureza tributária da de suas figuras previdenciárias congêneres.

1 INTRODUÇÃO

O Estado, enquanto entidade político-jurídica, “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (DALLARI, 1998, p. 44), embora algumas vezes atue na ordem econômica através de entidades de direito privado como empresas públicas e sociedades de economia mista de onde obtém lucro, não produz riquezas para o custeio das políticas públicas de sua responsabilidade para assegurar os direitos fundamentais mínimos para seus cidadãos.

Com isso, o Estado retira tais recursos da sociedade para custear suas atividades lançando mão do seu principal instrumento de captação de dinheiro: os tributos. Instituídos e cobrados de forma que os administrados não possuem liberalidade em seu pagamento, os tributos são a fonte mais segura e importante para que o Estado possa assegurar os serviços públicos que dele se espera.

Justamente por essa premente necessidade de custeio de determinadas politicas públicas, o legislador constituinte criou a figura das contribuições, cujo destino da arrecadação é específico para determinadas áreas como instrumento necessário para seu financiamento.

O presente trabalho tem por escopo investigar um objeto específico dentro do campo das referidas contribuições especiais: a contribuição do segurado facultativo da Previdência Social.

Sobre o tema, de forma surpreendente, encontramos lugar ermo na doutrina e jurisprudência pátrias, somente ecoando a voz solitária de Hugo Góes na doutrina que aduz “[...] no caso específico da contribuição do segurado facultativo, entendo que a natureza jurídica não é tributária, e sim de seguro público facultativo. No tocante às demais contribuições sociais, não há dúvida: a natureza jurídica é tributária.”. Na jurisprudência, encontramos uma manifestação no TRF da 4° Região:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO. LC Nº 118/2005. SEGURADO FACULTATIVO. APOSENTADORIA RETROATIVA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. [...] Se o INSS tivesse reconhecido o direito à aposentadoria ao tempo do pedido administrativo, o autor não teria motivo para filiar-se à Previdência, na qualidade de segurado facultativo, depois da cessação do desempenho de atividade de sujeição obrigatória ao Regime Geral. Aos recolhimentos feitos no período de filiação como segurado facultativo, unicamente com o intuito de impedir a perda da condição de segurado e de submeter-se a novo período de carência, falta a compulsoriedade, característica essencial dos tributos. Impõe-se a restituição dos valores indevidamente recolhidos, nos termos do art. 89, caput e parágrafo 4º, da Lei n° 8.212/1991. [...] (AC nº 2004.04.01.052210-9/RS, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Vilson Darós, D.E. de 08.10.2008). (grifo nosso)

Investigar-se-á se esta possui a mesma natureza jurídica das contribuições dos demais segurados da Previdência Social, definindo primeiro qual a natureza jurídica das contribuições previdenciárias de um modo geral e tecendo-se considerações sobre as relações existentes entre o cidadão-contribuinte e o Estado-prestador.

Confrontar-se-á características e elementos da figura do segurado facultativo e das condições em que contribui para o Regime Geral de Previdência Social, traçando paralelos acerca de critério material, formação do crédito, prazo decadencial para contribuições em atraso, dentre outras, as quais nos conduzirão, de forma inevitável, à constatação de que essa exação não possui natureza tributária.

2 NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Esculpida dentro do Título VIII da Constituição Federal de 1988 (CF/88), chamado de “Da Ordem Social”, a Previdência Social é instituição que visa assegurar àqueles que a ela sejam filiadas prestações de natureza pecuniária, desde que comprovadas determinadas contingências sociais da vida humana, expressamente determinadas no Texto Magno, mediante a participação, como regra, dos filiados no custeio do sistema, sem prejuízo da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial deste.

Contudo, conforme assevera Bulos (2012), nem sempre o espírito do sistema foi este e somente com a Emenda Constitucional (EC) n°20/98 o constituinte passou a ter preocupação com as contas da previdência social, inserindo a necessidade de preservação do equilíbrio do sistema com a equalização do fluxo de receitas e despesas e consequente sobrevivência do sistema.

Para o custeio do referido sistema, o art. 149 da CF/88 estabelece que a União possui competência para o estabelecimento das contribuições sociais como instrumento para sua atuação nas suas respectivas áreas. Para o financiamento da seguridade social, com a sua subdivisão determinada pela Carta Maior em saúde, assistência social e previdência social, o art. 195 da CF/88 impõe imperatividade ao custeio do sistema pelo Estado e pela sociedade como um todo, sem prejuízo de elencar situações em que sujeitos individualmente considerados terão tal obrigação.

