Antropoceno, Plantationceno, Fagoceno ou Angloceno, Capitaloceno e Negroceno. Por que não Bacterioviroceno? 'Adiando o fim do mundo’, mas não da humanidade.

Por PAULO CESAR DE ALMEIDA BARROS LOPES | 26/11/2024 | Ambiental

 

Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

 

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde

 

Diálogos para o Antropoceno: História Ambiental, Saúde e Conhecimento

 

Professor(as) responsável(si): Ingrid Fonseca Casazza e Vanessa P. da S. e Mello

 

Mestrando: Pauo Cesar de Almeida Barros Lopes

 

 

Tema: Antropoceno, Plantationceno, Fagoceno ou Angloceno, Capitaloceno e Negroceno. Por que não Bacterioviroceno? 'Adiando o fim do mundo’, mas não da humanidade.

 

RESUMO

O objetivo do trabalho é conectar as aulas da disciplina com textos adicionais tendo como foco o relacionamento do Antropoceno e as mudanças climáticas ao risco de novas epidemias/pandemias causadas por bactérias e vírus. Discutir uma contrapartida ao não reconhecimento pelos geólogos de que o Antropoceno é uma nova era geológica, usando como base para a discussão, a entrevista da pesquisadora Dominichi Miranda de Sá concedida à Karine Rodrigues FIOCRUZ-COC, o reconhecimento do sistema Terra como disciplina científica, e as discussões propostas por Ailton Krenak sobre o uso da Terra. Demonstrar que apesar de muitos vírus e bactérias estarem presentes nos animais, eles só causam danos aos seres humanos. Debater brevemente, dentro do conceito do Antropoceno, a incidência de doenças bacteriológicas e virais, que outrora estavam ‘inertes’ no Permafrost, e sua ativação por conta do derretimento das geleiras causadas pelo descontrole ambiental, que tem como responsabilidade primária, a ação do homem sobre o planeta Terra, que pode ter como consequência o risco de novas epidemias/ pandemias, principalmente causadas por vírus, que coincidentemente aumentaram em intensidade, principalmente depois da ‘Grande Aceleração’, e o impacto  dessa alteração climática diretamente nos seres humanos. Debater a relação direta de termos derivados do Antropoceno com a abordagens horizontal e vertical das questões ambientais dentro do conceito da hierarquização racista criada pelo ocidente.

Palavras-chave: Antrpoceno, Sistema Terra, mudanças climáticas, Bacterioviroceno, permafrost, pandemias.

 

ABSTRACT

The objective of this paper is to connect the classes of the discipline with additional texts focusing on the relationship between the Anthropocene and climate change and the risk of new epidemics/pandemics caused by bacteria and viruses. To discuss a counterpoint to the lack of recognition by geologists that the Anthropocene is a new geological era, using as a basis for the discussion the interview given by researcher Dominichi Miranda de Sá to Karine Rodrigues FIOCRUZ-COC, the recognition of the Earth system as a scientific discipline, and the discussions proposed by Ailton Krenak on the use of the Earth. To demonstrate that although many viruses and bacteria are present in animals, they only cause harm to human beings. Briefly discuss, within the concept of the Anthropocene, the incidence of bacterial and viral diseases that were once ‘dormant’ in the Permafrost, and their activation due to the melting of glaciers caused by environmental mismanagement, which is primarily responsible for human action on planet Earth, which may result in the risk of new epidemics/pandemics, mainly caused by viruses, which coincidentally increased in intensity, especially after the ‘Great Acceleration’, and the impact of this climate change directly on human beings. Discuss the direct relationship of terms derived from the Anthropocene with the horizontal and vertical approaches to environmental issues within the concept of the racist hierarchy created by the West.

Keywords: Anthropocene, Earth System, climate change, Bacteriovirocene, permafrost, pandemics.

 

 

RESUMEN

El objetivo del trabajo es conectar las clases de la disciplina con textos adicionales centrados en la relación entre el Antropoceno y el cambio climático y el riesgo de nuevas epidemias/pandemias causadas por bacterias y virus. Discutir una contrapartida al no reconocimiento por parte de los geólogos de que el Antropoceno es una nueva era geológica, tomando como base de discusión la entrevista que el investigador Dominicchi Miranda de Sá concedió a Karine Rodrigues FIOCRUZ-COC, el reconocimiento del sistema Tierra como un disciplina, y las discusiones propuestas por Ailton Krenak sobre el uso de la Tierra. Demostrar que aunque muchos virus y bacterias están presentes en los animales, sólo causan daño a los humanos. Discuta brevemente, dentro del concepto de Antropoceno, la incidencia de enfermedades bacteriológicas y virales, que alguna vez fueron 'inertes' en el Permafrost, y su activación debido al derretimiento de los glaciares provocados por la falta de control ambiental, que es el principal responsable de la acción. del hombre en el planeta Tierra, lo que podría traducirse en el riesgo de nuevas epidemias/pandemias, causadas principalmente por virus, que coincidentemente aumentaron en intensidad, especialmente después de la 'Gran Aceleración', y el impacto de este cambio climático directamente sobre los seres humanos. Debatir la relación directa de los términos derivados del Antropoceno con los enfoques horizontales y verticales de las cuestiones ambientales dentro del concepto de jerarquización racista creado por Occidente.

Palabras clave: Antropoceno, Sistema Tierra, cambio climático, Bacterioviroceno, permafrost, pandemias.

 

 

RÉSUMÉ

L'objectif du travail est de relier les cours de la discipline avec des textes complémentaires axés sur la relation entre l'Anthropocène et le changement climatique et le risque de nouvelles épidémies/pandémies provoquées par des bactéries et des virus. Discuter d'une contrepartie à la non-reconnaissance par les géologues que l'Anthropocène est une nouvelle ère géologique, en utilisant comme base de discussion l'entretien du chercheur Dominichi Miranda de Sá accordé à Karine Rodrigues FIOCRUZ-COC, la reconnaissance du système Terre comme un discipline, et les discussions proposées par Ailton Krenak sur l'utilisation de la Terre. Démontrer que même si de nombreux virus et bactéries sont présents chez les animaux, ils ne nuisent qu’aux humains. Discutez brièvement, dans le cadre du concept d'Anthropocène, l'incidence des maladies bactériologiques et virales, qui étaient autrefois « inertes » dans le pergélisol, et leur activation en raison de la fonte des glaciers provoquée par le manque de contrôle environnemental, qui est principalement responsable de l'action. de l'homme sur la planète Terre, ce qui pourrait entraîner le risque de nouvelles épidémies/pandémies, principalement causées par des virus, qui par coïncidence ont augmenté en intensité, surtout après la « Grande Accélération », et l'impact de ce changement climatique directement sur les êtres humains. Débattre de la relation directe entre les termes dérivés de l’Anthropocène et les approches horizontales et verticales des questions environnementales dans le cadre du concept de hiérarchisation raciste créé par l’Occident.

Mots clés : Anthropocène, Système Terre, changement climatique, Bactériovirocène, permafrost, pandémies.

 

 

 

Sumário

INTRODUÇÃO.. 3

Antropoceno: uma nova era geológica?. 8

Antropoceno e as mudanças climáticas ao risco de novas epidemias/pandemias causadas por bactérias e vírus. 17

O Antropoceno e as abordagens transdisciplinares, horizontal e vertical, das questões ambientais: a hierarquização racista criada pelo ocidente. 31

'Adiando o fim do mundo’:  a vida se tornando útil. 38

Considerações finais. 41

Referências bibliográficas. 42

 

INTRODUÇÃO

“Filósofos indígenas, cientistas do ‘Sistema Terra’ e cientistas sociais estão argumentando que estamos vivendo um momento de transformações planetárias radicais, que o Antropoceno é uma ruptura irreversível no funcionamento do Sistema Terra” (Dominichi Miranda de Sá)

O historiador não pode ser totalmente humilde, no entanto também não pode ser totalmente tirano e/ou arrogante, pois como historiadores precisamos nos esforçar a enxergar todos os ângulos possíveis das questões a serem debatidas. Precisamos pensar o ‘fazer a História’ procurando renovar os métodos, discutir as questões epistemológicas, nos esforçando em identificar as diferenças da historicidade, sem, no entanto, sintetizar passado, presente e futuro porque cada período possui suas próprias avaliações e peculiaridades. No entanto, não podemos desconsiderar o passado simplesmente pelo medo do anacronismo, porque os acontecimentos passados são importantes para discussões presentes e futuras, com suas devidas análises, pois se não fosse assim, a disciplina História seria totalmente ineficaz.

Não teremos condições de formalizar uma representação fiel do passado com as incertezas do presente. Precisamos pensar o ‘fazer História’ através de inúmeras reflexões que nos ajudem a pelo menos entender, principalmente através dos documentos, que sempre haverá necessidade de estarmos nos renovando e nos adaptando às transformações históricas, que são dinâmicas e estão em constante movimento. Levando em consideração que todas as informações que estarão disponíveis para os historiadores sempre serão importantes, sendo elas consideradas verdadeiras ou não, precisamos pensar o ‘fazer História’ procurando o diálogo e os pontos em comuns que pautam as pesquisas dos historiadores, pontos estes que poderão refletir o que chamamos de operação historiográfica, como disse Lopes (2012) em seu artigo, “Reflexões sobre a operação historiográfica: diálogos e aproximações possíveis”. Esta reflexão precisa levar em consideração ‘o tempo presente desafiando a libertação da História de seus antigos programas e de oferecer novas problematizações para o presente’.

Lopes (2012) fala sobre reconhecer a história e a historiografia como práticas de diferenciação porque quando se faz este reconhecimento existe a possibilidade de se criar o diálogo entre os pesquisadores, pois como mencionou Aguirre Rojas (2007, p. 07) “é impossível fazer uma história séria, de qualquer fato, fenômeno ou processo, em qualquer momento ou etapa do ‘passado’ ou do ‘presente’ que não demonstre em sua análise a necessária finitude e caducidade do que se estuda...”. Ponto este que fora corroborado por Albuquerque Júnior (2006, p. 211), “Ser historiador é lidar com a morte de todas as coisas, inclusive de nossas certezas mais queridas.” A História pode ser considerada a realização concreta da mudança de tempo Lopes (2012, p. 96,97). Tanto que Humboldt, Droysen e Nietzche trouxeram novas propostas sobre o que chamamos de operação historiográfica, quando criticaram, por assim dizer, os alicerces da chamada história tradicional, que segundo Lopes(2012), estes pesquisadores precederam a Escola de Annales, fazendo com que a História se tornasse uma disciplina na qual poderiam ser discutidos os argumentos de forma permanente, tornado o século XIX como o “século da história”, e na sequência, de acordo com a ordem natural dos acontecimentos, o século XX se tornou um período no qual a História ampliou seu campo de atuação e diversificação ‘dos fundamentos teóricos e dos princípios metodológicos da História’.( Lopes 20212, p. 98). Como disse March Bloch (2001, p. 79): “tudo o que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele.” Sendo assim, ao refletirmos sobre o ‘fazer História’, não deve ser nosso objetivo principal ficar limitados, buscar se o texto é autêntico ou não, e além de usarmos os documentos como objetos de construção das realidades, devemos também procurar diversificar àquilo que chamamos de pesquisa histórica ampliando suas dimensões e procurando diversificar nosso entendimento como possíveis fontes para o desenvolvimento da pesquisa histórica (LOPES 2012, p. 101, 102).

Dentro do pensamento no qual procuramos a diversificação do entendimento da História, podemos usar como exemplo História do Cotidiano, História da Sexualidade, História do Gênero,  História da Economia,  História das Ciências e da Saúde, História do Meio Ambiente, podemos realizar o ‘Fazer História’ por conta de uma abordagem multidisciplinar, não obstante, mesmo com essa ampliação fica muito difícil abrir mão da ‘espinha dorsal’ do estudo da História, os documentos, que outrora são transformados em fonte histórica, pois precisamos ‘não só utilizá-los, mas também saber como poderemos trabalhar com esses documentos relacionando a determinados  tempos históricos, através da mediação que o historiador faz com as fontes por ele pesquisada. Isso nos mostra que a escrita histórica não pode ser considerada encerrada, pois quando falamos de passado, entendemos que o acontecimento não ocorreu no nosso tempo (parece uma redundância, mas essa colocação tem um peso gigantesco), mas sim em outro tempo em ‘contexto, condições de possibilidade, vontade de saber e de verdade. (LOPES 2012, p. 100-105)

Apesar do historiador não conseguir realizar plenamente a representação da fidelidade histórica, ele poderá ajudar a discutir e responder inúmeras questões que deixam as pessoas, e até mesmo os historiadores, inquietos, até que surja algo ‘novo’ que acrescente ou amplie essa discussão.  Apesar do autor Fábio Henrique Lopes entender que o historiador não tem como descobrir o que se conhece como verdade, mas interpretar o material de pesquisa que lhe é conferido, procurando dar sentido para este material sobre as questões do presente que estão sendo discutidas e dele entender que estas questões passadas para nós continuará sendo um mistério, é importante considerar o que fora chamado de ampliação do debate historiográfico que inclui novas vertentes na pesquisa histórica, a saber a História das Ciências, da Saúde e do Meio ambiente. Por quê?

