Quando o arcanjo Raziel deu o Livro dos Segredos a Adão, que chorava sentado do lado de fora do Éden, iniciou-se um processo pelo qual a humanidade teve a possibilidade de recuperar o acesso aos mundos superiores dos quais caiu. Alguns kabbalistas dizem que embora comer o fruto proibido tenha sido um ato de livre-arbítrio, foi, de fato, antecipado pelo Santo Onisciente, do mesmo modo que o pai ou a mãe espera que uma criança quebre as regras para que aprenda sobre o Universo em que vive. Por esta ação, Adão e Eva tornaram acessível uma consciência do superior Mundo da Criação, que os tornou cientes de uma outra dimensão. Como resultado, foram enviados ao mundo inferior para impedi-los de fazer mau uso do conhecimento que haviam adquirido, pois eram ainda imaturos, embora não mais inocentes. A descida da matéria foi o primeiro estágio de um curso de treinamento, no qual expandiram sua experiência tanto para cima como para baixo no Universo, capacidade que nenhuma outra criatura celeste ou terrestre possui. O Livro de Raziel foi dado não por compaixão, mas para um fim específico: ajudar a humanidade a concluir o seu destino. Continha, como nos foi dito, uma descrição de todas as leis que governam o Universo; e métodos para encontrar o caminho no meio da complexidade da Existência, retornando ao Divino em estado de maturidade e responsabilidade. Essa passagem de inocência à experiência fazia parte de um grande plano, no qual a humanidade atingiria a consciência plena dos aspectos interiores e exteriores da Existência. Tal feito conduziria a raça humana à compreensão de que o Universo e ela mesma são imgens da mesma Face, enquanto Deus olharia para Deus na reflexão do grande e do pequeno Adão: o Divino em manifestação.
O primeiro indivíduo a atingir esse estado de realização total foi Enoc, como seu nome indica, o “Iniciado”. Depois de viver muitos anos em sagrada reclusão, enquanto o resto da raça humana aprendia a sobreviver, Enoc foi levado para fora de sua “vestimenta de pele”, até os Céus, onde foram-lhe mostradas as maravilhas dos mundos superiores. Quando retornou à Terra, foi instruído a ensinar os caminhos de Deus para que a humanidade iniciasse sua evolução. Foi o primeiro homem a conceder o que havia recebido de cima aos que procuravam o Caminho de Volta. Muitas pessoas vieram escutá-lo, inclusive reis e príncipes, e durante o tempo em que foi seu guia, a paz reinou no mundo inferior. No ano, diz a lenda, emque Adão morreu e foi enterrado, Enoc se retirou da vida pública, determinado a se dedicar a Deus. Contudo, isso não lhe fora permitido, pois a humanidade necessitava de sua direção, e, na verdade, as pessoas lhe imploravam que permanecesse no mundo. Depois de dar sua última instrução terrena sobre a conduta correta de acordo com a Lei Divina, foi transportado para os céus, só que dessa vez para assumir o lugar de Lúcifer deposto, como o arcanjo Metatron, que se tornaria responsável pela instrução da humanidade através dos tempos. Para isso, não provou a morte, mas foi conduzido fora do círculo normal de nascimento e morte para se transfigurar em um Ser de fogo e se tornar a primeira célula plenamente consciente de Adão Kadmon. Assim, o homem primordial principiou a realizar a Consciência Divina dentro de si.