Considerando justamente o caráter compulsório da exação, instituída por lei e cobrada pelo ente público arrecadador com a finalidade de custear a Seguridade Social, ainda que não relacionada dentre as espécies tributárias do art. 145 da CF/88 e no art. 5° do Código Tributário Nacional (CTN), Castro e Lazzari (2011)asseveram que a contribuição previdenciária tem natureza tributária, sem prejuízo de apontar que esta, embora não disposta no art. 145 da CF/88, está no art. 149 do Texto Magno, dentro do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”. Tal posição, é chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1992, com o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n° 146.733-9/SP, em célebre voto do Ministro Moreira Alves, cuja passagem transcrevemos:

EMENTA: [...] De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. [...] (STF, RE 146.733-9/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, j. 29/06/1992, DJ 06/11/1992. (grifos nossos).

2 RELAÇÃO JURÍDICA DE CUSTEIO X RELAÇÃO JURÍDICA DE PRESTAÇÃO

 O sistema de previdência social brasileiro é caracterizado por ser de natureza contributiva e filiação obrigatória para todos aqueles que exercem atividade remunerada dentro do sistema econômico-social através do qual estes, regularmente vinculados ao regime de previdência, poderão gozar dos benefícios do plano quando do acontecimento das contingências sociais por ele cobertas.

Conforme explanado acima, temos na primeira hipótese o que chamamos de relação jurídica de custeio, a qual, no escólio de Castro e Lazzari (2011), financia a Seguridade Social brasileira como um todo através das contribuições vertidas por seus segurados com destinação específica para o Orçamento da Seguridade Social. Não é demais lembrar que o art. 165 da CF/88 estabelece que a lei orçamentária anual deverá prever em seu bojo três contas específicas para repartição dos recursos: o orçamento fiscal, o orçamento  da seguridade social e o orçamento de investimento das empresas da União.

Se não bastasse a vinculação das receitas das contribuições sociais para uma conta específica dentro da Lei Orçamentária Anual, qual seja o orçamento da seguridade social, para execução desses recursos exclusivamente dentro do âmbito das políticas públicas de seguridade social, a Carta Magna prevê, em seu art. 167, XI, outra vinculação ainda mais específica de aplicação dos recursos provenientes das contribuições sociais incidentes sobre os salários e remunerações a qualquer título pagas a pessoas que prestem serviços a empresas, bem como daquelas incidentes sobre a folha de salários das referidas entidades, para o pagamento dos benefícios previstos na legislação previdenciária, vedando quaisquer outros destinos, o que demonstra ainda mais o laço existente entre a relação de custeio, especificamente quanto às diretamente relacionadas aos potenciais beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, e a sua correspondente contraprestação pelo Estado.

Não obstante a necessidade do custeio para que possa haver a respectiva contraprestação estatal quando da ocorrência do fato gerador do benefício, os segurados da previdência social, por determinado lapso temporal estabelecido pela Lei n° 8.213/1991, mesmo deixando de contribuir, farão jus aos benefícios assegurados por sua condição de filiação, desde que o fato gerador se dê dentro do referido prazo, conhecido como prazo de manutenção da qualidade de segurado.

Se por um lado tem-se a situação acima em que mesmo não estando em dia com a exação tributária há prestação pelo Estado, por outro temos contribuintes que sujeitos ao poder de império do Estado em cobrar as contribuições para o custeio da seguridade social, mas que desta não se beneficiarão, pelo menos de forma direta. Para estes há relação de custeio sem correspondente contraprestação, em homenagem ao princípio da solidariedade social não esculpido de forma expressa no Texto Magno, mas cuja presença e vivacidade vemos nitidamente difundido dentro do sistema constitucional brasileiro. Como exemplos, cita-se a contribuição patronal sobre a folha de salários da empresa, a qual conforme precitado custeará exclusivamente o pagamento dos benefícios do plano, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), estas últimas para o financiamento de toda a seguridade social.