Esse tipo de saber histórico não pode ser considerado de valor subjacente e nem um mistério, pois esse tipo de prática histórica se baseia também em documentos, no entanto, estes documentos transformados em fontes históricas, dependendo da situação, fornecem dados bem concretos sobre os acontecimentos ocorridos no passado, e ao contrário do que entende Fábio Henrique Lopes, poderão sim ser interpretados e não permanecerão como ‘um mistério’, tendo em vista que estes dados possibilitarão uma leitura mais próxima do que realmente aconteceu com determinada sociedade em determinado período.

O ‘fazer História’ poderia ser enquadrado numa questão que os debates historiográficos têm tratado dentro da perspectiva heurística. Na frase de um artigo de Talita Rabelo dos Santos (2020), ela usa a seguinte frase: “A História é a mesma, o cenário é o mesmo, só mudam os figurantes” (Rabelo, 2020). Muitos historiadores podem até não concordar com essa frase, mas quando analisamos inúmeros acontecimentos históricos, de forma simples, a frase mencionada tem um imenso significado. Por que se pode fazer tal afirmativa? Analisando o artigo de Line Maria Bertucci (1918)[1], “A onipresença do medo na influenza de 1918”, é possível aplicarmos a colocação de Rabelo, pois inúmeras expressões encontradas no texto de Bertuci, se não fossem mencionadas as datas, e se os trechos não fossem registros de fatos históricos relacionados ao ano de 1918, muitos leitores da atualidade entenderiam que o acontecimento citado se refere à pandemia da COVID 19, que ocorreu em 2020. Ou seja, o artigo de Bertuci pode ser perfeitamente tratado dentro da perspectiva heurística

Podemos encontrar ou abrir um novo caminho para operação historiográfica, sem é claro ter a palavra final sobre determinada pesquisa ou assunto, mas aprofundando as questões para chegarmos o mais perto possível de uma determinada universalização desta questão que está sendo debatida e tentar produzir o ‘fazer História’ visando a busca de novos caminhos, procurando entender as outras realidades da operação historiográfica, que neste trabalho vai procurar desenvolver esse ‘fazer História’ por meio do debate que envolve a rejeição do Antropoceno como era geológica.

Por conta dessa rejeição ao Antropoceno como uma era geológica, se faz necessário que debatamos o assunto por meio de uma abordagem que problematize a discussão sobre as mudanças climáticas e suas devidas implicações ao longo do tempo. A degradação ambiental é evidente, sendo que até mesmo os geólogos consideram o Antropoceno como um grande evento da história planetária. Essa discussão precisa ser de caráter multidisciplinar, pois não pode ficar restrita a um grupo específico, pois como enfatizou Dipesh Ckakrabarty (2009). Esse gigantesco evento da história do planeta Terra pode ser considerado como a fusão da história humana com a história do planeta.

Realizando uma pesquisa sobre a camada de ozônio a partir dos anos 2000, o químico Paul Crutzen entendeu que uma nova era havia começado na história do planeta Terra. Esse trabalho tem como pretensão associar a pesquisa de Paul Crutzen, Paulo Artaxo, McNeill , Peter Engelke, que complementaram as ideias de Crutzen debatendo a ‘Grande Aceleração’, e demais pesquisadores que entenderam o Antropoceno como uma nova era geológica. E com base na entrevista da pesquisadora Dominichi Miranda de Sá, mostrar que a Ciência da Terra não tem como aguardar a busca pelo marcador de uma nova época geocronológica pelos geólogos. O ensaio intenciona mostrar que a ideia do Antropoceno é bem real e está enraizada na epistemologia moderna.

O ‘fazer história’ na discussão antropogênica tem como objetivo relacionar o Antropoceno, com a mudanças climáticas e as consequências destas mudanças no ressurgimento e surgimento de antigas/ novas doenças causadas por bactérias /vírus, que segundo o conceito que será discute, a proposta é de que tais eventos possam levar a humanidade a sua extinção se não houver uma reordenamento nas ações antropogênicas. Dentro deste contexto, o ensaio adentra brevemente nas discussões propostas por Warwick Anderson sobre a permissão em se negligenciar a associação das doenças infecciosas com o debate ecológico, que segando-o, ambos os pontos deveriam ter um movimento convergente porque estavam associadas, pois uma relação entre a bactéria e o corpo do indivíduo’, não podendo ser desconsiderados separadamente

Hockman e Birn (2021) propuseram a mobilização das organizações internacionais e ações filantrópicas na questão sobre a discussão das epidemias/pandemias, refletindo sobre o impacto social das doenças. A visão social da doença é ampliada neste ensaio através discussão proposta André Felipe Cândido Silva que chama a nossa atenção sobre a descortinação do planeta pelo vírus da covid 19, chamado de “demônio ontológico” por Thacker, como uma expressão das dinâmicas do Antropoceno e do imaginário pandêmico com foco na saúde planetária que inclui o bem-estar dos seres humanos, não-humanos e a preservação do ecossistema. Sendo que neste contexto o trabalho apresenta o que seria o Bacterioviroceno.

  O trabalho visa também realizar uma associação da história humana com a história ecologia/ambiental propostas por Anna Tsing, que aborda o conceito da precariedade em caráter pessimista, com destaque para o capitalismo informal, que tem como exemplo de intercambialidade o plantation brasileiro. E Malcom Ferdinand, através de uma abordagem transdisciplinar, horizontal e vertical, das questões ambientais, na qual será brevemente incluída a hierarquização racista criada pelo ocidente, racismo ambiental, e a ecologia decolonial com destaque para o Capitaloceno.

E por fim analisar as questões levantadas por Ailton Krenak, para reordenar o pensamento humano sobre o trato com os ovos originários e como aprender da experiência destes povos com o relacionamento com a terra. Tentar entender, dentro da perspectiva de Krenak, a visão de Pluriverso inserida no debate antropogênico, debatendo a ideia de como os seres humanos poderiam usar a Terra de forma correta para evitar a destruição dela e em consequência da humanidade, com foco no respeito à individualidade de cada ser humano e as diferenças que existe entre nós.

Antropoceno: uma nova era geológica?

A questão que envolve o antropoceno no desenvolvimento de pesquisas é bastante significativa, pois este assunto está sendo debatido amplamente em todo o globo, mas, por incrível que pareça, esta discussão ainda não está ao alcance de todos. O debate se dá em uma abordagem de problematização das mudanças climáticas e suas devidas implicações ao longo do tempo, inserindo neste contexto a produção de energia, a poluição, o crescimento populacional, consumo desenfreado de alimentos e outras situações de natureza semelhante e de grandes proporções, que constituem um desafio para a modernidade. A noção de  senso comum no qual está englobado o tema da educação ambiental, no contexto do antropoceno, passando  por uma visão na qual as pessoas e sociedade, passam a entender  que  existe uma costante degradação da natureza, degragadação essa em que  se observa os efeitos sobre o clima, e  com certeza são perceptíveis e estão  provocando  o sentimento da população mundial em se esforçar de forma urgente em mudar o pensamento em relação aos cuidados com o meio ambiente e sua devida prerservação.

Paulo Artaxo(2014), mostra que o planeta terra tem sofrido profundas transformações, e ainda passa por elas. E desde o surgimento da espécie humana na terra, esta mesma tem sido responsável por mudanças drásticas no sistema terrestre e estas mudanças, que podem ter iniciado o com o advento da Revolução Industrial, impactou o crescimento populacional nos últimos três  séculos, aumentando a necessidade de uso de recursos naturais, energia, alimentos e bens de consumo.

O tempo geológico o qual estamos vivendo, de acordo com o entendimento dos geólogos, é o Holoceno, no qual está incluída toda a história da humanidade, incluindo as práticas agrícolas, bem como o equlíbrio da temperatura média da Terra. Não obstante, a partir dos anos 2000, o químico Paul Crutzen, que realizou um trabalho sobre a destruição da camada de ozônio na estratosfera, percebeu o aumento de dióxido de carbono nesta camada, e segundo seu entendimento, bem documentado, essa mudança ocorria de forma dramática e a mesma estava tendo consequências com enorme potencial para a vida na terra. Na conclusão de seu trabalho Crutzen entendeu que uma nova era havia começado na história do planeta Terra. Nessa etapa, a humanidade passa a ter parte significativa e poderosa, influenciando diretamente na ecologia global.   Paul Crutzen chamou essa ‘nova era’ de Antropoceno, “um novo período (seja época, período ou era, no jargão dos geólogos) em que as ações humanas ofuscam a silenciosa persistência dos micróbios e as intermináveis oscilações e excentricidades no mundo”. (MCNEILL e ENGELKE, 2014)

Segundo Paul Crutzen nossa entrada nessa era geológica se deu a partir do final do século XVIII quando a humanidade passou a utilizar a energia dos combustíveis fósseis. E segundo Peres (2023), cientistas de diferentes áreas estão tentando compreender o impacto causado pela deterioração da nossa condição de habitabilidade por conta das ações antropogênicas[2] sobre a biosfera, do ponto de vista sistêmico. E até que ponto estas atividades se tornaram realmente uma nova era geológica. Proposta esta que fora também corroborada pela nova ciência, chamada de ‘Ciência do Sistema Terra’ (CST), um conjunto diverso de abordagens que partem da relação intrínseca entre a geologia e a biologia no planeta.  Essa nova ciência surgiu no período denominado de Guerra Fria (um combate indireto travado pelos E.U.A. e a antiga U.R.S.S, que hoje conhecemos como Federação Russa). O contexto do surgimento dessa ciência, além do ponto mencionado, incluiu também o período no qual ocorreram inúmeras pesquisas de caráter transnacional e transdisciplinar, que envolviam a cooperação direta e indireta de agências multinacionais em múltiplas áreas de conhecimento, cooperações que não envolviam diretamente os países onde estariam localizadas estas organizações. Esses programas de pesquisas foram chamados de Big Science.[3]

A pesquisadora Dominichi Miranda de Sá em sua entrevista publicada na seção de notícias do site da Casa Oswaldo Cruz- FIOCRUZ, enfatizou a importância da História das Ciências para que possamos entender discussão sobre o Antropoceno, pois esse campo ajuda a mostrar a história do Antropoceno, desde quando começou até a presente data, bem como o cerne do papel da tecnociência nesta importante discussão.

Ainda falando sobre a ‘Ciência do Sistema Terra’, Dominichi Miranda de Sá frisou que esta nova ciência “colocou uma nova categoria geofísica no debate político e científico – o Sistema Terra”. A História das Ciências ajuda-nos a ‘enxergar’ que essa nova ciência é diferente da Geologia, porque ela trata desta discussão sob a ótica ocorridas em relação às mudanças biotermodinâmicas na Terra, o uso dos recursos hídricos e seus limites em todo o globo terrestre, bem como o tratamento da biodiversidade na Terra e a instabilidade desse sistema, diferente do que ocorrera no Holoceno. Ação essa que requer dinamismo por conta da ‘aceleração do tempo’ causada principalmente pelo consumo de energia, decorrente principalmente por conta do aumento da população mundial, que gerou outros fatores de instabilidade. A ‘Ciência do Sistema Terra’ acaba agindo de forma diferente da Geologia, que trabalha com processos de identificação muito rigorosos, que se tornam demorados, e como disse a professora e pesquisadora Dominichi Miranda de Sá, “estão buscando o marcador de uma nova época geocronológica”. Quando eles encontrarem estes marcadores, por conta da aceleração do tempo, os seres humanos provavelmente não estarão mais aqui neste planeta.

Dipesh Chakrabart (2013, p.5), citando a historiadora da ciência da Universidade da Califórnia, San Diego, Naomi Oreskes, mostrou que os cientistas não refutam que existe um determinado consenso sobre o aquecimento global e pelo fato do mesmo ser resultado de uma ação direta do homem na natureza. A realidade da mudança climática é percebida pelos cientistas, no entanto, o debate sobre ela não é conclusivo, pois segundo Orestes, continua em andamento.