Enoc foi o primeiro Mestre verdadeiro, uma vez que se tornou dirigente de um grupo dedicado ao estudo esotérico. Como tal permanece, e é conhecido por vários nomes, como Hermes Trismegistus, Thot e Idris, de acordo com a tradição espiritual. Na Kabbalah, ele aparece ao cabalista merecedor como Elijah, que instrui o iniciado nos segredos recônditos da Tradição. Como Grande Escriba, Enoc é diretamente responsável por toda operação de transmitir o Ensinamento sob qualquer forma que porventura possa emergir. Assim, ouvimos falar do misterioso instrutor que visitou Jacob Boehme; e sobre o homem visto por dois estudantes pela janela do Vilna Gaon, mas que não estava visível quando entraram no quarto. Essas aparições indicam o íntimo interesse nos indivíduos que estejam em pontos cruciais de seu desenvolvimento espiritual, bem como a atenção à visão geral da cadeia esotérica de transmissão. Os níveis intermediários de Tradição, Linha, escola e grupo são cuidados por outros que sseguiram o caminho pioneiro de Enoc, embora existam boas razões para acreditar que Abraão, o pai da tradição cabalística, foi de fato iniciado fora de Jerusalém por Enoc, sob o nome de Melchizedek, o Rei dos Justos.
Na Ásia Ocidental e na Europa existem diversas Tradições, que variam da hindu, persa e egípcia, até as versões célticas e teitônicas do Ensinamento. Kabbalah é a expressão hebraica que tornou-se cristã sob os Impérios romano e islâmico, quando misturou-se às Linhas persas e árabes. Cada uma destas Tradições possui seu próprio contato com Enoc, e também com a hierarquia espiritual que zela por essas determinadas civilizações. Quem quer que esteja no meio de Stonehenge ou ande pelo Templo de Carnaque em Luxor sente, se for capaz de passar para um mecanismo superior de consciência, terem sido estes não só lugares de culto, mas também instituições de instrução. Tomando apenas o fluxo da Tradição Judaica, que é a mais bem-documentada para nós do Ocidente, encontramos na Bíblia e no vasto material adicional do folclore e do esoterismo, como o Sefer Yezirah, muita coisa sobre esse conhecimento, e, às vezes, apenas um sinal, como no Talmud.
As escrituras dão relatos detalhados do método externo do Ensinamento através dos projetos do tabernáculo, do ritual e das leis, mas estarão destituídos de significado sem o aspecto secreto do Torah, e esta combinação dupla é, às vezes, simbolizada pelas duas tábuas da lei. A tradição oral diz que uma tábua é para ser estudada durante o dia. Isto é, em aberto, e a outra à noite, em segredo. A razão disso é, em aberto, e a outra à noite, em segredo. A razão disso é que certas coisas não podem ser entendidas sem preparação, e recebê-las antes que se esteja preparado não é apenas obter uma compreensão parcial, mas transmitir a outros numa visão distorcida. Um exemplo disso é quando a pessoa pensa que a reencarnação é simplesmente um processo de nascer outra vez. Há muito maais em um acontecimento tão importante como o renascimento, o que se deram conta muitos dos que decidiram resolver certos problemas na vida posterior. Conhecimento esotérico ou secreto não é para consumo público.
Na Bíblia, os anciãos, sacerdotes e profetas simbolizam “aqueles que conhecem”, que é o significado da palavra “gnóstico”. De fato, em uma época posterior, os cabalistas eram chamados “aqueles que conhecem a medida”, isto é, as leis da Existência. Após o retorno do primeiro exílio, as linhas de transmissão eram encontradas nas escolas deixadas para trás na Babilônia, e também nas que foram restabelecidas na Palestina. Mais tarde, enquanto os judeus começavam a estabelecer colônias ao redor do mundo clássico, alguns grupos seriam localizados no norte da África, na Ásia Oriental e na Europa. Durante o período do Segundo Templo, os centros mais importantes do Ensinamento Secreto se encontravam em Jerusalém, na área do Templo ou nas casas de estudo ligadas às muitas sinagogas da Cidade Velha. Aqui observamos diferentes Linhas começando a surgir, como os sacerdotes, os fariseus e os essênios. Existiam outras, como os primeiros cristãos. Mais tarde, após a destruição do Templo de Herodes pelos romanos, as escolas se transferiram para o norte, para a Galiléia. O grande rabino bem Yochai dirigiu uma destas escolas. À medida que estas Linhas declinavam, grupos secretos dentro das eruditas academias da Babilônia receberam seu Barakah, ou graça, e se tornaram os principais transmissores da tradição.