3 DEFINIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA

Sendo a relação jurídica de custeio da seguridade social eminentemente tributária, socorremo-nos ao conceito do CTN para afirmar que o sujeito passivo desta relação é a pessoa obrigada legalmente ao pagamento de contribuição ou de penalidade em decorrência do descumprimento desta.

Abalizado pela definição da legislação tributária geral, a Lei n° 8.212/1991, que dispõe sobre o custeio da seguridade social, estabelece dois grandes grupos de sujeitos passivos: os segurados da previdência social e os empregadores.

Empregadores, para a legislação previdenciária, buscando satisfazer o princípio da solidariedade social, é conceito larguíssimo que abrange tanto empresas privadas como entidades da administração pública e pessoas físicas que remunerem, a qualquer título, pessoas físicas pela prestação de serviços a estes.

Segurados, por sua vez, são todas as pessoas que exercem atividade remunerada dentro da ordem econômica, seja por conta própria ou por conta de outrem, desde que não vinculados a outro regime previdenciário de natureza obrigatória, como o regime próprio de previdência dos servidores públicos, cujos entes públicos tenha instituído tal regime, ou os funcionários de organismos internacionais em, exercício no país, cujos empregadores possuam um fundo previdenciário próprio.

 A legislação previdenciária, conforme a forma de realização do critério material da hipótese de incidência tributária, subdividiu os segurados em seis classificações: empregados, trabalhadores avulsos, empregados domésticos, contribuintes individuais, segurados especiais e facultativos.

As três primeiras classes precitadas têm como principal característica a tributação por substituição. Estes não fazem diretamente o recolhimento de suas contribuições previdenciárias, mas têm elas retidas por suas fontes pagadoras, ficando estas responsáveis pelo recolhimento da contribuição daqueles junto das suas respectivas exações patronais.

Já os contribuintes individuais, classe subsidiária pois todo aquele que exerce atividade remunerada e não se enquadra nas delimitações legais das outras classes nesta será enquadrado, deverão recolher aos cofres da Previdência Social suas respectivas contribuições por conta própria. Abre-se parêntese para os contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas e entidades a esta equiparadas pela legislação previdenciária que, desde 1° de Abril de 2003, data da publicação da Lei n°10.666/2003, terão a sua contribuição em relação a remuneração auferida nesta relação descontada e recolhida pela fonte pagadora.

Quanto às duas classes restantes, a relação jurídica existente não seguirá o modelo até aqui exposto para as quatro classes anteriores. Por política legislativa  e de inclusão social, a legislação estabelece uma isenção condicionada para os segurados especiais, assim entendidos como as pessoas físicas residentes em imóvel rural ou urbano que labutem nas atividades agropastoris, pesqueiras ou afins, desde que em regime de economia familiar ou individualmente, de forma que a atividade tenha por fito a subsistência do indivíduo e seu grupo familiar em condição de mútua assistência e dependência e sem constituir elemento de empresa, que comprovem o exercício de atividade rural para que tenham acesso à prestações de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.

Caso estes queiram obter benefícios de valor acima desse piso, ou logrem aposentar-se por tempo de contribuição, sem necessitar chegar a uma idade mínima, deverão verter contribuições ao sistema, obviamente de forma facultativa, já que não há imposição de contribuição obrigatória para estes filiados, o que cria uma figura híbrida de conformação sui generis no sistema por ser filiado obrigatório ao sistema, mas de participação no custeio facultativa.

Por último temos a figura do segurado facultativo, figura criada pelo legislador para atender ao princípio da universalidade do atendimento erigido no art. 194, I, da CF/88. O conceito de segurado facultativo é de natureza residual. Somente poderá ser segurado facultativo aquele que não for obrigatoriamente filiado ao Regime Geral de Previdência Social, conforme art. 14 da Lei n° 8.212, bem como não seja vinculado a regime próprio de previdência social, nos termos do art. 201, § 5°, da CF/88.

Pela própria essência da figura do segurado facultativo, que não possui filiação ao Regime Geral de Previdência Social de forma impositiva pela legislação, acreditamos que sua participação para o custeio com o fito de se resguardar de contingências sociais não possui natureza tributária.

4 NATUREZA JURÍDICA NÃO-TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO DO                                       SEGURADO FACULTATIVO

A definição de tributo vem de forma perfeitamente estatuída pelo art. 3° do CTN como “[...] toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”.

