CIRANDAR: ARTE E EDUCAÇÃO NO RITMO DO CORPO EM MOVIMENTO

*Autor: Sebastião Vieira Maia Filho

“O mundo possui muitas mentes brilhantes, mas hoje o mundo precisa de corações brilhantes”. (S.S. Dalai Lama) 

 Ciranda – 1942, Milton Dacosta. Reprodução fotográfica Pedro Oswaldo Cruz

RESUMO: 

As solicitações verbais e gestuais permitem experiências num ambiente rico em desafios, as quais requerem da criança uma ação que corresponda às suas possibilidades, criando respostas que só ela é capaz de vivenciar. Tais respostas que a criança cria, integram a linguagem, os movimentos e as emoções. Um corpo que aprende se expressando de forma rítmica, tem mais capacidade de dar respostas sensíveis e criativas diante dos desafios da vida. Baseado nessa linha de raciocínio, este artigo vem abordar a Dança, mais especificamente, a dança de roda – a ciranda – como recurso pedagógico significativo e importante para os desenvolvimentos psicomotor, intelectual, social, afetivo, emocional e espiritual da criança, pois promove a livre expressão do aprendiz. A dinâmica intrínseca a ciranda possibilita uma riqueza de movimentos que envolvem corpo, espírito, mente e emoções, numa energia contagiante que enriquece a aprendizagem infantil. Os gestos e movimentos expressivos nela existentes favorecem uma ação livre e prazerosa. Por meio de ações arteducativas que envolvem a Dança, a aprendizagem ocorre de forma direta e íntima, pois a criança assimila informações com o corpo, mente e emoções. É uma forma lúdica de expressividade e criatividade pessoal, na busca da aprendizagem por meio do corpo em movimento, uma forma de afirmação, sociocultural, emocional e espiritual. O objetivo central deste artigo é sugerir uma metodologia de ensino capaz de propiciar vivências criativas às crianças, acerca dos benefícios e valores educacionais das atividades que envolvem música e movimento. 

PALAVRAS CHAVE:

Ciranda, Arte, Educação, Cultura, Método, Integração, Movimento, Criatividade.

INTRODUÇÃO 

Quem conhece de perto a vida diária dos povos do mar sabe da luta constante, empreendida por eles, em favor da sobrevivência de todos àqueles atores comunitários, que buscam engajar-se no processo de proteção da vida.

Este fazer viver em combate, reflete a resistência, como também, a insistência desses sujeitos, que não se permitem deixar aprisionar-se pelos grilhões das grandes indústrias pesqueiras e, por que não dizer, da especulação imobiliária, as quais, tentam, a todo custo, cooptá-los, através de falsas promessas de melhoria de vida, quando, na verdade, desejam intimamente, tão somente, roubar-lhes seus espaços, seus tempos, seus templos e a força criativa / produtiva de suas mentes e corpos libertos marcados pelo sol e pelo sal.

De forma intencional e explícita, começo este artigo como um corsário, como um poeta-pirata errante, atirando palavras ao vento, numa tentativa de acertar um alvo tão cobiçado por todo e qualquer poeta, pirata da literatura: o coração do leitor. Por isto, comecei este escrito abordando um tema tão suscitado por educadores que procuram fazer do seu ofício uma construção artístico-pedagógica arrebatadora, transformadora de paradigmas.

Para não perder o não dito por mim até aqui, continuo falando da prática educativa desses professores que gostam de fazer em seu universo pedagógico sistemáticas mudanças: mudança na sala; no referencial e na posição das coisas em relação ao espaço geográfico da sala de aula, isto, na perspectiva de ensinar e aprender os conteúdos de uma forma diferenciada da exposição conteudista da educação tradicional, entre outras.

O educador de visão artístico-pedagógica busca fazer tudo isto para que o pensamento do aluno mude de lugar, e, este, por conseguinte, mude de postura diante da vida – mudança, esta, na mais ampla de suas significações – mudança diante da “análise formal”, feita pelo coletivo, acerca daquilo que é ensinado na escola e na vida. Como exemplo dessa prática educativa, de perspectiva artístico-pedagógica, falarei neste artigo de uma prática de ensino que traz, para dentro da escola e para o centro do trabalho pedagógico na sala de aula, o universo de uma celebração comunitária característica dos povos do mar, a ciranda, mais conhecida popularmente como dança de cantigas de roda. 