Por séculos, os cientistas pensaram que os processos da terra eram tão grandes e poderosos que nada que fizéssemos poderia mudá-los. Este era um princípio básico da ciência geológica: que as cronologias humanas eram insignificantes comparadas com a vastidão do tempo geológico; que as atividades humanas eram insignificantes se comparadas à força dos processos geológicos. E no passado elas eram. Agora, não. Há tantos de nós cortando tantas árvores e queimando tantos bilhões de toneladas de combustíveis fósseis que nos tornamos agentes geológicos. Mudamos a química da nossa atmosfera, fazendo com que o nível do mar subisse, o gelo derretesse e o clima mudasse. Não há razão alguma para pensar de outra forma. (ORESKES, 2018 p.93)

 

Indo ao encontro do pensamento de Oreskes, Ckakrabarty entende que de forma histórica e coletiva, nós seres humanos nos tornarmos agentes geológicos por conta da nossa capacidade de desenvolver tecnologias que usadas em grande escala impactaram na estrutura do nosso planeta. Pensamento esse compartilhado McNeill, Peter Engelke, Gustavo Lagares Peres, Paulo Artaxo e outros, que escreveram sobre os impactos da ação humana no planeta Terra e seu bioma. Estes autores destacaram a relação dos usos das tecnologias com o aumento da população, que gerou uma demanda maior de energia, principalmente por conta da ocupação humana no planeta Terra.

Dentro desta discussão pode-se incluir o que Paulo Artaxo (2014 p.16 - 21)) chamou de ‘limites planetários’, que a abrange a questão da sustentabilidade ambiental global. Inserido no contexto dos ‘limites planetários’ encontram-se as mudanças climáticas- que estão alterando a composição da atmosfera pelo fato da grande emissão gases e aerossóis causados pelas atividades antropogênicas, conforme o Nobel de 1995, o químico, Paul Crutzen chamou a atenção.

Perda de ozônio estratosférico- que está ocorrendo por conta da combinação do aumento na concentração de substâncias criadas pela humanidade, a emissão constante e massiva de clorofluorcarbonos (CFCs), ‘com cristais de gelo em nuvens estratosféricas’. Essa combinação tem permitido a destruição parcial das moléculas protetoras de ozônio na estratosfera, alterando assim a composição climática, que atinge principalmente a biosfera.

Essa a forte interatividade entre esses parâmetros por conta da dos processos que governam nosso planeta, citados por Artaxo (2014) vem à mote do que Crutzen chamou de ‘o início do Antropoceno, no final do século XVIII, quando a humanidade iniciou a utilização em larga escala de energia dos combustíveis fósseis, começando com o carvão, através de mineração profunda e posteriormente a mineração de superfície, que se caracterizou pela remoção de montanhas, parcial ou totalmente. Em seguida, a exploração de petróleo, que trouxe a reboque, inúmeras e variadas questões ambientais. Sendo que a partir do início do século XX, essa perfuração passou a ser feita em locais ‘densamente povoados’, permitindo assim, a criação das ‘zonas de sacrifício’.

Como o ser humano nunca se satisfaz com o dano ao meio ambiente, que ele pertence, inclusive a própria humanidade, a busca por energia fóssil alcançou as profundezas do mar. Tendo em vista o aumento dos preços da energia praticados na década de 1970, o fundo do mar, junto com as florestas tropicais e a região do Ártico ´passaram a ser objetos de exploração de petróleo’. Não é de admirar que com essa fonte vieram também vários vazamentos, acidentes, explosões que causaram incontáveis desastres ambientais. Vale lembrar que o petróleo bruto, com exceção de pequenas concentrações, é extremamente tóxico para grande parte das formas de vida, se não para quase todas, além de dificultar em muito as formas de vida que são atingidas por esse petróleo.

Os acidentes em minas de carvão e as explosões de oleodutos ceifaram muitos milhares de vidas nas décadas após 1945, mas nem de longe tantos como a combustão rotineira e pacífica de combustíveis fósseis. A poluição do ar, principalmente causada pela queima de carvão e petróleo, matou dezenas de milhões de pessoas. (McNeill e Engelke, 2014 p.24)

Os produtos derivados do refinamento de petróleo podem ser considerados o que McNeill e Engelke chamaram de combustão rotineira e pacífica dos combustíveis fósseis, além das ‘chuvas ácidas’, que causam efeitos ruins sobre a vida, de uma forma geral.  A quantidade de enxofre liberada por vulcões e incêndios florestais na década de 1970 era infinitamente inferior à emissão deste mesmo elemento pela combustão de carvão, que girava em torno de dez vezes mais, no mesmo período. “O dióxido de enxofre em contato com gotículas de nuvens forma ácido sulfúrico, que retorna à Terra com chuva, neve ou neblina (comumente chamada de chuva ácida). A chuva ácida muitas vezes também contém óxidos de nitrogênio, provenientes da combustão de carvão ou óleo.   (McNeill e Engelke, 2014 p.26)

Um outro processo que também caracteriza a intervenção humana no bioma terrestre é a acidificação dos oceanos. Esse processo ocorre por conta do aumento da concentração atmosférica de CO2. A solubilidade do CO2 na água do mar, que é de natureza alcalina, faz com que esse gás seja absorvido pelos oceanos. Esse processo afeta todo o bioma marinho. Além disso, o excesso de nutrientes encontrados na água do mar por conta da utilização desenfreada do uso de fertilizantes, prejudica ainda mais o ecossistema marinho. Alie-se a isso os ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo, que tiveram aumento em suas utilizações por conta das crescentes atividades agrícolas que tornaram o ciclo natural destes elementos maiores. E isso pode resultar na remoção do oxigênio dos oceanos, afetando de forma dramática o modo de vida, nesse meio e por tabela, em todo o bioma terrestre. (ARTAXO 2014 p.18)

A perda da biodiversidade e as mudanças no uso do solo afetam, respectivamente e de forma negativa, o planeta Terra e seu sistema, tornando o nosso bioma completamente vulnerável às mudanças climáticas causadas pelo próprio homem, levando até mesmo a extinção de muitas espécies, que poderá também nos levar à extinção, se essa interferência não for de certa forma freada. E com o aumento exponencial das práticas agrícolas, incluindo produção de alimentos em larga escala e o aumento das pastagens para o desenvolvimento de atividades pecuárias, o número de florestas têm diminuído, consecutivamente isso contribui efetivamente para a alteração do clima no planeta.

As atividades agropecuárias e de produção de alimentos em larga escala requer o uso significativo de água, bem como, e principalmente o mundo urbanizado. Logo, essa necessidade de água também fez com que o homem desenvolvesse técnicas para a utilização dessa água em vários campos da vida, além disso, a água tem enorme importância para manutenção das florestas, regular a biodiversidade e sequestro de carbono, impedindo o excesso da aglutinação do carbono com o oxigênio, que conhecemos como dióxido de carbono (CO2) gás altamente tóxico. Sendo que um destes campos de enorme significado é a construção de hidrelétricas, que provocaram a alteração de vários biomas e deslocamento de milhões de pessoas para a instalação destas gigantes hídricas. Isso causou um impacto ambiental e social de grandes proporções. Não obstante, o homem tem usado inadvertidamente os recursos hídricos, além de contaminá-los também. E como consequência, a quantidade de água potável está diminuindo vertiginosamente, aumentando o risco da nossa existência.

Outro elemento importante que tem contribuído para a alteração do bioma terrestre é o uso de energia nuclear, a partir de 1942, quando Enrico Fermi ‘supervisionou a primeira reação nuclear controlada, em uma quadra de squash reformada sob as arquibancadas de um estádio de futebol na Universidade de Chicago’. Na sequência, o uso dessa nova energia em forma de bomba, em Hiroshima e Nagazaki, na segunda guerra mundial, é sabido por todos. O uso desta forma de energia veio seguido de acidentes nas décadas de 1960 a 1980. E para piorar, mesmo que os acidentes não ocorressem mais, o que é praticamente impossível, o uso da energia nuclear tem um outro problema seríssimo, o descarte do lixo produzido para a obtenção dessa energia, lixo esse que é altamente contaminante, e que tem uma vida útil muito longa, assim, com a união destes fatores, alto risco de contaminação, descarte sem solução e vida útil prolongada, o lixo nuclear é uma ameaça constante para a humanidade, podendo abreviar a existência da mesma no planeta Terra.

Não menos importante nesta discussão sobre o Antropoceno, é a nossa existência.

Em 1780, cerca de 800 milhões a 900 milhões de humanos caminhavam pela Terra. Em 1930, havia cerca de 2 mil milhões e, em 2011, 7 mil milhões. As pessoas da época não o detectaram, mas em meados do século XVIII começou um aumento prolongado no número de seres humanos. Começou lentamente e (como veremos) atingiu um crescendo depois de 1950. Nenhum outro primata, talvez nenhum outro mamífero, alguma vez desfrutou de tal frenesim de reprodução e sobrevivência na história da vida na Terra. Não há nada na história demográfica da nossa espécie que se compare ao moderno aumento da população – nem haverá novamente. (MCNEILL e ENGELKE, 2014 p. 6)

 

Essa numerosa população que passou a habitar o planeta necessitou, e ainda necessita da energia e das práticas resultantes dela, como está sendo discutido neste ensaio. Sendo que essa demanda de energia associada ao aumento da população, de forma geométrica, como assinalou Macneil e Engelke, permitiu aos humanos serem enquadrados como atores no processo de mudança   que estão ocorrendo no nosso planeta, diretamente falando, os humanos, quer voluntaria ou involuntariamente, se tornaram ‘agentes geológicos’. O aumento da população converge com o que Ckakrabarty chamou civilização industrial, pois independente dos sistemas e das sociedades, o modo de vida industrial da humanidade ultrapassa os sobre sistemas e de sociedades. Concordo com Chakrabart quando ele destaca que a história das formas de vida das sociedades vai além dos sistemas, porque essa história  também se integra à história de vida do planeta, que é afetado pela quantidade de seres humanos que habitam e habitarão esse planeta e suas necessidades, que estão indo de encontro a conectividade com os não-humanos, que junto com o planeta, sofrem com as consequências das ações humanas de natureza equivocada em relação ao uso do nosso planeta e seus recursos.

Não se pode ignorar que o aumento populacional e as demandas que exigem do mesmo, altere de forma significativa o bioma terrestre e tudo o que está inserido nele, pois conforme enfatizou Paulo Artaxo (2014 p. 19), “existem fortes efeitos não lineares entre a extinção de espécies e as mudanças ambientais globais, que ainda não são completamente compreendidos”. O fato de não compreendermos efetivamente estes efeitos não nos impede de chegar à conclusão de que as ações antropogênicas afetaram. A ainda afetam negativamente o sistema Terra.

Levando em consideração que no final do século XVIII com uma população de aproximada de 700 milhões, muitos pesquisadores indicaram que conseguimos adentrar numa nova era geológica, o que dizer das ações de uma população aproximada de mais de 8 bilhões e toda a tecnologia à disposição? Nesse ritmo desenfreado, além de acelerarmos o tempo, aceleraremos também os passos para a nossa extinção como espécie.

A professora e pesquisadora Dominichi Miranda de Sá, comentando sobre a decisão dos geólogos em não considerar o Antropoceno uma nova era geológica mencionou que as notícias sobre esta decisão ‘estão um pouco exageradas’. Isso é fato porque os geólogos não estão levando em conta outros fatos importantes para se discutir esse assunto. O assunto precisa ser discutido de forma mais ampla, ser visto “sob as lentes da história das ciências (...) porque é um debate sobre evidências científicas, teorias, metodologias, abordagens, (...) sobre autoridade científica, expertises, diferentes paradigmas disciplinares e disputas sobre como a ciência deve funcionar”, pontuou a pesquisadora Dominichi.

A ideia do Antropoceno não é algo superficial que tenha surgido de forma acidental, é um conjunto de fatores inseridos em inúmeras ações que envolvem sistemas de sociedades, governos, indústrias tecnociência e afins que está enraizado na epistemologia moderna. É real, o problema existe. Negar a existência do Antropoceno é comparável, nas suas devidas proporções, à uma pessoa com doença crônica que nega que possui essa doença, não se trata, e como consequência, essa doença vai lhe tirar a vida de forma acelerada.

As Ciência da Terra, com seus programas de pesquisas multidisciplinar, transnacional e transdisciplinar, desenvolveu novas técnicas com a utilização de equipamentos e instrumentos científicos que ajudam a compreender o Sistema Terra como destacou Dominichi Miranda de Sá. Essa mudança de paradigma, o Antropoceno, externa que a problematização do assunto vai além de questões nomenclaturais, pois inúmeras questões e conhecimentos estão envolvidos neste debate. Precisamos pensar na discussão além ‘da caixinha’ imposta pelos geólogos. É uma questão da nossa sobrevivência como espécie.

