1. INTRODUÇÃO

As primeiras grandes indústrias surgiram no final do século XIX, durante o período conhecido como revolução industrial. Desde aquela época até recentemente, e não raro em casos observados atualmente, o controle dos estoques de materiais e produtos acabados acaba sendo uma tarefa realizada exclusivamente por pessoas que não trabalham diretamente nas linhas de produção. Isto significa que as pessoas envolvidas diretamente na produção não precisavam ou não precisam se preocupar com os materiais necessários para seu trabalho, uma vez que alguém “de fora” do processo se preocuparia em controlar os estoques desses materiais.

Esta forma de abastecimento, além de dificultar a comunicação entre o pessoal das linhas de produção e o pessoal do controle de estoques, acaba por levar a manutenção de estoques altos.

Esta falta de comunicação entre área produtiva e o pessoal de planejamento e controle da produção (PCP) provocava duas situações conflitantes e problemáticas: - sobravam muitas peças próximo ao montador da linha de produção, ou faltavam peças e a produção parava.

Observando o sistema tradicional de abastecimento, percebe-se nele que é o estoque que empurra a produção, ou seja, dependendo da quantidade de peças ao lado do montador, a velocidade da produção aumenta ou diminui gerando incertezas quanto aos resultados além de baixa produtividade.

Nesse contexto o controle dos estoques se torna mais difícil, e para compensar este fato utilizam-se estoques de segurança maiores, pois os materiais são geralmente recebidos em grandes lotes. Isto, além do alto custo do capital imobilizado, gera a necessidade de uma grande área física destinada ao armazenamento do material.

A velocidade do abastecimento de materiais para suprir o consumo não acontece de forma totalmente sincronizada com o consumo real das linhas de montagem, isto frequentemente provoca a sobra ou a falta de material e torna a tarefa do PCP uma atividade cercada de incertezas e complexidade.

Essa complexidade no controle de materiais se deve ao fato de o planejamento necessitar de cálculos avançados e uso de computadores. Isto exige pessoal especializado, que detenham conhecimentos teóricos e práticos específicos à área de gestão de materiais e estoques, dedicados exclusivamente a estas atividades.

O sistema tradicional de abastecimento, apesar de necessário, apresenta algumas dificuldades, uma vez que se limita a atuação exclusiva de profissionais e assim não se aproveita a experiência dos funcionários que realmente utilizam o estoque na montagem dos produtos.

. No passado, e ainda hoje em alguns casos, essa limitação é encarada como sendo um “mal necessário”, isto porque o cenário econômico era diferente, a concorrência não era tão grande e a demanda superava a oferta de produtos no mercado, além disto, a globalização da economia estava apenas em seu início. Por outro lado ainda hoje isto ocorre como forma de garantir o abastecimento em casos onde a disponibilidade de matéria-prima é escassa ou a aquisição é tão onerosa quanto à manutenção do estoque.

Com a abertura dos mercados muitas novas empresas foram criadas, a economia globalizada e a concorrência tanto em preços como em qualidade passou a exigir maior competitividade das organizações. Tornou-se imprescindível a preocupação com os custos de produção, pois as empresas se viram obrigadas a apresentar produtos de maior qualidade a preços cada vez mais baixos como forma de garantir a sobrevivência neste novo cenário.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

 2.1 Origens do sistema

Em 1945 o Japão efetivamente foi derrotado na segunda guerra mundial, esse ano marcou também um novo começo para a indústria japonesa e em especial a automotiva. Diante do cenário mundial dominado pela indústria americana e a economia japonesa enfraquecida pela guerra, Toyoda Kiichiro, então presidente da Toyota Motor Company, disse, “alcancemos os Estados Unidos em três anos. Caso contrário, a indústria automobilística do Japão não sobreviverá” (OHNO, 1997, p.25).

Essa urgência se devia principalmente a necessidade de retomada da competitividade industrial. Taiichi Ohno (1997), reconhecido como o idealizador do STP (Sistema Toyota de Produção) em sua publicação acerca desse sistema, afirma acreditar que a “necessidade é a mãe da invenção” e que até mesmo seus próprios esforços para construção do STP se baseavam na forte necessidade de descobrir um novo método de produção que eliminasse o desperdício e os ajudasse a alcançar os Estados Unidos em três anos.

Logo após o término da guerra, embora os Estados Unidos continuassem a liderar o mercado automobilístico, o Japão passou por um período de crescimento econômico surpreendente, entretanto, para tal crescimento foi determinante ainda o modelo de produção em massa ao estilo americano. Para Ohno (1997) essa imitação descuidada do sistema americano poderia lhes trazer problemas e se questionava: “produzir muitos modelos em pequenas quantidades e a custos baixos – não seria isso algo que poderíamos desenvolver?” Assim, o principal objetivo do Sistema Toyota de Produção (STP) foi produzir uma variedade maior de modelos em quantidades menores por cada modelo.