Por sua vez, todos os segurados obrigatórios da previdência social deverão contribuir para o custeio do sistema mediante alíquotas incidentes sobre seu salário de contribuição, como consequência do seu exercício de atividade remunerada, possuindo como marco inicial da sua relação jurídica com a Previdência Social, data de início da filiação, a data de início da atividade ou do pagamento da primeira contribuição em dia, conforme o caso, independentemente do efetivo recolhimento para aqueles que não tem a obrigação de recolher diretamente e sem prejuízo da cobrança do Fisco em relação àqueles que detém obrigação de recolhe por conta própria e não o fazem. A filiação, portanto, é obrigatória para todos estes independentemente de sua vontade de se filiar ao sistema, por determinação legal, daí se cumprindo o caráter compulsório da exação.

Tal situação simplesmente não se verifica com quem é segurado facultativo. Nas brilhantes palavras de Castro e Lazzari (2011, p. 197):

Considera-se a filiação, na qualidade de segurado facultativo, um ato volitivo, gerador de efeito somente a partir da inscrição e do primeiro recolhimento, não podendo retroagir e não permitindo o pagamento de contribuições relativas a competências anteriores à data de inscrição.

Como admitir a uma exação natureza tributária sem que esta possua possivelmente o principal contorno de um tributo, qual seja o seu caráter compulsório? Acerca da força imperativa dos tributos, não podemos prescindir do magistério do mestre Paulo de Barros Carvalho (2011):

Na sua linguagem técnica, misto de linguagem comum e de linguagem científica, reporta-se o legislador a uma conduta que ele regula com o dever-ser próprio do direito, numa de suas três modalidades — obrigatório. Não é precisamente essa a forma adotada no dispositivo, mas é o conteúdo. Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias (que receberiam o influxo de outro modal — o “permitido”). Por decorrência, independem da vontade do sujeito passivo, que deve efetivá-la, ainda que contra seu interesse. Concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento obrigatório de uma prestação pecuniária. (grifo nosso)

Seguindo os ensinamentos do insigne Professor, a contribuição como segurado facultativo nada mais é do que uma faculdade dada àquelas pessoas não abrangidas pelos sistemas de previdência de filiação obrigatória que queiram se valer do sistema de proteção contra contingências sociais oficial, avalizado pelo Estado. O conceito de prestação voluntária e tributo, definitivamente, não se coadunam.

4.1 Substrato fático da exação voluntária

Enquanto a filiação dos segurados obrigatórios da previdência social se dá com a realização do critério material da hipótese de incidência tributária, exercício de atividade laboral remunerada a título de verba alimentar, para os segurados facultativos a conduta no mundo fenomênico que o vinculará ao Regime Geral de Previdência Social será a sua inscrição voluntária, mediante cadastramento junto ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), operacionalizado pelo INSS, via Número de Identificação do Trabalhador (NIT), no Regime Geral de Previdência Social, conforme art. 11, § 3°, do Decreto n° 3.048/1999.

Ora, o simples ato de inscrição em um cadastro não denota nenhuma efetiva alteração no mundo fenomênico do qual se possa auferir algum caráter patrimonial a justificar uma cobrança compulsória caso este não se cadastre, como no caso dos segurados obrigatórios, mas, no entanto, no caso do segurado facultativo da previdência social, é condição necessária e suficiente para que este possa contribuir com o Regime Geral de Previdência Social.

Admitir natureza tributária à contribuição do segurado facultativo, seria dizer que um tributo teria sua existência material condicionada não a um fato econômico do contribuinte, independentemente de sua vontade, mas ao alvedrio do contribuinte que assim o quisesse, o que não nos parece se amoldar ao próprio conceito de tributação como ato de império do Poder Público.

4.2 Formação do crédito a pagar

Para os segurados obrigatórios da Previdência Social, a base de cálculo da contribuição será, de forma singela, a remuneração auferida dentro do período de apuração do tributo, no caso das contribuições previdenciárias o mês civil, sobre a qual incidirá alíquotas conforme a forma de filiação e o montante da base de cálculo, conceito conhecido como salário de contribuição.

Dessa forma, existe um critério específico para a delimitação da base de cálculo, facilmente apurável quando de uma fiscalização para verificação da regularidade das exações tributárias. As contribuições previdenciárias são modalidade de tributo sujeito a lançamento por homologação, portanto o sujeito passivo primeiro efetua o recolhimento do tributo no montante que acredita correto para que depois a Administração Tributária aprecie a obrigação realizada.