Os geólogos entendem que o Antropoceno é um grande evento da história planetária. No entanto eles desconsideram esse evento como uma era geológica pelo fato de que, no entendimento da geóloga, estes processos precisam ser considerados ao se levar em conta outros marcos temporais, com explicou a professora e pesquisadora Dominichi Miranda de Sá:

“Alegaram (os geólogos) que seria preciso considerar outros marcos temporais, como, por exemplo, o início da agricultura, há 10 mil anos; a colonização das Américas e do Pacífico, com devastação ambiental e drenagem de recursos naturais de outros lugares do planeta para a Europa; a Revolução Industrial, no século 18, com a queima de combustíveis fósseis. Esse debate sobre o início do Antropoceno é o pomo da discórdia e esse ponto, exatamente, levou à rejeição do Antropoceno com uma nova época geológica.[4]

Mesmo que o Antropoceno não seja considerado uma era geológica pelos geólogos, é importante destacar que não existe da parte deles uma negativa, no que diz respeito às mudanças climáticas ocorridas na Terra. No entanto essa posição se torna um tanto quanto paradoxal pelo fato de que estas mudanças climáticas são decorrentes das ações antropogênicas, e que receberam várias nomenclaturas derivadas do Antropoceno, Plantationceno, Fagoceno ou Angloceno, Capitaloceno, Negroceno, Sojaceno, Lixoceno, Tecnoceno e a que será discutida neste trabalho, o Bacterioviroceno. grosso modo as mudanças que ocorreram e que ainda ocorrem no nosso planeta são oriundas das ações humanas em diversos períodos, com destaque para a ‘grande aceleração’, que colocou a humanidade em rota de colisão com a sua existência.

 

 

 

Antropoceno e as mudanças climáticas ao risco de novas epidemias/pandemias causadas por bactérias e vírus.

Quando se fala sobre doença é provável que se discuta crises e rupturas dentro de determinada sociedade, que podem ou poderão ser provocadas por epidemias, pandemias e endemias. Doenças podem ser causadoras até mesmo de mudanças demográficas, ou serem o reflexo destas mudanças, da maneira de como nós seres humanos utilizamos o planeta Terra, influenciando também na cultura, promovendo a indústria cinematográfica e cultural e suas inúmeras vertentes, como a música. Doenças trazem a morte em sentidos, épocas e formas diferentes, determinando a trajetória de povos e sociedades através de processos direcionados que podem ser contextualizados dentro do conceito da construção social dos povos, influenciando quer direta ou indiretamente as políticas públicas eficazes para que as doenças possam ser contidas, desta forma, permitindo-se um grau de normalidade dentro das sociedades.

A saúde precisa ser discutida no contexto relacionado a questão do bem-estar social coletivo, não ficando presa somente ao acesso médico da população, porque não tem como separar a história da saúde populacional com a história do funcionamento do poder, pois desta forma, se entende que a saúde da população pode ser considerada um fenômeno político, pois a saúde coletiva pode ser considerada dentro do contexto político e socioeconômico. Tendo em vista a discussão proposta pelo professor e pesquisador Gilberto Hochman (2021), pode-se dizer que a percepção de que as epidemias/pandemias, além de ser consideradas pelos historiadores como fenômenos biológicos, podem e devem ser consideradas fenômenos sociais e naturais, porque nas epidemias/pandemias fica demonstrada uma inter-relação entre nós seres humanos, os patógenos e o meio ambiente.

 Ao mesmo tempo em que observamos esta inter-relação, visualizando com ‘as lentes de Rosemberg’ (1997), estes fenômenos atingem um contorno de materialidade que são enquadrados de acordo com determinados esquemas de interpretação e de classificação social, os quais passam a ser pontuados em um contexto mais particular (framing disease). Assim as doenças, enquadradas no contexto social, biológico e natural, delimitam um sentido mais particular no que diz respeito aos processos sociais e políticos, nos quais são envolvidos inúmeros atores no cenário brasileiro e mundial também. A doença precisa e deve ser entendida como um processo de construção social, no qual une-se o social ao biológico, desta forma, cria-se uma via que nos permite obter o conhecimento sobre as estruturas e as mudanças sociais, demográficas, de deslocamento populacional, sentimento de pertença, no qual insere a doença no contexto do processo de formação de estados nacional.

 Nascimento et al(2002),  citando Delumeau,  enfatiza que até na questão da morte, causada pela doença, existe a influência da mesma na sociedade, porque os rituais fúnebres são responsáveis  pela união do morto com seus entes queridos, conferindo, por assim dizer, dignidade aos mortos, porque se com o ritual de enterro a morte já é terrível, não é difícil imaginar a pessoa não ter a possibilidade de enterrar seus mortos, como ocorreu recentemente com os milhares de mortos da pandemia de covid 19 aqui no Brasil e no mundo.

Devemos refletir sobre nossas responsabilidades em até que ponto poderemos contribuir para deflagar flagelos que outrora poderão causar a nossa extinção, tendo em vista que as pandemias podem estar ligadas ao Antropoceno, evidenciando-se que precisamos, através das doenças, epidemias/pandemias e similares, ter uma percepção melhor de toda a estrutura da complexa ecologia, inserida no contexto social, tendo em vista que existe uma interação entre as doenças, nós seres humanos e os não-humanos, porque o estudo da doença pode ser considerado uma ferramenta, e também uma amostragem multidimensional, sendo importante como uma ferramenta analítica para as ciências sociais em sua generalidade, não somente para a medicina. (ROSENBERG 1997).

A percepção ecológica raramente estava ausente da medicina tropical; assim, em certo sentido, a ciência biomédica "convencional" estava simplesmente se atualizando, reconhecendo que a doença, mesmo na Europa e na América do Norte, poderia ser o resultado de processos dinâmicos em um ecossistema global(...) Durante a década de 1990, a preocupação ampliada sobre doenças infecciosas emergentes, juntamente com medos de aumento da resistência aos antibióticos e os efeitos da mudança climática na saúde, aumentariam o interesse na ecologia das doenças. Stephen S. Morse, virologista e imunologista da Universidade Rockefeller, juntou-se a Lederberg para argumentar que, uma vez que "a maioria dos vírus 'novos' ou 'emergentes' são o resultado de mudanças nos padrões de tráfego que dão aos vírus novas “rodovias", precisamos de "uma ciência dos padrões de tráfego”, parte biologia e parte ciência social (ANDERSON, 2004 p.59,60)

 

 

A discussão sobre doenças transpôs os muros do reducionismo e isolacionismo que separava a questão de saúde da questão socioambiental. A partir do século XX e início do século XXI, o entendimento sobre doença foi ampliado, e como destacou Warwick Anderson, existe uma relação entre saúde e história. As fronteiras transnacionais são criadas pela humanidade, pois as perspectivas ecológicas ultrapassam a escala da individualidade do indivíduo, redundantemente falando. É notória a presença de elementos não-humanos na questão ecológica, estes elementos podem e devem ser inseridos no centro do palco deste debate.

No final do século XIX até quase a metade do século XX, os micróbios eram ignorados e o estudo sobre estes elementos se dava à parte da maioria dos estudos biológicos. O desenvolvimento dos antibióticos e das vacinas entre os anos de 1960 e 1970 de acordo com o entendimento de Warwick Anderson, acabou permitindo que se negligenciasse a associação das doenças infecciosas com o debate ecológico, ou seja, ambas as discussões deveriam ter um movimento convergente porque estavam associadas, mas isso não fora percebido neste período.

A guerra descrita por Lederberg no ano 2000, que colocava os micróbios de um lado e os seres humanos do outro, deixou de existir, por assim dizer, quando doenças como a AIDS vieram à tona.  A partir dos anos 1980, percebeu-se o ponto de virada sobre o conceito histórico das pandemias, através do qual passou-se a se entender a luta contra as doenças através do uso de antibióticos, vacinas inseticidas e demais ferramentas usadas no contexto higienista.

As epidemias têm sido discutidas com mais frequência por diversos pesquisadores das inúmeras areas das ciências e pesquisadores historiográficos de diferentes estirpes e nacionalidades. ‘Inaugurou-se a era em que os microrganismos passaram a criar resistência aos antibióticos. Lederberg frisou que precisávamos entender as infecções de micro-organismos do ponto de vista destas criaturas, uma visão de caráter ecológica. Os pesquisadores precisavam discutir a influência do meio ambiente no debate sobre saúde, pois as doenças infecciosas poderiam ser consideradas como ‘uma relação entre a bactéria e o corpo do indivíduo’, não podendo ser desconsiderados separadamente’. (ANDERSON, 2004 p.41)

A abordagem de Warwick (2004) nos direciona para a recuperação de formas variadas de compreensão ecológica, que segundo ele, ficou presa sob a égide do reducionismo. Por este motivo, destacar a história natural da doença tentando descrever essa história por meio de uma rede internacional de pesquisa, explorando variados nichos institucionais e sociais ocupados pelos cientistas que discutem a ecologia das doenças, passou ser o principal objetivo de Warwick. No entanto, dentro do seu conceito, Warwick entende que ‘a ecologia de doenças postulou uma escala de tempo evolutiva, modelos que eram integrativos e interativos e um escopo global e abstrato, modelo esse visível somente para os especialistas, que ficava fora do alcance do público em geral’. (WARWIC, 2004 p.41, 42)

Para Warwick os processos evolutivos, atuando de forma globalizada, seriam os responsáveis pelo surgimento das consideradas ‘novas doenças’, por conta da modificação dos ambientes por intermédio da urbanização, desmatamento e demais ações antropogênicas. Esse processo permitiu a alteração dos padrões das doenças e promoveu a proliferação de micro-organismos. Levando em consideração essa ponderação, evidencia-se, por assim dizer, que principalmente depois da ‘grande aceleração’, as ações humanas passaram a impactar, de forma mais latente, o bioma terrestre e todo o seu funcionamento estrutural, incluindo nisso o desenvolvimento e proliferação de ‘novas doenças’. Logo, convergindo com outros autores mencionados neste trabalho, as ideias de Warwick apontam que o desenvolvimento da ecologia de doenças não tem como andar dissociado da globalização social, política e econômica. Podemos dizer que não existem vários Sistemas Terra’, mas somente um ‘Sistema Terra’.

 

Hockman e Birn (2021) destacaram a mobilização das organizações internacionais e ações filantrópicas na questão sobre a discussão das epidemias/pandemias, frisaram também sobre os debates no tocante ao caminho a ser tomado pelos países no pós- independência e pós- emancipação dos escravizados. Além disso, a reflexão do impacto social, econômico, político e cultural das epidemias/ pandemias, sobre as relações entre as epidemias e meio ambiente, entre doenças e crise climática, sobre concepções de raça e etnicidade, sobre o racismo e sobre a desigualdade de gênero em contextos epidêmicos e sobre como a circulação de conhecimento e (des)informação, precisam fazer parte dessa mobilização transnacional.

Essa abordagem feita por Hockman e Birn nos mostra, como historiadores das ciências, que precisamos  entender  que epidemias são, ao mesmo tempo, fenômenos biológicos e sociais que não pode ter o fim determinado apenas pela existência de uma vacina, ou ‘uma solução mágica’, solução essa criticada por Warwick Anderson, ou de  uma  vacinação em massa, tendo em vista que existem inúmeros fatores inseridos neste contexto. As epidemias/pandemias revelam as próprias incertezas do conhecimento científico e biomédico, demandando análises mais mais críticas e os modos pelos quais diferentes sociedades relembram suas crises epidêmicas, ou as apagam de suas memórias, tendo em vista que este esquecimento denota relações com um passado incômodo, com as avaliações sobre omissões e decisões tomadas e os seus efeitos díspares em termos de classes sociais.

A saúde, além de ser discutida no âmbito de uma visão heurística, precisa ser analisada no contexto relacionado a questão do bem-estar social coletivo, não ficando presa somente ao acesso médico da população, porque não tem como separar a história da saúde populacional com a história do funcionamento do poder, pois desta forma, se entende que a saúde da população pode ser considerada um fenômeno político.

No  contexto da pandemia do HIV-AIDS esse conceito social se tornou intrigante pelo fato de que a AIDS fora caracterizada como “doença moral”, que chegou a ser chamada de ‘câncer gay’, ‘peste gay’, como descreveu Eliza Vianna (2022), além dos doentes serem culpados pela doença e pela pandemia, que muitos não entenderam ou até mesmo fingiram não entender, que estava ocorrendo uma pandemia reconhecida mundialmente, preconceito este aumentado pela medicina, a qual, no início da pandemia do HIV-AIDS, passou a isolar os pacientes portadores do vírus de forma indiscriminada, procedimento esse que fortaleceu o preconceito contra os ‘aidéticos’.

Objetivando frear essa linha de raciocínio preconceituosa e sem conhecimento científico muitas organizações não-governamentais (ONGs) atuaram na contramão desse processo de estigmatizarão e estereotipação em que determinado grupo é acusado de ser o responsável pela pandemia do HIV-AIDS. A partir dessa visão multifacetada em relação a AIDS, a pandemia do HIV-AIDS passou a ser considerada de natureza social porque ocorreu a inter-relação entre a sociedade, o vírus e as intercorrências sociais inerentes de inúmeras sociedades, a influência do meio foi entendida como um fator caracterizante para se discutir a questão da saúde associada à discussão antropogênicas.