Pouco se sabe sobre as pessoas envolvidas em tais atividades, mas livros como o Sefer Yezirah, e diversos fragmentos esotéricos que descrevem a topografia dos Céus, como a literatura Hekalot, sugerem um interesse muito ativo no misticismo entre os rabinos daquele período. Com as academias rabínicas babilônicas se desvaneceram, vários eruditos se voltaram para o Oeste e viajaram em rotas comerciais em direção à Europa e à África do Norte, onde encontraram grupos em busca de conhecimento su´perior. Uma Linha específica, mantida pela família Kolymides, mudou-se para o norte, através da Itália e dos Alpes, chegando, na Idade Média, até a Alemanha para criar uma mistura de misticismo oriental e religiosidade judaica-alemã, enquanto outra Linha entrou na Espanha pela Provence, que tinha no século doze um nível cultural particularmente elevado. Várias escolas aqui modificaram o Ensinamento para fazer frente à ameaça da filosofia, a principal preocupação da intelligentsia da época. Grupos centralizados em vários rabinos trocavam cartas e representantes, e com freqüência se visitavam com o intuito de desenvolver idéias. Foi a época em que a Kabbalah se tornou conhecida por este nome. Além das escolas judaicas, existiam as tradições cristã e oculta, que absorveram e adaptaram o ensinamento kabbalístico a suas próprias formas. Posteriormente se desenvolveram em várias Linhas, como os maçons que construíram as catedrais e a Ordem dos rosa-cruzes.
Para citar um exemplo de diferentes Linhas, as Linhas da Kabbalah espanhola e alemã possuem características distintas, pois a primeira é mais intelectual, e a última, mais devocional. Várias escolas evoluíram dentro de cada corrente, algumas dedicadas a métodos de meditação e outras preocupadas com metafísica. Cada escola era naturalmente influenciada pelo temperamento e interesse de seu líder, e observamos mais tarde este fenômeno nas diversas escolas que surgiram durante o século dezesseis na cidade galiléia de Safed. Aqui o lúcido pensador Cordovero dirigia uma escola, enquanto seu brilhante estudante, o carismático Luria, formou uma outra, que tomou um rumo bastante diferente. Na Alemanha e na Polônia surgiram escolas profundamente devocionais funcionando dentro da Linha luriana, enquanto outros grupos na Holanda e na Inglaterra desenvolviam uma abordagem mais secular. O filósofo Spinoza e o místico inglês Fludd foram um produto destas escolas.
O fluxo do Ensinamento nem sempre segue a maneira ortodoxa, e particularmente na Kabbalah existe uma história de renovação e de reformulação que manteve a Tradição viva, apesar da oposição dos mais conservadores.
Na época atual existem diversas Linhas da Kabbalah operando ao redor do mundo. As mais convencionais são os grupos ortodoxos encontrados em Jerusalém. Outros, nem sempre reconhecíveis como sendo obviamente da Linha cabalista, funcionam na Europa Ocidental e nas Américas, com grupos em desenvolvimento localizados na África do Sul e na Austrália. O mundo foi muito transformado pelas duas guerras mundiais e pelas revoluções social e tecnológica. Assim sendo, o Ensinamento deve também se transformar, embora as escolas mais tradicionais em Israel ainda retenham as antigas formas. Existe, neste momento, um enorme movimento para formar uma rede global de trabalho entre indivíduos e grupos envolvidos com o espírito. Nunca antes as Tradições estiveram tão próximas. Assim, embora a Kabbalah retenha seus próprios costumes e métodos, irá se relacionar com outras tradições. Contudo, antes de entendermos integralmente o significado dessa operação, devemos compreender o que faz o grupo ser o que é, e como ele funciona no nível de uma família humana, antes de vermos onde se insere no esquema maior como uma entidade distinta.