O médico olhou-me nos olhos e disse que minha filha partirá a qualquer momento deste mundo; eu não sei se chorava ou se gritava contra o silêncio que teimava no consultório.

   — Quanto tempo? — Perguntei já sem forças.

   — Muito pouco. — Disse o médico olhando-me nos olhos.

   A mãe dela decidira nos abandonar e fora para outro país quando minha filha tinha acabado de nascer; a vida obrigou-me a cuidar sozinho de uma criança que se apresentava ao mundo.

   Lembro-me que na última tarde, meus olhos latejavam amor entre as esquinas dos cílios quando eu a observava; ela mirava-me com seus olhos de criança e exibia seus últimos sorrisos.

   Parecia que os brinquedos em suas mãos se encantavam com sua presença; pois ela roubava a beleza das coisas naturais e demonstrava amor no olhar; um amor que nem o mais santo dos homens poderia explicar.

   Faziam alguns dias que ela acabava de completar 7 anos de vida; eu perguntava-me como alguém tão doce poderia simplesmente desaparecer muito cedo; se eu pudesse, aceitaria perder a existência no lugar dela.

   As lágrimas eram inevitáveis naquele momento; ela olhou-me e veio correndo até mim, perguntando:

   — Pai, o que foi pai?

   Ouviam-se apenas as falácias das ondas do mar; a praia, como sempre, preferiu esvaziar-se dos seres que respiram.

   Eu sempre escolhia aquela praia para estar sozinho com ela, longe da agitação do mundo; assim poderia contemplar de perto a luzência que desabrocha nos seus olhos sem a distracção do caos da cidade.

   Ela insistia em querer saber o motivo das gotas que molhavam-me os cantos dos olhos; seu semblante preocupado a deixavam mais bela ainda; a vontade de dizer o que o médico revelara mordia-me a consciência e fazia-se acompanhar de uma angústia nunca antes experimentada; “mas como contar para uma criança que ela irá morrer?” — Perguntei a mim mesmo.

   Entreguei-me ao vento das árvores e os meus lábios encontraram o sorriso.

   — Não é nada meu amor — Respondi.

   Ela limpava-me as lágrimas com a manga da sua camisola quando levantei, botei-a sobre os meus ombros e comecei a correr gritando.

   Corria em direcção ao mar; ela acompanhou meus gritos e começou a gritar de felicidade como se não existisse amanhã; e não existiu mesmo.

   A alegria em seu rosto enchiam-me de uma alegria tomada pela melancolia; tive o privilégio de ser pai de uma filha que a vida decidiu apagar madrugadamente.

   Meu pai, que há muito tempo se foi deste mundo, dizia que a vida não se repete e que devemos viver com muito cuidado; ele me preparou para enfrentar todos os medos que surgissem; mas esqueceu-se de me ensinar a enfrentar a morte da minha própria filha.

   Naquela tarde divertimo-nos como folhas divertindo-se no Outono; o mar nos acompanhou até ao fim; o vento bafejava em nosso favor, as ondas do mar apregoavam suas canções e o sol suavizava suas faíscas.

    No fim da tarde, minhas nádegas encontravam as pedras que a natureza esculpira; minha filha dormia sobre o meu colo; sua respiração cantarolava no meu peito enquanto eu apreciava o mar.

   Seus braços frágeis deslizaram do meu pescoço; as lágrimas caíam dos meus olhos como mil oceanos em erupção.

   Todo meu mundo tombara naquele instante; a vida perdera o sabor; minha filha partira sem dizer adeus;

… e seus olhos calaram-se para sempre.

 

   Autor: David Lutango

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