O problema da saúde pública pode ser ligado tanto com a pandemia/ epidemias e questão antropogênica associada à relação de humanos e não-humanos nesta discussão complexa. Logo, por este e outros motivos, se faz necessária uma análise mais crítica das pandemias e epidemias, pois se esquecermos destas crises, poderemos ser suprimidos dos incômodos que elas causaram, quais as omissões ocorreram, como foram realizadas as tomadas de decisões, e como estas decisões afetam as classes sociais, pois é mister considerar que pandemias as deixam muito explícitas as desigualdades porque a grande maioria dos mortos possui uma classe social, raça, etnicidade, gênero, profissão e demais nomenclaturas que possam ser inseridas nesta abordagem, além de possuírem uma relação intrínseca com o meio ambiente (HOCHMAN, 2021), pois as doenças não podem ser enxergadas como algo à parte do ‘Sistema Terra’.

Até que ponto as ações humanas podem influenciar na propagação de epidemias/pandemias? Essa é uma pergunta as ser considerada porque nos séculos XX e XXI, temos presenciado eventos dessa natureza em caráter exponencial. O ano de 1918 nos apresentou a gripe causada pelo vírus influenza, chamada de gripe espanhola. Na década de 1950 a “gripe asiática” alcançava o Brasil.  Na década de 1980 tivemos a pandemia de HIV e em 2020 a pandemia da COVID 19.

Na narrativa sobre as pandemias, ficou perceptível a tentativa de estabilização e a compreensão melhor dos fatos, por conta das inúmeras incertezas relacionadas a estes eventos. Incertezas em relação ao conhecimento sobre o modo de transmissão e sobre o tratamento, às diferentes respostas das autoridades públicas, o papel da imprensa, às disputas e ofertas de cuidados, terapias e curas, ao papel dos médicos e de outros profissionais de saúde, como os farmacêuticos e enfermeiras, às instituições assistenciais, à desconfiança e a tentativa de tercerizar a culpa  pelos flagelos à um grupo específico, mas desconsiderando a natureza antropogênicas destes eventos, bem como a ‘reação da natureza’ à essa intervenção humana no seu funcionamento.

Tendo como exemplo a pandemia de COVID 19, parece que ficou muita clara a discussão da aceleração do tempo, porque percebemos que fora  inserida no contexto epidêmico a explosão de inúmeras produções em todas as esferas da comunicação: mídia escrita e alternativa, de áudio, de vídeo, publicações de livros, de periódicos  científicos de história e ciências sociais no Brasil e no restante do mundo. Principalmente porque essa doença mostrou-se agustiante, tendo em vista que a covid 19 descortinou a possibilidade da extinção da raça humana, levando em consideração que  esta moléstia só ataca aos seres humanos, logo, o vírus da covid 19 aparentemente estaria atuando como um sistema de defesa da terra contra a ação dos humanos, o Antropoceno.

Para nos ajudar a entender a associação das crises sanitárias causadas por vírus e bactérias com a discussão do Antropoceno, se faz importante compreender os argumentos apresentados por André Felipe Cândido Silva (2020). Durante a pandemia da COVID 19, André Felipe analisou o trajeto do SARS-CoV-2, que segundo suas pesquisas, era proveniente de uma espécie de coronavírus de morcegos selvagens. Esse vírus alcançou os humanos depois de passar por um intermediário mamífero, que tudo indica ser o pangolim. A dimensão ecológica desta pandemia tem motivado a correlação com o conceito de uma nova época geológica conformada pelas ações humanas no Sistema Terra – o Antropoceno (SILVA; LOPES, 2020)

O “demônio ontológico”, SARS-CoV-2, permitiu aos seres humanos enxergarem o planeta como um só ‘corpo’. Nos permitiu também entender essa situação como uma expressão das dinâmicas do Antropoceno e do imaginário pandêmico, levando-se em consideração a sedimentação de uma nova forma de saúde, denominada de saúde planetária, a qual destina-se manter o foco no que diz respeito ao bem-estar dos seres humanos e dos demais seres vivos, bem como a preservação do ecossistema.

É importante analisarmos o que André Felipe(2021) chamou de ‘utopia sanitária’, que segundo ele, consiste na relação entre humanos e não-humanos, realizando uma associação com estas duas abordagens no contexto da emergência da saúde planetária, mostrando assim, que a covid-19 atua como uma parte do Antropoceno, tendo em vista a ação dos humanos na biosfera, que segundo o autor, em diálogo com outros autores, se iniciaram a partir de 178, conforme discutido anteriormente,  e com destaque para a “grande aceleração”, que a partir de 1950, por conta da maior escalada dos processos industriais, no crescimento populacional; crescimento econômico; uso de recursos como óleo; água e energia primária; consumo de fertilizantes químicos e pesticidas; aumento da circulação de automóveis, das telecomunicações e do turismo internacional; aumento da emissão de gases-estufa; da temperatura terrestre, da acidificação dos oceanos; do uso do solo, da perda de cobertura vegetal das florestas tropicais; da degradação da biosfera e todos os eventos  relacionados às ações do ser humano no planeta; como destacou STEFFEN et. al., 2011, mostraram que as ações antropogênicas podem estar ligadas diretamente às questões epidêmicas. Ficando esta pandemia situada, segundo alguns autores, como Paulo Artaxo (2020) no contexto das crises sanitária, climática e de perda da biodiversidade.

André Felipe elencou também que a agricultura, atuando como principal fator da perda de biodiversidade na aceleração das extinções das espécies, pode ter atuado  como uma  causa essencial da pandemia do coronavírus, pois esta atividade contribuiu e ainda contribui, principalmente a monocultura,  que vírus “ilesos”, transformados pelas técnicas agrícolas utilizadas e insumos químicos,  acabam se transformando em agentes catalisadores com potencial de letalidade assustador, e complementando esta situação, é válido ressaltar que a agricultura contribui também  para mudanças no perfil relacionadas ao uso do solo, altera os ciclos biogeoquímicos do nitrogênio e do fósforo, por conta do uso excessivo  de fertilizantes químicos, alterando o ciclo da água por conta da necessidade de irrigação e além de contribuir na extinção de inúmeras espécies em virtude do desmatamento para se introduzir as atividades agrícolas de caráter industrial. Desta feita, é importante destacar, que segundo André Felipe, ponto de vista que concordo, tais processos são configuradores do Antropoceno.

O vírus da COVID 19 não levou em consideração as fronteiras que nós seres humanos estabelecemos. Ignorou completamente quaisquer limites das nossas propriedades privadas, e mais, desconsiderou totalmente as classes sociais, ao mesmo tempo essa pandemia nos condicionou a percebermos a necessidade de estender os meios de proteção aos membros mais distantes das nossas famílias, assim como promoveu forte colaboração entre comunidades médicas, científicas e de saúde pública em nível internacional. A discussão sobre a saúde dos humanos e não -humanos precisa ser tratada em conjunto com os ecossistemas do planeta, pois a maioria dos vírus 'novos' ou 'emergentes' são o resultado de mudanças nos padrões de tráfego que dão aos vírus novas “rodovias", com o destacou Warwick, existe a necessidade de "uma ciência dos padrões de tráfego”, que inclui tanto as discussões biológicas, bem com as sociais (ANDERSON, 2004 p.59,60)

 O nosso ponto de vista precisa ser voltado para debater a questão da saúde planetária, pois precisamos reconhecer que a degradação da biosfera afeta o bem-estar humano e não-humano. Não tem como separar o biólogo do social. Precisamos pensar no planeta Terra como algo único, como um ‘sistema de vida interrelacional de dependências mútuas entre humanos e não- humanos.

O vírus da covid 19 nos mostrou que precisamos enxergar a doença como parte de um sistema, no qual está incluído, o que André Felipe chamou, ‘uma nova forma de saúde- a saúde do planeta- que passa a focar acoplamentos entre o bem-estar humano e dos demais seres vivos e dos ecossistemas’. O SARS-CoV-2, com a pandemia da covid 19, bem como as demais pandemias zoonóticas, atuaram como vários braços do Antropoceno. Estes eventos de certa forma acabaram proporcionando a evidência, mesmo que seja complexa, da ação antropogênica na biosfera terrestre. Sendo que essa ação foi além da questão da saúde de forma isolada. Ela incluiu os “dilemas epistemológicos e políticos no seu enfrentamento, a problematização do estatuto ontológico do humano e das formas de enredamento com os “mais-que-humanos”, bem como a manifestação dessa problematização nos imaginários políticos e de saúde”.  (SILVA, 2021 p.167, 168)

“A covid-19 somou-se a uma sequência de epidemias de origem zoonótica deflagrada com o surgimento do Ebola, em 1994, seguido da gripe aviária, do vírus Nipah, doença de Lyme, Febre do Nilo, Hantavírus, Vírus Hendra, Vírus Marburg, Síndrome Respiratória Aguda, gripe suína, MERS etc. Estima-se que nos últimos trinta anos surgiram cerca de 200 zoonoses, origem de aproximadamente 65% das patologias que afetam as populações humanas. Nos anos 1990, tais pandemias geraram um padrão narrativo que se precipitou em produção cultural de ampla circulação, articulada de forma sistemática a imaginários políticos e científicos. Estruturante desse padrão narrativo é a ideia de “próxima peste”, título do best-seller de Laurie Garret (1995), publicado em 1994, no mesmo ano em que veio a lume outro livro de grande sucesso, de Richard Preston, The Hot Zone, que inspirou o filme Contágio, de Steven Soderbergh, de 2011. Tal como Epidemia, de 1995, Contágio integrou o conjunto de filmes de temática apocalíptica em que patógenos altamente contagiosos se somam a catástrofes como tsunamis, terremotos, furacões e invasões alienígenas. O leitmotiv da “próxima pandemia” preconiza a incidência, no futuro próximo, de um evento de extinção humana por pandemia provocada por um desses patógenos “emergentes”. Apesar de previsível, ela é inevitável. Segundo Priscilla Wald (2008, p. 10- 20)”. (SILVA, 2021 p.174)

 

As ‘fronteiras foram violadas entre humanos e não-humanos’ permitindo que as bactérias e os vírus ocasionassem as quebras de natureza tanto ontológica, bem como sociobiopolíticas. O que vem a seguir é a incerteza da nossa existência como seres. As ações antropogênicas tornaram a reação da natureza algo de caráter imprevisível, mesmo que paradoxalmente, possuamos alguma noção de previsibilidade nesta questão. No entanto, mesmo que consigamos prever, não conseguiremos evitar uma próxima pandemia, principalmente se continuarmos a causar danos de caráter irreversíveis ao bioma terrestre, através dessa devastação ecológica causada pelas atividades humanas. O ‘fim do mundo pode até ser adiado’, mas a humanidade caminha em passos largos para sua autodestruição como espécie.

As ações antropogênicas que estão afetando o ártico nos possibilitam a previsibilidade de adentrarmos ao ‘imaginário pandêmico, simplesmente pelo fato de que o colapso do ártico representa riscos reais ao bioma terrestre. Sendo que um destes fatores de previsibilidade está relacionado ao derretimento do permafrost[5].O degelo desse local pode proporcionar a liberação de variados materiais biológicos, químicos que estão armazenados nesta região por um tempo de natureza geológica considerável, e os resíduos radioativos (principalmente oriundos da Guerra Fria). A revista Nature Climate Change[6] destaca o seguinte: “À medida que esses constituintes (materiais biológicos, químicos e radioativos) reentraram no ambiente, eles têm o potencial de interromper a função do ecossistema, reduzir as populações de vida selvagem única do Ártico e colocar em risco a saúde humana.

Segundo o professor emérito de medicina e genômica na Faculdade de Medicina da Universidade Aix Marseille, em Marselha, França, Jean-Michel Claverie, em entrevista à CNN[7], em suas pesquisas sobre o vírus “zumbi” ele disse o seguinte: “Então sabemos que eles estão lá (os vírus). Não sabemos com certeza se eles ainda estão vivos. Mas nosso raciocínio é que se os vírus da ameba ainda estão vivos, não há razão para que os outros vírus não estejam vivos e sejam capazes de infectar seus próprios hospedeiros.” Comprovadamente já foram encontrados vírus e bactérias, que tem potencial para infectar os seres humanos, que se encontram preservados no Permafrost.