O sistema Toyota de Produção foi concebido e sua implementação começou logo após a segunda guerra mundial. Mas ele não tinha atraído a atenção da indústria japonesa até a crise do petróleo em 1973. Os gerentes japoneses, acostumados à inflação e às altas taxas de crescimento, se viram subitamente confrontados com crescimento zero e forçados a lidar com decréscimos de produção. Foi durante essa emergência econômica que eles notaram, pela primeira vez, os resultados que a Toyota estava conseguindo com a sua implacável perseguição à eliminação do desperdício. (OHNO, 1997 p. 26).

 O Japão foi o primeiro país a observar detalhadamente e tratar com a devida importância as desvantagens e os custos gerados pelo sistema tradicional utilizado para abastecer as linhas de produção.

Havia variadas questões que precisavam de respostas urgentes:

  • Como seria possível trabalhar com o estoque de material na quantidade certa e de forma sincronizada com as linhas de montagem?
  • Como conseguir envolver a experiência e compromisso dos operários das linhas de produção com as operações de abastecimento de materiais?

Possíveis soluções foram encontradas quando Ohno se inspirou no sistema de abastecimento das prateleiras de um supermercado norte-americano, no qual se destacavam as seguintes características:

  • Os produtos estavam distribuídos em prateleiras e eram retirados pelo próprio consumidor.
  • As prateleiras continham maior ou menor quantidade de produtos em função da sua demanda.
  • As prateleiras continham informações indispensáveis sobre o produto, tais como:
  • Identificação, quantidade e preço, escritas em pequenos cartões.
  • A reposição era feita à medida que os produtos eram vendidos e tudo era feito e controlado de forma visual.

Ohno então concluiu, com suas observações, que nos supermercados os próprios clientes ou repositores determinavam a hora de repor os produtos nas prateleiras através de um controle visual, ou seja, à medida que a prateleira esvaziava alguém providenciava a reposição dos produtos.

Com base nesta ideia de controle visual simples, em 1953 a Companhia Toyota resolveu implantar o sistema de abastecimento do supermercado americano, adaptando-o, naturalmente, às características de uma linha de produção.

Desta maneira, os montadores que trabalhavam nas linhas de produção passaram a desempenhar o papel de “clientes” ou de “repositores” e a linha de produção era abastecida à medida que as peças e matérias-primas eram utilizadas.

2.2 Idealização e nomeação do sistema

A implantação do novo método começou a produzir resultados favoráveis e foi chamado a princípio de “sistema supermercado de abastecimento”.

O receio de que o novo sistema pudesse ser rapidamente copiado por empresas concorrentes fez com que os japoneses decidissem mudar o nome anterior para “sistema kanban de abastecimento”. Kanban em japonês significa “cartão”.

Este nome surgiu em razão da utilização de cartões no sistema de controle visual dos estoques de materiais, utilizados para representar os contentores cheios ou vazios.

Estes cartões, segundo a metodologia estudada no supermercado e adaptada para o cenário industrial, são retirados ou colocados em um quadro na medida em que o material é utilizado ou reposto, processo que será abordado e ilustrado a posteriori.

2.3 Características do sistema kanban

O sistema kanban de abastecimento apresenta algumas características na forma de controlar os estoques de material, que implica em uma mudança na filosofia de trabalho quando comparado com o sistema tradicional de abastecimento.

O sistema kanban exige um espaço determinado por uma área física delimitada, ou por um número fixo de contentores ou ainda por cartões. A quantidade de material próximo à linha de produção nunca deverá ser superior àquela que estes espaços, cartões ou contentores determinam.

Da mesma forma que a quantidade de material não pode ser superior ao máximo permitido, também não pode ser inferior ao mínimo estabelecido. Isto significa que a existência de contentores vazios ou cartões no quadro indica que está na hora de abastecer o estoque.

Todo o controle feito apenas de forma visual, sem necessidade de outros controles.

As peças utilizadas por um processo nem sempre vêm de um fornecedor externo, muitas vezes são fabricadas em outra área dentro da própria empresa. Dessa forma, podemos dizer que é possível montar dois tipos de kanban: o kanban externo e o kanban interno.

No caso do segundo os cartões podem ser introduzidos em cada fase da operação ou em um único “processo puxador”, o qual orienta, tanto a montante quanto a jusante, a produção de todos os subconjuntos que compõem o conjunto final.

Em sua constituição básica, o processo posterior deve retirar do processo anterior apenas às peças necessárias à produção que é requerida no processo puxador, que por sua vez alimenta os processos a jusante com a quantidade necessária do produto para atendimento da demanda do cliente final.

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