Situação distinta acontece com o segurado facultativo. A Lei n° 8.212/1991 estabelece que para o segurado facultativo o salário de contribuição será o valor por ele declarado, nos termos do art. 28, IV, da lei supra. Aqui está mais uma das situações em que devemos tomar cuidado com a literalidade das palavras.

Diferentemente do que acontece com as empresas, que possuem a obrigação acessória de informar via Guia de Recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social (GFIP) quem são os sujeitos passivos, sua forma de filiação e os valores de remuneração e contribuição previdenciária das pessoas que naquele mês receberam, daquelas, remuneração a qualquer titulo, o segurado facultativo não precisa informar mediante nenhum tipo de declaração ao Fisco o montante que pretende recolher. A “declaração” a que a lei alude nada mais é do que o próprio pagamento da contribuição calculada sobre o valor que o segurado voluntariamente deseja contribuir.

O próprio segurado facultativo, assim, constitui o crédito que almeja pagar, conforme suas possibilidades e anseios com os valores dos benefícios que deseja obter quando alguma contingência social dentro da cobertura do plano se realizar.

Não se vislumbra como o Fisco poderia de alguma forma contestar o valor da contribuição do segurado facultativo, como pode ocorrer com qualquer tributo submetido a lançamento por homologação, já que o valor de contribuição é estipulado unilateralmente pelo segurado, dentro de parâmetros que são de seu foro íntimo. De que forma poderia o Fisco efetuar uma Notificação de Lançamento (NL) ou lavrar um Auto de Infração (AI) sem uma forma objetiva de apuração do crédito em que se amparar?

Os mais desavisados poderiam apontar que seria possível a realização do lançamento quando o segurado facultativo efetua-se recolhimentos sobre valor inferior ao salário-mínimo, fora das hipóteses em que a legislação previdenciária admite,  já que a lei estabelece tal parâmetro como o mínimo sobre o qual está autorizado a contribuir o segurado facultativo.

Contudo, não se poderia admitir tal situação já que se estaria coagindo ao pagamento de uma exação pessoas que estão em situação de vulnerabilidade ainda maior que os segurados obrigatórios, já que não exercem atividade remunerada, geralmente contribuindo com a ajuda de terceiros, e que passaram a contribuir de forma volitiva, desvirtuando o espírito da criação da figura, que é a inclusão de pessoas nos sistema de previdência oficial, e consequentemente, causando a evasão das pessoas do sistema. Em tal situação, o segurado facultativo não poderá contar com aquela competência paga a menor para qualquer fim até que complemente para pelo menos o valor mínimo ou, querendo, poderá  optar por ter restituído o valor recolhido a menor.

4.3 Prazo para adimplir contribuição do facultativo em atraso X prazo decadencial do  CTN

A Lei n° 8.212/1991, em seu texto original, previa em seus artigos 45 e 46 um prazo decadencial de dez anos para o pagamento das contribuições previdenciárias. Contudo, tais artigos foram declarados pelo STF inconstitucionais por intermédio da Súmula Vinculante n° 8, passando tal prazo decadencial a ser regulado pela regra de decadência tributária prevista art. 173 do CTN.

Tal prazo vale tanto para o Fisco constituir o crédito não pago ou pago a menor como para o pagamento espontâneo das contribuições pelos sujeitos passivos. Assim, os créditos tributários das contribuições sociais das empresas e dos segurados obrigatórios, se não pagos no vencimento, poderão ser pagos voluntariamente, sem atuação do Fisco, dentro deste lapso temporal com os respectivos acréscimos legais.

Sem embargo do exposto, a legislação previdenciária estabelece prazo diverso e muito inferior para que o segurado facultativo possa efetuar contribuições em atraso. O art. 11, § 4°, do Decreto 3.048/1999 estabelece que o segurado facultativo somente poderá efetuar pagamento de contribuição em atraso dentro do prazo de sua manutenção da qualidade de segurado.

O prazo de manutenção da qualidade de segurado, conceito que já expomos previamente, do segurado facultativo é em regra de seis meses, podendo ser dilatado para até doze meses, na hipótese de cessação de benefício por incapacidade que este estivesse gozando. Portanto, somente dentro desses prazos, o segurado facultativo poderá adimplir período contributivo em atraso.