A citada reportagem da CNN elencou alguns acontecimentos relacionados a surtos de doenças ao perfamafrost, como o caso de uma mulher que fora exumada no ano de 1997, do Permafrost, localizado em uma vila na Península de Seward, no Alasca, continha material genômico da cepa de influenza responsável pela pandemia do vírus influenza de 1918. Foi confirmado no ano de 2012 que o vírus que causa varíola fora encontrado em uma múmia de 300 anos, localizada na Sibéria. Sem contar aquela situação que a Rússia tentou esconder no ano de 2016, sobre um surto de antraz na Sibéria que além de matar mais de duas mil renas, afetou diretamente dezenas de humanos daquela região.

Deveríamos considerar algumas perguntas de retórica que pesam sobre o entendimento do potencial viral e microbiano do Permafrost. Será que o imaginário pandêmico ficará somente no imaginário? Estamos realmente prestando atenção aos sinais fornecidos pelo ‘Sistema Terra’ de que alguma coisa está errada, que segundo a letra da música de Caetano Veloso, dos anos 90, “Alguma coisa está fora da ordem”? Se as atividades antropogênicas já atingem o Ártico, não seria interessante pensar sobre as consequências destas atividades no que diz respeito ao Permafrost e os vírus ‘inertes’ contidos nesta região?

O professor Jean-Michel Claverie, citado anteriormente destacou que “o risco tende a aumentar no contexto do aquecimento global, no qual o degelo do permafrost continuará acelerando, e mais pessoas povoarão o Ártico na esteira de empreendimentos industriais”. Sem querer ser alarmista, mas levando em consideração as ponderações sobre o presentismo de François Hartog e a discussão heurística sobre a relação do ser humano com o planeta terra, é válido pensar e discutir o impacto das ações do homem no Ártico, bem como a possibilidade desta região se tornar um terreno de natureza potencialmente fértil para a propagação de um surto, epidemia ou até mesmo uma pandemia, à medida que um vírus ou uma bactéria ‘libertados’ se transfira para um novo hospedeiro- humano ou não-humano- e se espalhe em proporção geométrica.

Os geólogos chegaram à conclusão de que o Antropoceno não é uma nova   era geológica, mas é de se notar que as atividades humanas devem ser levadas e consideração, bem como seus impactos sobre a Terra e seu bioma. Como destacou a professora Dominichi Miranda de Sá, esse debate precisar ser muito mais amplo do que os geólogos estão determinando, pois esta discussão precisa envolver diversos saberes científicos, não ficando restrita somente aos geólogos e seus conceitos de ‘milhares ou milhões de anos’. A aceleração do tempo trouxe à baila uma nova forma de discussão científica.

Levando em consideração as consequências desconhecidas relacionadas ao derretimento do Permafrost, se faz necessária a inclusão da “Ciência do Sistema Terra” ter uma ‘voz’ mais participativa e contundente na discussão sobre a passagem de uma era geológica, tendo em vista o complexo conceito relacional entre humanos e não-humanos, que em tempos passados, não era considerado para estas discussões. Entender o Permafrost, é ter a oportunidade de considerar a micro história daquela região como um passo importante no entendimento do Antropoceno e suas derivações, Plantationceno, Fagoceno ou Angloceno, Capitaloceno e Negroceno e atualmente o Bacterioviroceno, pois a liberação de metano e dióxido de carbono na atmosfera por essa região, é um fator a ser considerado nas discussões sobre mudanças climáticas.

O Bacterioviroceno pode ser considerado sob o ponto de vista do ‘imaginário pandêmico’, que a partir do aprofundamento sobre os impactos do derretimento do Permafrost, poderá se tornar realidade pandêmica, materializada pelas constantes ameaças que permeiam a humanidade. Essa realidade pandêmica personalizada pelo Bacterioviroceno apesar de não ser nomenclaturada, ela está no cerne das discussões sobre os ricos de uma nova epidemia/pandemia.

Dipesh Chakrabarty (2013, p.1), citando Alan Weisman, menciona a possibilidade    um ‘mundo sem nós’ como uma reflexão mental, mas um estudo mais aprofundado sobre o Permafrost, pode escancarar que  ‘um mundo sem nós’ pode se tornar ‘em  uma realidade bem viva’, podendo ser caracterizado como uma consequência do Bacterioviroceno. As quatro teses de Dipesh Chakrabarty podem ser relacionadas diretamente no conceito do Bacterioviroceno pelo fato de que “as explicações antropogênicas da mudança climática acarretam o fim da velha distinção humanista entre história natural e história humana, porque toda história propriamente dita é a história dos assuntos humanos”. (CHAKRABART 2013, p.4). o Bacterioviroceno, como conceito de ramificação do Antropoceno, demonstra, pelo exemplo moderno do derretimento o do Permafrost, que as ações humanas continuam, em ritmo acelerado, a causar modificações significativas na geologia terrestre, modificando assim, aproveitando o conceito de Dipesh Ckakrabarty, ‘as histórias humanistas da modernidade/globalização’, principalmente pelo excesso de emissão de dióxido de carbono.

As alterações climáticas provocadas pelo ciclo do carbono fazem parte de estudos recentes e são de natureza comprovada, estão associadas ao aquecimento global, e ao processo de degradação do Permafrost, que por sua vez, poderá ocasionar processos pandêmicos de natureza catastrófica, o Bacterioviroceno.

Os pesquisadores chineses Wan Di, Shuying Zang, Lingyan Wang, Dalong Ma e Miao Li (2022) realizaram estudos relacionadas ao ‘permafrost trufoso’, que objetiva o aprofundamento sobre se o carbono ou o nitrogênio do solo turfoso são sensíveis à degradação do Permafrost. Essa pesquisa nos ajuda a visualizar o conceito do Bacterioviroceno, convergindo com as quatro  teses de Dipesh Chakrabarty, pois não tem como dissociar a discussão do  Antropoceno com as questões que dialogam com as histórias globais que estão inseridas no conceito do capital e a história da espécie humana, pois no Holoceno, os humanos desenvolveram atividades constitutivas e equilibradas durante  esse período geológico, mas no Antropoceno, a raça humana passou a colocar em risco ‘nossas próprias condições biológicas e geológicas, principalmente por conta do acelerado aquecimento global.

As pesquisas de Wand Di e outros mostraram que as regiões do Permafrost são mais sensíveis às alterações climáticas, incluindo o aquecimento global. E pelo fato de as turfeiras serem um importante reservatório de carbono para os ecossistemas terrestres, e elas terem a capacidade de agirem como ator de regulação no que diz respeito às alterações climáticas globais, o aquecimento global acaba alterando os padrões de congelamento destas trufeiras, colocando em risco o ecossistema daquela região, podendo ocorrer na liberação de bactérias e vírus, outrora inertes, que poderiam provocar uma catástrofe de saúde mundial sem proporções. E segundo os pesquisadores chineses, ‘o armazenamento de carbono no solo em turfeiras serve como um indicador crítico das alterações climáticas..., a emissão massiva de gases com efeito de estufa também acelera o aquecimento global, formando-se assim um ciclo vicioso’. (WANG et al, 2022 p.2)

Estudos demonstraram que o aumento da temperatura do solo pode acelerar a renovação e o metabolismo dos microrganismos das turfeiras. Por um lado, maior atividade microbiana na superfície do solo e maior mineralização podem aumentar a decomposição da matéria orgânica (WANG et al, 2022 p.7)

Nota-se que a preocupação da pesquisa se dá em parte com a questão de maior atividade microbiana, relacionada à mineralização e a decomposição de matéria orgânica. Logo, as bactérias e vírus inertes’ naquela região, por conta da ação humana, podem ser ‘despertados’, como já foi exemplificado neste ensaio. Nossas ações não representam nenhuma ameaça a estes seres inorgânicos, no entanto, para nós humanos, estes seres inorgânicos podem ser uma ameaça em potencial para nós na inutilização da vida por intermédio do Bacterioviroceno.

Chegamos no limite da compreensão histórica por conta das nossas atividades antropogênicas ligadas ao ‘modus capitale’. Como destacou Dipesh Ckakrabarty, “as histórias humanistas do capitalismo sempre tornarão possível algo como uma experiência do capitalismo”. Essa experiência tem nos proporcionado momentos de tensão, que nos leva ao imaginário pandêmico, materializado pelo aquecimento global, resultando na destruição do Permafrost, e assim, fazendo com que o Bacterioviroceno se torne uma realidade. Podemos até ‘adiar o fim do mundo’, no entanto, sem ser fatalista, nestas condições destacadas dificilmente teremos condições de adiar o fim da humanidade.

 

O Antropoceno e as abordagens transdisciplinares, horizontal e vertical, das questões ambientais: a hierarquização racista criada pelo ocidente.

“A pluriversalidade é uma forma de perceber o mundo. Nela, reconhecemos a pluralidade como um modo de compreender a si mesmo, os outros e os mundos, e um princípio presente nas práticas de interagir, aprender e ensinar” (Sony Ferseck).[8]

“No Pluriverso, um dicionário do pós-desenvolvimento”, traduzido por Isabella Victoria Eleonora, (2021) em sua introdução, os autores se referem à modernidade como uma visão de mundo surgida na Europa a partir do que é definido pela cronologia da História como Idade Média, passando pelo Renascimento e chegando até a Idade Moderna nos fins do século XVII. Segundo o entendimento dos autores, a visão do conceito de modernidade estava inserida de forma coletiva ou independente na concepção da propriedade privada, na prática do livre mercado com base no conhecido Laissez- Faire, Laisse Passer, no liberalismo político. O conceito de modernidade se baseia segundo os autores no secularismo, democracia representativa e por eles entendido como fator determinante, o universalismo, no qual se entende que ‘todos vivemos em um único mundo, agora globalizado, no qual a ciência passa a ser uma única verdade legítima e se torna assim o arauto do dito progresso. (KOTHARI et al, 20121 p.39)

Perry Anderson, escritor marxista, destacou que os sistemas coexistem não deixando de existir automaticamente como são criados os marcos temporais de passagem do tempo usada pelos historiadores.  Por esse e outros motivos, pode-se chegar ao entendimento que existe um vício de defeito entre os sistemas no qual o posterior herda do anterior, ou até mesmo estes defeitos se tornam coexistentes dentro de determinadas sociedades que outrora passaram ou ainda estão passando por determinado processo de transição de seus sistema, como observou Antoni Gramsci (1971) declarando que o ‘velho sistema  morre e o novo não pode nascer, mas que dentro desta transição parece justamente a deficiência destes sistemas’.

O capitalismo urbano, que se tornou o modelo político do século XX, não nasceu do nada, pois a transição das sociedades permitiu que o defeito entre o sistema anterior baseado no colonialismo,  com a inserção do capitalismo urbano, externou os defeitos deste modelo político , cujo o mesmo é representado pela chamada democracia liberal  representativa e o socialismo estatal, que mesmo alcançando, segundo o nosso entendimento, de forma parcial, o bem estar social, o sistema continuou defeituoso e coexistente com o sistema anterior, como destacado nos conceitos de Gramsci e Perry Aderson. Os métodos mitigadores dos pregadores da modernidade e progresso são direcionados no intuito de se manter o poder político, econômico e cultural daqueles que eles consideram inferiores, que através do processo de industrialização mantiveram, e mantém seu status quo de forma latente, presente na passagem do século XIX para o século XX, bem como nos dias de hoje. Tanto que Karl Max, Mahatma Gandhi e muitos outros, cada um de seu modo, além de desconfiarem, criticaram a industrialização e seu modus operandi.  (KOTHARI et al, 20121 p.41)

No perído em que sucederam à primeira Guerra Mundial, em 1914, o centro hegemônico capitalista inglês fora substituído pelo centro hegemônico estadunidense. Os E.U.A ulrapassaram os britânicos como principal investidor, sendo que este movimento pode ser considerado como parte dos ciclos sistêmicos do capitalismo, que em síntese, abordam a dinâmica dos países considerados capitalistas que impuseram às outras nações, chamadas de periferia, modelos descentralizados e liberais que de certa forma causaram mudanças nas economias destes países por conta da política protecionista adotada pelos países hegemônicos, principalmente no final do século XIX. (DA SILVA e LOPES, 2020, p.326).

É claro que o desenvolvimento não pode ser desconsiderado, pois entendemos que o mesmo é um processo natural que faz parte da história humana, mas este desenvolvimento, na transição do período colonial para o período da concepção e estabelecimento dos estados-nação,  ganhou uma roupagem um tanto quanto perigosa, por conta de suas  características dominantes daqueles que se diziam e ainda dizem serem detentores  do fazer ciência, possuidores do poder econômico e  que se achavam, ou ainda se acham superiores culturalmente. Esse conceito de superioridade criado pelo ocidente, proporcionou, para ser suave na colocação, a imposição ‘do poder imperial’ ocidental sobre muitas outras nações, sendo que este poder passou a ditar as regras do que conhecemos como modernidade e progresso.  O resultado dessa concentração de poder político, econômico e cultural foram inúmeras crises, que culminaram na insanidade da primeira guerra mundial, a crise das Bolsas de Valores no ano de 1929 e o ápice da cegueira da humanidade traduzido na carnificina da segunda guerra mundial, que têm seus reflexos, em todos os campos, até os dias de hoje.