A RELAÇÃO ENTRE MÚSICA E FOLCLORE NAS CANTIGAS DE RODA 

Ao tratar-se de cantigas de roda (a ciranda), cabe, aqui, reportar-se a alguns aspectos da música e sua relação com o folclore, considerando-se que este está presente no laser, nos jogos, brincadeiras e cantos, sendo uma ponte extremamente considerável para o exercício da criatividade, sobretudo em se tratando do universo infantil, pois coaduna-se com interação do lúdico, contribuindo com a formação do caráter integral da criança.  Sobre isto, Maffioletti (2004) diz que: 

“As cantigas de roda permitem o estado intermediário entre a ilusão e a realidade e se constituem num exercício de continuidade e ruptura que a criança necessita para investir na conquista de si e do mundo”. (apud LARSEN, 1991, p. 56)   

Para aprofundar ainda mais a reflexão sobre essas práticas transformadoras, como a ciranda, a arte do cantar e dançar em roda, podemos, então fazer a seguinte análise: num instante de debates sobre uma determinada temática, em sala de aula, o educador convida seus alunos para formarem um círculo, onde todos possam se ver mutuamente... Em seguida, ele optar por ficar em observação, enquanto seus alunos discutem e elaboram seus pensamentos em torno do tema lançado, o mote, o motivo para o debate, funciona da mesma forma, caso ele tivesse optado por começar a cantar uma música e deixar, logo após, que os seus alunos prosseguissem cantando a mesma.

Esse educador, ao ficar observando seus alunos cantando a música que ele lançou – o tema – dá-lhe a exata noção do movimento do pensamento de seus alunos, da performance rítmica que os alunos estão empreendendo enquanto aprendem aquilo que está sendo dito e / ou vivido, como também, o não-dito. Isto ocorre, segundo ROUSSEAU (1995), porque nesse tipo de atividade espontânea, o aluno vive a verdadeira dimensão da liberdade. Para o referido teórico da educação, a felicidade estaria no viver natural, em que o homem conhece menos necessidades e, por isso mesmo, é mais livre tanto em relação às coisas, quanto em relação aos homens. 

“O único indivíduo que faz o que quer é aquele que não tem necessidade, para fazê-lo, de pôr os braços de outro na ponta dos seus; do que se depreende que o maior de todos os bens não é autoridade e sim a liberdade. O homem realmente livre só quer o que pode e faz o que lhe apraz. Eis minha máxima fundamental. Trata-se apenas de aplicá-la à infância e todas as regras da educação vão dela decorrer”. (ROUSSEAU, p. 67). 

Escolher ficar na escuta das falas dos alunos, ao invés de interferir nos diálogos, permite ao educador ser um ouvinte atencioso do que está sendo dito e um garimpeiro perspicaz para colher, entre os cascalhos das falas brutas, as pedras preciosas daquilo que não foi dito, o discurso implícito nos gestos, nos comportamentos dos alunos. Essas ausências de falas, características das expressões artísticas são ricas de significado.

A isto, o não dito verbalmente, porém vividos intensamente no interior dessas experiências educativas, os filósofos e educadores norte-americanos John Dewey (1938) e Philip Jackson (1968), chamaram de currículos ocultos[1], mas que está ali, brilhante e vibrante, nas entrelinhas das palavras expressadas. O poder de capturar, desta forma, nas entrelinhas dos discursos, o não dito é uma tarefa para um artista da educação, um arteducador.

Esse tipo de escolha: educar na perspectiva da arte, DUARTE JR. (1988), não pode acontecer por imposição, ela precisa ocorrer a partir de um querer do educador, entre tantos possíveis – eis aí a essência daquilo denunciado por Caetano Veloso na canção “O Quereres”: ...Ah! Bruta flor do querer, ah! Bruta flor, bruta flor..., ou seja, o livre posicionamento diante da vida – posicionamento, este, que nós, enquanto educadores, deveríamos ter e aprender para tentar empreendê-lo em nossas práticas educacionais cotidianas, constituindo, assim, uma metodologia forjada na determinação de quem deseja construir algo diferente no permeio das relações de ensino-aprendizagem.

Utilizar os elementos pedagógicos que a ciranda suscita é um bom caminho para que esse querer educar pelo enfoque da arte ocorra de forma orientada e eficaz, como afirma o filosofo da educação e psicólogo Duarte Júnior: 

“O conhecimento humano visa sempre à orientação da ação, para que esta se dê de maneira eficaz. Como vivemos num universo não apenas físico, mas também simbólico, como vivemos uma vida não apenas racional, mas fundamentalmente emocional, a arte se destaca como importante instrumento para a compreensão e organização de nossas ações. Por permitir a familiaridade com nossos próprios sentimentos, que são básicos para se agir no mundo”. (DUARTE JR., ibid., p. 104). 

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