Com tal tratamento, fica clara a intenção do legislador ordinário de diferenciar a natureza da exação do segurado facultativo dos demais segurados obrigatórios da previdência social e, por conseguinte, dos demais tributos em espécie. Raciocínio diverso deste, conduziria a ter que aplicar às contribuições dos segurados facultativos o mesmo prazo de prescrição quinquenal do Código Tributário Nacional.

4.4 Possibilidade de ajuizamento de execução fiscal

A execução fiscal é o “processo de execução por quantia certa, fundado em título executivo extrajudicial de constituição unilateral, a Certidão de Dívida Ativa (CDA), através do qual se busca a prestação da tutela jurisdicional executiva.”

Conforme precitado, não se vislumbra como o Fisco poderia constituir unilateralmente o crédito referente à contribuição previdenciária dos segurados facultativos, quando a determinação legal é justamente que tal exação é determinada pelo próprio segurado a seu alvedrio, conforme seu foro íntimo.

Se o Fisco não tem parâmetros para constituir o crédito tributário e, portanto, manejar seus instrumentos administrativos para a cobrança, como a NL e o AI, sem olvidar da própria natureza volitiva da contribuição, por óbvio, não poderá em juízo coagir o segurado a efetuar o pagamento das exações destes segurados. Trata-se de aplicação por negação de um famigerado brocardo jurídico: “Quem não pode o menos, não pode o mais”. Se não há como se exigir a cobrança administrativa, muito menos se poderá a judicial.

4.5 Possibilidade de restituição

A Instrução Normativa RFB n° 1.300/2012 disciplina normas acerca de restituição, compensação, ressarcimento e reembolso dos tributos e demais exações no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

O referido ato normativo, com base no art. 165, I, e art. 168, I, do CTN, estabelece que os tributos pagos indevidamente, parcial ou totalmente, poderão ser restituídos a quem solicitar no prazo de cinco anos contados da data da extinção do crédito tributário, v.g. a data do recolhimento. Tal prazo se aplica à restituição das contribuições previdenciárias do segurado facultativo?

Definitivamente não deve se aplicar. Negada a natureza tributária desta exação, não se pode impor aos segurados facultativos a possibilidade de restituição dos valores somente nos últimos cinco anos. Contudo, embora não se deva limitar a possibilidade de restituição a esse prazo, deve-se impor uma condição resolutória para o direito a restituição da contribuição do segurado facultativo.

Deve-se permitir a restituição das exações efetuadas pelo segurado facultativo a qualquer tempo, desde que essas não tenham sido utilizadas no cálculo do salário de benefício de qualquer prestação previdenciária que o segurado facultativo tenha pleiteado e sido concedida.

 Trata-se de analogia com a previsão esculpida na Lei n° 8.213/1991, em seu art. 96, III, para a contagem recíproca do tempo de contribuição entre regimes previdenciários diferentes, regra que se aproxima do instituto da portabilidade existente nos planos de previdência privada.

5 CONCLUSÃO

A importância de se determinar a natureza jurídica não-tributária da contribuição do segurado facultativo se faz imperativa para assegurar as garantias e direitos destes que tiveram a faculdade de se filiar ao regime de previdência oficial, como efetiva materialização do princípio constitucional da seguridade social de universalidade do atendimento.

Observamos que o legislador estabeleceu critérios específicos para a delimitação da relação jurídica do segurado facultativo, diferentes dos estabelecidos para os demais segurados da previdência social, bem como observamos, talvez, o maior argumento que se pode observar para não enquadrar a contribuição objeto deste trabalho científico como tributo: o caráter voluntário da exação.

Destarte, podemos perceber com o raciocínio demonstrado nesse trabalho, que não de pode cogitar de enquadrar a contribuição do segurado facultativo como de natureza tributária.

Referências

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CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito tributário. ed.24. São Paulo: Saraiva, 2011.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 1998.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p.44.

Góes, Hugo. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: Ferreira, 2011, pág. 152.

BULOS, Uadi Lammego.  Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva,  2012, p. 1561-1562.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 236-237.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 153-158.

CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito tributário. ed.24. São Paulo: Saraiva,  2011.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014,  p. 225.