Rômulo Andrade, (2022) ; discutindo a implantação dos projetos implementados pelo SPVEA, que  ajudaram a inserir a Amazônia numa cultura tecnocrática com o investimento em novos métodos e técnicas, ligando  a Amazônia ao restante do país; pontuou sobre as constantes renovações do capitalismo como sistema econômico hegemônico do pós-segunda guerra mundial, pois o capitalismo, segundo ele estava passando por uma reestruturação e reforma substanciais, com aumento nos níveis de globalização e de internacionalização da economia, através de um “sistema económico misto”, que permitiu aos países planejar e gerir melhor a modernização econômica.(ANDRADE, 2022 p. 2) sendo que essa hegemonia pode ser considerada como força motriz para o chamado desenvolvimento, que por sua vez, pode ser entendido como força reguladora das nações.

Dentro do denominado ‘ciclo sistêmico do capitalismo’, o poder imperial das nações economicamente poderosas impôs-se sobre as outras nações, que dentro deste ciclo, são consideradas nações periféricas, que atualmente estão incluídas no Sul Global. Esse poder imperial resultou no progresso econômico e tecnológico para estas nações dominantes, e ao mesmo tempo se contrapôs ao efeito oposto do progresso como consequência do conceito capitalista que se baseia na exploração ou mau uso da natureza.

Anna Tsing (2019) fala sobre o conceito da precariedade em caráter pessimista, destacando o capitalismo informal, usa como exemplo de intercambialidade do plantation brasileiro. Nessa narrativa, a discussão gira em torno de se pensar nas narrativas como narrativas de progresso de forma permanente. No entanto, nem sempre progresso será considerado necessariamente sucesso. Em sua discussão Anna Tsing mencionou que precisamos olhar nos entremeios, nas precariedades, nas fendas da história. E falando sobre os plantations, ficou claro que para ela esse tipo de atividade não é totalmente controlável, como o sistema capitalista tenta demonstrar, em especial por conta das mudanças climáticas.

Do ponto de vista historiográfico, a modernidade pode ser algo difícil de se aplicar. O estado caótico atual do mundo é consequência deste conhecido progresso. Por isso poder-se-á frisar que esse progresso é paradoxal porque ao mesmo tempo que ele pode causar problemas em determinado grupo ou população, ele também traz os benefícios que podem vir a beneficiar um grande grupo de pessoas ou nações.

Para Malcom Ferdinand (2022) esse ‘poder imperial’ fora responsável ‘pelo racismo ambiental’, termo cunhado pelo dr. Benjamin Chavis.

O racismo ambiental é a discriminação racial na formulação de políticas ambientais. É a discriminação racial na aplicação de regulamentos e leis. É a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades de cor para descarte de resíduos tóxicos e na localização de indústrias poluentes. É a discriminação racial na sanção oficial da presença de venenos e poluentes com risco de vida em comunidades de cor. E é a discriminação racial na história da exclusão de pessoas de cor dos principais grupos ambientais, conselhos de tomada de decisão, comissões e órgãos reguladores.[9]

Esse poder imperial poderia ser traduzido segundo Caetano at al (2023 p.204), como ‘ideia de superioridade de um grupo sobre outros, a partir do tipo físico e do discurso da existência de raça superiores e inferiores’.  Essa dita superioridade pode ocorrer a partir de uma discriminação de forma deliberada contra ‘minorias’, que envolve questões de natureza ambiental, nas quais estas minorias acabam sofrendo com exposições de resíduos tóxicos, desastres naturais provocados por atividades antropogênicas, má aplicação das políticas ambientais e a exclusão destes grupos minoritários na participação da discussão de políticas ambientais.

Sendo que de acordo com Malcom Ferdinand (2022), essa política segregacionária não está desconectada da questão ambiental, pois ambos os fenômenos estão interrelacionados. Tanto a escravidão, bem como o colonialismo, ajudou a edificar um mundo estruturado em destruição ambiental.

“O racismo não adentra o cenário simplesmente como fator determinante da maneira como os perigos ambientais são vividos de forma desigual pelos seres humanos, ele cria as próprias condições de possibilidade de ataques contínuos ao meio ambiente, inclusive aos animais humanos e não humanos, cujas vidas são sempre desvalorizadas pelo racismo, pelo patriarcado e pelo especismo”. (FERDINAND, 2022 p. 13)

A discussão proposta por Malcom Ferdinand nos mostra a hierarquização racista produzida pelo ocidente, causando uma fratura ambiental, que pode ser considerada como o humano tendo uma posição de poder em relação ao não-humano. E que a fratura colonial e ambiental possui as mesmas características. Em seu livro ele deixa essa ideia muita evidente quando mencionando que a arca é um símbolo de separação e exclusão, que ecologia colonial é uma abordagem filosófica, intelectual e política e que a ecologia decolonial é uma ecologia de luta. Fica subentendido nessa fratura que o humano está acima da natureza por conta de suas técnicas científicas e econômicas de natureza moderna, que no entendimento humano, proporciona o domínio da natureza.

Esse imaginário humano de domínio da natureza é desfeito por conta dos efeitos catastróficos das atividades antropogênicas, que incluem a poluição, perda da biodiversidade, alterações do clima da Terra, e de natureza social, as desigualdades em todas as suas facetas, a segregação acentuada das minorias e como consequência, a propagação, em proporção geométrica, das misérias sociais. Para Malcom o conceito de Antropoceno acaba omitindo a hierarquização interna e seus vários conflitos.

“A fratura colonial separa os humanos e os espaços geográficos da Terra entre colonizadores europeus e colonizados não europeus, entre Brancos e não Brancos, entre cristãos e não cristãos, entre senhores e escravos, entre metrópoles e colônias, entre países do Norte e países do Sul”. (FERDINAND, 2022 p. 26)

Pensar de forma conjunta nas fraturas citadas por Malcom, ambientais e coloniais, é um desafio constante, tendo em vista que os especialistas de ambos os campos deixam de assumir uma responsabilidade única na discussão dessa ecologia colonial. Os movimentos ecologistas precisam enxergar de forma mais aguda o racismo ambiental, pois essa luta ficará fadada à ‘utopia branca’, na qual, os que sofrem racismo ambiental não possuem quase nenhuma participação na luta ecológica.

Malcom Ferdinand expôs a fratura ambiental e colonial, estratificando o conceito do Antropoceno em vários conceitos ligados que pode ser chamado de ‘modus capitale’. Um destes conceitos é retratado como matricídio do Platationceno, que optou por atividades agrícolas implantadas de forma violenta nas terras dos povos originários, causando uma destruição massiva que abalou vários ecossistemas, destruindo a relação magtricial dos povos originários com a sua terra. Esse plantationceno ‘evoluiu’ nos dias atuais com a indústria extrativista minérios de inúmeras vertentes, incluisive os usados na indústria de tecnologia, que transformou o ser- humano em zumbi, principalmente por conta do mau uso dos aparelhos celulares

Já o Negroceno processo pelo qual milhões de pessoas foram arrancadas de sua terra natal para serem escravizados em outras nações bem distantes de suas origens, no período estimado de quatro séculos. Estes escravizados foram vítimas diretss  do Plantationceno. O Negroceno foi responsável pela interrupção dos laços deste escravizados com suas comunidades, suas organizações políticas e seu relacionamento com sua terra natal. Além desyes termos, temos o Capitaloceno”, “Fagoceno” ou “Angloceno”. Os dois últimos termos podem ser abrangidos pelo “Capitaloceno”, que engloba as ações antropogênicas tendo como base a lógica capitalista, que despontou com a Revolução Industrial, potencializado pela grande aceleração, fora responsável pelas alterações significativas no planeta Terra e seu bioma, nos levando à condição de corrermos riscos de sermos extintos como humanidade.

O imaginário pandêmico tratado por André Felipe Candido Silva, diante destas ações antropogênicas, pode se tornar a realidade pandêmica do século XXI sob a ótica do Bacterioviroceno. Ana Tsing (2019) abordou a seguinte questão: do ponto de vista historiográfico a modernidade pode ser algo difícil de se aplicar, logo o estado caótico atual do mundo é consequência deste conhecido progresso. O aumento da temperatura da Terra e o derretimento do Permafrost podem ser considerados resultado direto dessa modernidade. A liberação de microrganismos nocivos à saúde desta região poderia ser levada mais a sério.

Estas alterações climáticas também afetam a biodiversidade marítimas, bem como das nossas florestas. Isso aumenta o temor de que as próximas pandemias poderão ser oriundas justamente das florestas tropicais. Além disso, não podemos esquecer da necropolítica negacionista e anti-ciência, que bestializou um número considerável de pessoas, as quais passaram a não enxergar as alterações climáticas e suas consequências, e passaram a não utilizar as vacinas que são usadas para conterá contaminação virótica bacteriológica. Ou seja, combustível para o Bacterioviroceno, que se encontra englobado no conceito do Capitaloceno e as fraturas expostas por Malcom Ferdinand.

A reportagem da CNN 8 de março de 2023[10] trouxe um alerta de pesquisadores sobre um vírus "zumbi" que passou 48.500 anos congelado no Permafrost. Os cientistas que fizeram parte desta pesquisa, mencionaram no período em questão, que o risco de uma pandemia causada por esse vírus ser baixa, a comunidade científica tem subestimado esse potencial. Precisamos considerar os riscos e nos aprofundarmos nas pesquisas que são feitas nesta direção. Se não concordamos com os geólogos que desconsideram o Antropoceno como uma era geológica porque entendemos que as atividades antropogênicas têm alterado efetivamente o clima terrestre, então, deveríamos prestar atenção as alterações que ocorrem no Permafrost, pois quando fizermos isso, poderemos já estar no meio do Bacterioviroceno e provavelmente não nos sobraria tempo para discutirmos esse período porque nossa existência seria colocada em risco.

Wen-Sheng Shu e Li-Nan Huang (2022) em seu artigo sobre a diversidade microbiana em ambientes extremos, demostraram que nos seus estudos ôhmicos, as ligações entre a função da comunidade e variáveis ambientais permitiram a descoberta e caracterização genômica de novas linhagens importantes que expandem substancialmente a diversidade microbiana e mudam a estrutura da árvore da vida, pois novas linhagens importantes na árvore Archaea foram encontradas.  Essa pesquisa revelou a potencialidade da diversidade viral com a descoberta de novos vírus, e a distribuição geográfica desta população. E um destes ambientes estudados, o Permafrost recebeu uma atenção especial, pois muitos microrganismos sobrevivem no gelo, e por conta das mudanças climáticas eles podem ser liberados na natureza.

Para ilustrar essa realidade pandêmica, o noticiário dos jornais tem destacado o ressurgimento de alguns vírus, bem como suas recentes contaminações. O infectologista Jacyr Pasternak[11], no periódico Notícias de Saúde, respondeu as principais dúvidas sobre o tema:

O que é o Oropouche e qual a sua origem? O vírus Oropouche é mais um dos muitos vírus que são transmitidos de espécies animais para o homem. Ele foi descrito pela primeira vez na década de 60, em Trinidad & Tobago. O vírus foi obtido no Brasil a partir de uma preguiça, que parece ser o hospedeiro animal deste vírus. Como ocorre a transmissão do vírus? O vírus, também conhecido como Orov, é transmitido pela picada de pequenos mosquitos, Culicoides paraensis. Outros mosquitos amazônicos, como o Ochlerotatus são transmissores. Importante ressaltar que o Aedes, transmissor da dengue, zika e chikungunya, aparentemente não transmite o vírus, mas estudos ainda estão sendo feitos. Quais são os sintomas? Eles podem ser confundidos com alguma outra doença? Os sintomas são muito parecidos com o dengue, e as doenças se confundem. Mas pelo que se conhece do Oropouche, ele não gera os quadros graves que a dengue é capaz de produzir. Como é o tratamento? Existem vacinas? Não tem tratamento específico, só sintomático: tratar a febre, as dores musculares e ter paciência que em uma semana em geral se resolve. Não existe, dentro do que se conhece até o momento, sequelas. Existem áreas de riscos? Existe risco de uma epidemia? A área de risco é a Amazônia, e já tivemos grandes epidemias, incluindo uma de grandes proporções em Belém do Pará. Não existem relatos até o momento de epidemias fora da Amazônia. Fonte: Dr. Jacyr Pasternak, infectologista do Einstein Publicado em: 25/07/2017.

