CONTO: A Vida que a Vida me Tirou
Publicado em 08 de outubro de 2019 por David Lutango
O médico olhou-me nos olhos e disse que minha filha partirá a qualquer momento deste mundo; eu não sei se chorava ou se gritava contra o silêncio que teimava no consultório.
— Quanto tempo? — Perguntei já sem forças.
— Muito pouco. — Disse o médico olhando-me nos olhos.
A mãe dela decidira nos abandonar e fora para outro país quando minha filha tinha acabado de nascer; a vida obrigou-me a cuidar sozinho de uma criança que se apresentava ao mundo.
Lembro-me que na última tarde, meus olhos latejavam amor entre as esquinas dos cílios quando eu a observava; ela mirava-me com seus olhos de criança e exibia seus últimos sorrisos.
Parecia que os brinquedos em suas mãos se encantavam com sua presença; pois ela roubava a beleza das coisas naturais e demonstrava amor no olhar; um amor que nem o mais santo dos homens poderia explicar.
Faziam alguns dias que ela acabava de completar 7 anos de vida; eu perguntava-me como alguém tão doce poderia simplesmente desaparecer muito cedo; se eu pudesse, aceitaria perder a existência no lugar dela.
As lágrimas eram inevitáveis naquele momento; ela olhou-me e veio correndo até mim, perguntando:
— Pai, o que foi pai?
Ouviam-se apenas as falácias das ondas do mar; a praia, como sempre, preferiu esvaziar-se dos seres que respiram.
Eu sempre escolhia aquela praia para estar sozinho com ela, longe da agitação do mundo; assim poderia contemplar de perto a luzência que desabrocha nos seus olhos sem a distracção do caos da cidade.
Ela insistia em querer saber o motivo das gotas que molhavam-me os cantos dos olhos; seu semblante preocupado a deixavam mais bela ainda; a vontade de dizer o que o médico revelara mordia-me a consciência e fazia-se acompanhar de uma angústia nunca antes experimentada; “mas como contar para uma criança que ela irá morrer?” — Perguntei a mim mesmo.
Entreguei-me ao vento das árvores e os meus lábios encontraram o sorriso.
— Não é nada meu amor — Respondi.
Ela limpava-me as lágrimas com a manga da sua camisola quando levantei, botei-a sobre os meus ombros e comecei a correr gritando.
Corria em direcção ao mar; ela acompanhou meus gritos e começou a gritar de felicidade como se não existisse amanhã; e não existiu mesmo.
A alegria em seu rosto enchiam-me de uma alegria tomada pela melancolia; tive o privilégio de ser pai de uma filha que a vida decidiu apagar madrugadamente.
Meu pai, que há muito tempo se foi deste mundo, dizia que a vida não se repete e que devemos viver com muito cuidado; ele me preparou para enfrentar todos os medos que surgissem; mas esqueceu-se de me ensinar a enfrentar a morte da minha própria filha.
Naquela tarde divertimo-nos como folhas divertindo-se no Outono; o mar nos acompanhou até ao fim; o vento bafejava em nosso favor, as ondas do mar apregoavam suas canções e o sol suavizava suas faíscas.
No fim da tarde, minhas nádegas encontravam as pedras que a natureza esculpira; minha filha dormia sobre o meu colo; sua respiração cantarolava no meu peito enquanto eu apreciava o mar.
Seus braços frágeis deslizaram do meu pescoço; as lágrimas caíam dos meus olhos como mil oceanos em erupção.
Todo meu mundo tombara naquele instante; a vida perdera o sabor; minha filha partira sem dizer adeus;
… e seus olhos calaram-se para sempre.
Autor: David Lutango
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