Não precisamos ser fatalistas, no entanto, precisamos ser realistas diante dos fatos que nos são apresentados para que possamos discutir, analisar os pontos críticos da discussão. Como historiadores da ciência, precisamos tornar estes debates públicos, pois o problema não está restrito ao Oropouche, pois temos o Ebola, Histoplasmose ou “doença da caverna, Dengue, Zika Vírus, doença meningocócica, Influenza, Cólera, febre amarela, raiva humana e a Mpox. A lista é muito grande. A relação humanos e não-humanos precisa ser reconsiderada. Precisamos refletir e agir sobre como nossa atuação tem afetado planeta Terra. Poderemos ‘adiar o fim do mundo’ se forem tomadas medidas superficiais, mas estaremos aos poucos inutilizando a vida e colocando em risco nossa sobrevivência neste planeta.

'Adiando o fim do mundo’:  a vida se tornando útil.

Quando Ailton Krenak (2019) falou sobre adiar o fim do mundo, sua ideia girava em torno de como os seres humanos poderiam usar a Terra de forma correta para evitar a destruição dela e em consequência da humanidade. O título “ideias para adiar o fim do mundo” foi criado de forma não intencional quando Krenak foi convidado para participar em uma palestra na UNB que possui um encontro sobre desenvolvimento sustentável. Krenak ficou surpreso porque achou que o auditório estaria vazio, mas estava lotado com todos os alunos do campus. Em sua discussão, Krenak, O foca na questão do Antropoceno mostrando que ao contrário do que se pensa, ele entende que o ser-humano não é superior aos demais seres, sendo assim se faz necessária uma ressignificação a fim de que possamos refrear nossa marcha em direção ao abismo. E indo por essa mesma linha, François Hartog (2003) elencou a ideia errada que se tem sobre progresso. Segundo ele, “o mundo iniciou sem o homem e terminará sem o homem: o primeiro equívoco foi a revolução neolítica! Assim antes do que antropologia, dir-se-ia “entropologia”, ou ciência do fim do mundo!”

Dentro da visão de Krenak é importantíssimo discutir e tentar reformar a ideia da humanidade em relação ao seu papel no planeta terra, bem como chamar atenção que se humanidade não se atentar sobre o mau uso da terra, essa humanidade poderá deixar de existir. As sugestões dadas por Krenak são significativas. A criação de uma reserva da biosfera em uma região do Brasil para que o planeta não fosse devorado pela mineração é uma ideia interessante, mas para executá-la será preciso mais do que ‘boa vontade política. O interesse do capital nas reservas de mineração ultrapassa o desejo de preservação ambiental e da vida. Essa ideia precisa vir acompanhada de medidas duras legais, bem como uma fiscalização efetiva e de natureza permanente.

Krenak demonstra em seu texto uma desconfiança gigantesca das instituições que se dizem protetoras do homo salvos modus[12]. No entendimento dele estas instiuições, como a UNESCO, só se interessam em transformar alguns lugares como ‘amostra grátis’ na Terra, para seem vislumbrada, da mesma forma que um parque temático. Fica subentendido que tal procedimento não leva a sério a caminhada da huanidade em passos largos para sua própria destruição. Sendo que estas instituições, na maioria das vezes, tomam decisões ruins e prejudiciais ao ‘Sistema Terra’, mas a maioria das pessoas, por estarem alienadas quanto a questão da degradação do bioma terrestre, acabam aceitando estas decisões, pois segundo Krenak, 70 por cento da humanidade está alienada do exercício de ser humanidade. Não entendemos o nosso papel inserido no contexto da natureza.

Precisamos discutir o conceito do Pluriverso. Entender o ‘sistema terra’ da mesma forma que os povos originários, poderá nos fornecer uma perspectiva mais otimista quanto a nossa existência, pois não podemos permitir que o liquidificador chamado humanidade absorva por completo aqueles que foram tirados do seu coletivo, do seu lugar de origem, quer pelo Plantationceno, Capitaloceno, Angloceno e Negroceno. A relação com a natureza, que sempre foi realizada pelos povos originários, precisa ser resgatada. Se faz necessária a reconciliação com a natureza e todos os seus componentes, não podemos separar o ecológico do social, pois ambas as partes são complementares.

Vários povos originários de várias partes do mundo realizam a mesma leitura no tocante ao relacionamento com a natureza. Esse distanciamento da humanidade com a natureza poderá tornar nosso processo de extinção irreversível. O Capitaloceno, capitaneado pelas grandes corporações age como uma praga de gafanhoto, devora tudo o que for possível e depois vai embora, maus comparando é claro, pois os gafanhotos, mesmo sendo considerados como pragas quando ‘devastam’ determinada vegetação, não faz isso em caráter definitivo porque, por incrível que pareça, os gafanhotos geralmente atacam as produções agrícolas que são resultados do Plantationceno, ação antropogênica que resultou na perda da alimentação destes gafanhoto e outros não-humanos.

Esses ‘donos do dinheiro’, segundo Krenak, deveriam ser colocados em um lugar que só tivessem dinheiro para comer. Se assim acontecesse, com certeza estes donos do dinheiro não sobreviveriam. Eles deveriam entender- acho que até entendem, mas são arrogantes- que devorar florestas, montanhas, rios, contaminar o mar, realizar processos de mineração, extrativismo e demais atividades ligadas ao dito progresso, têm iludido à humanidade, que acaba entendendo que esse modelo é para o bem-estar do mundo todo. Ao contrário, esse modelo causa o rompimento da humanidade com o ‘Sistema Terra’.

Além de propagar esse modelo de progresso como algo positivo, os donos do dinheiro tratam os povos originários como sub-humanidade.  Estes que são tratados desta forma, os caiçaras, os índios, os quilombolas e os aborígenes, possuem uma organicidade que incomoda as corporações. No conceito destas corporações, capitaneadas pelos donos do dinheiro, um ‘sub-humano, na concepção deles, não pode ter mais conhecimento obre o uso da terra do que o poder imperial capitalista. Sendo assim, esse poder procura criar variados mecanismos para separarem a verdadeira humanidade que se agarra à Terra, os povos nativos, observou Krenak. Logo, os povos originários são tratados como ‘periferia da humanidade”.

Citando Boaventura Santos, Krenak menciona que “a ecologia dos saberes” deveria também integrar nossa experiência cotidiana, inspirar nossas escolhas sobre o lugar que queremos viver, nossa experiência como comunidade”. As pessoas foram transformadas em consumidores e deixaram de ser cidadãs. As pessoas podem viver com o espírito da floresta, viver com a floresta e estar com a floresta. Dando o exemplo dos Yanomamis, ele destaca que a região deste povo é assolada pelo garimpo e que as corporações não toleram o estilo de vida deste povo e do que esse povo é capaz de produzir.

As corporações estão transformando a humanidade em humanidade zumbi. A pregação do fim do mundo pelas corporações é uma tentativa de fazer com que aqueles da humanidade que convivem com a terra possam desistir de seus sonhos!!!!!! Sua concepção de adiar o fim do mundo significa poder contar mais uma história. Essa negação poderá proporcionar o fim da humanidade porque o processo de destruição do bioma terrestre poderá chegar em um ponto que não poderá ser revertido.

Se entendermos que os povos os povos originários não são indivíduos, mas pessoas coletivas, atuando como células que conseguem transmitir suas visões do mundo através do tempo, descrição bem destacada por Krenak, nos esforçaremos a mudar nossa mentalidade e não aceitaremos, sem questionar, o dito progresso e o conceito de modernidade na visão dos donos do dinheiro. Entenderemos o porquê de os povos originários resistirem a essa apropriação do seu modo de vida, que se deu pelo fato deles não aceitaram e não aceitam que ‘todos somos iguais’, pois no Brasil ainda existem mais de etnias que têm por objetivo ser uma diferente das outras aqui no Brasil.  Essas etnias falam cerca de 150 línguas e dialetos diferentes.  Para Krenak, devemos manter a nossa subjetividade, nossas visões poéticas sobre a existência. Somos capazes de atrair uns aos outros pela nossa diferença, pois não somos iguais.

Considerações finais

É importante que discutamos as ações antropogênicas em caráter multidisiplinar , porque a definiçáo do futuro da hmanidade, por conta do Antropoceno e consequentemente da grande aceleração, não pode ficarf restrita aos geóloogos. A ‘Ciência da Terra” precisa ser inserida neste debate. Se pensarmos como os geólogos, em ermos de definição temporal, não estaremos aqui para discutir o surgimento de uma nova era geológica.

Estams no limiar da compreensão histórica sobre a influência das atividades humanas no ‘Sistema Terra’  e suas consequências imprevisíveis, que podem chegar nm ponto em que não haverá mais retorno para corrigir. O imaginário pandêmico poderá se tornar a realidade  pandêmica- Bacerioviroceno- fato este que o derretimento do permafrost tem demonstrado, mas que o mundo científico ainda não está dando devida atenção.

A realidade pandêmica esta´batendo na porta da humanidade com inúmeras situações que têm causado um certo temor na himanidade. Doenças outrora erradicadas reaparecendo, doenças novas surgindo. Logo,precisamos repensar, pricipamente como historiadores da ciência, de que maneira poderemos  tornar estes debates públicos. Se faz necessária a reconsideração de como corrigir o relacionamento entre humanos e não-humanos, e como nossas ações estão levando o ‘Sistema Terra’ ao colapso. Precisamos pensar o modo pelo qual reverteremos a caminhada da humanidade que vai a passos largos a caminho de sua própria extinção.

É de muito valor pensar na pluriversalidade, pois antes de nós acelerarmos a destruição deste planeta por conta da necessidade da modernização e progresso, os povos originários conseguiam, e ainda de certa foram conseguem, viver em harmonia com o ‘Sistema Terra’. Precisamos urgentemente pensar como eles e tentar o mais rápido possível reestabelecer o nosso relacionamento com a Terra. Além de adiarmos o fim do mundo, adiemos também o fim da humanidade e retomemos a utilidade da vida.

A preservaçáo do ecossitema através da moderação das ações antropogênicas  passa ser uma questão de sobrevência para nós seres humanos, pois precisamos construir uma história, que traga uma ideia e concepção de natureza a qual, apresente um novo modelo que permita ao longo do tempo uma profunda  reflexão. Precisamos e devemos pensar em novas formas de superar as dificuldades impostas pelo processo de degradação do meio ambiente, fazendo uma análise bastante criteriosa e contumaz, a qual possibilite a ampliação do debate e a unidade para vencer o desafio da degradação ambiental através de ações contundentes  buscando a participação de todos em torno deste  grande desafio.

Referências bibliográficas

 

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[1] Bertucci, Liane Maria. A onipresença do medo na influenza de 1918

 

[2] Tudo aquilo que for gerado por ações do homem. Fonte: https://ipam.org.br/glossario/antropico-ou-antropogenico/

 

[5] Como a apresentada pela API (International Permafrost Association), define permafrost como uma superfície que permanece a temperaturas abaixo de 0º por pelo menos 2 anos consecutivos e que pode ser constituída tanto por solo, como rochas, gelo, sedimentos e matéria orgânica. Sua ocorrência está ligada com ambientes periglaciais (Condição ou ambiente que ocorre junto às áreas glaciais, nas regiões de degelo e circunvizinhas… (Glossário Geológico). Com base na descrição apontada pelo Glossário Geológico Ilustrado (2021) permafrost ocupam cerca de 20% da superfície terrestre e aproximadamente 1/3 de sua totalidade está para degelar e em alguns lugares já encontram-se em pleno degelo. Disponível em:  https://www.ige.unicamp.br/pedologia/2021/06/02/o-que-e-permafrost-e-por-que-se-importar/#:~:text=O%20permafrost%20%C3%A9%20coberto%20por,fatores%20hidrol%C3%B3gicos%20do%20plat%C3%B4%20tibetano. Acesso em: 29/07/2024.

[6] Disponível em: https://www.nature.com/nclimate.   Acesso em: 29/07/2024.

[8] Pertence ao povo Macuxi. É poeta, escritora, palestrante, pesquisadora. Doutoranda em Literatura na UFF, mestre em Literatura, Artes e Cultura Regional e graduada em Letras/Inglês pela UFRR e ex-professora substituta no Instituto de Formação Superior Indígena Insikiran da UFRR. Além de sua pesquisa, ela se dedica às suas próprias produções literárias como Pouco Verbo (2013), Movejo (2020) e Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022). Cofundadora, junto com Devair Fiorotti, da primeira editora independente de Roraima, Wei. Disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/sua-pratica/reflexao-teorica/118/artes-verbais-indigenas-portais-para-uma-educacao-pluriversal. Acesso em 24/07/2024.

 

[9] Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Chavis. Acesso em 20/08/2024

[10] https://edition.cnn.com/2023/03/08/world/permafrost-virus-risk-climate-scn/index.html

[11] www.einstein.br/noticias/noticia/o-que-e-orov

[12] modo de sobrevivência humano- tradução livre.

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