A palavra anticrese é originária do grego anticheresis, formada de anti” (contra) e cheris (uso). Etimotogicamente anticrese significa uso contrário, uso recíproco, uso da soma que tem o devedor, contra o uso dos frutos ou dos rendimentos, que o credor anticrético. Vinculava-se antigamente a garantia de débitos à vida e à liberdade dos devedores. A garantia era ligada à pessoa do devedor, e não ao seu patrimônio, ou seja o devedor respondia pelas suas dívidas pessoalmente (com sua liberdade, seu corpo e com até a sua vida). A mudança desta idéia de garantia foi garantida com a A Lex Poetelia Papiria, 326 A.C., marco divisor entre dois períodos históricos, que afastou a execução sobre a pessoa do devedor, projetando-se a responsabilidade sobre seus bens. Estipulava que o patrimônio do devedor servia como garantia de eventuais dívidas contraídas. Assim, foram criadas duas espécies de garantia: a pessoal ou fidejussória, e a real. Na garantia pessoal (fiança e o aval), está baseado na fidelidade do garantidor em cumprir as obrigações, caso o devedor não o faça. Nessa garantia, os bens pessoais do garantidor são tomados para o cumprimento da dívida do devedor. Já na garantia real, a garantia do cumprimento da obrigação contraída envolve parte ou todo o patrimônio do devedor. Conforme dispõe o artigo 1.225, Código Civil, além da propriedade, são direitos reais: enfiteuse, servidão, usufruto, uso, habitação rendas constituídas sobre imóveis, penhor, anticrese e hipoteca. Este rol não é taxativo. 1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS: Para Maria Helena Diniz, a anticrese é uma convenção, mediante a qual, retendo um imóvel do devedor, percebe os seus frutos, ou seja, é um direito real sobre coisa alheia, em virtude do qual o devedor, ou alguém por ele, entrega certo imóvel ao credor, a quem cede o direito de perceber os seus frutos e rendimentos (Roberto de Ruggiero), retendo-o até pagar-se do total da dívida de que é titular, e dos juros, quando houver, ou apenas destes, conforme o que for convencionado, se antes o devedor não a satisfizer. A anticrese tem em comum com o penhor o fato de que ambos são direitos reais de garantia que assentam na posse do objeto, no entanto, não se pode confundir a anticrese com o penhor, principalmente porque a anticrese tem por objeto um imóvel, enquanto que o objeto do penhor deve ser coisa móvel. Distingue-se da Hipoteca porque nesta, o imóvel não passa para posse do credor, ao passo que na Anticrese isto ocorre. O credor hipotecário não pode fazer seu os frutos do imóvel dado em garantia, o que sucede contrariamente na anticrese. Diferencia do Usufruto, embora em ambos haja cessão de créditos pelo devedor ao credor porque o usufruto pode ser estabelecido por lei e pela vontade e a anticrese só dela pode resultar. No usufruto quem fica na posse é o usufrutuário e é obrigado a dar caução, na anticrese é dispensado prestá-la. A anticrese não permite o jus vendendi, mas sim, o jus fruendi, havendo um limite do direito real de garantia, ou seja, se o devedor não pagar a dívida o credor não vai vender o bem gravado, não podendo promover a venda do imóvel para pagar o capital, que neste caso, terá que valer-se dos meios ordinários de cobrança, pois a garantia se restringe, aos juros e rendas. Ou seja, a anticrese recai sobre os frutos do imóvel e não sobre o imóvel. A anticrese é um direito Real, ponto sobre o qual sempre houve divergência na doutrina, havendo quem julgasse ser um direito pessoal, todavia, o advento do Código Civil de 1916 não mais pode ser objeto de controvérsia, resultando desse caráter real as conseqüências naturais: a) A anticrese possui efeitos ERGA OMNES (contra todos), depois de registro; b) Credor anticrético pode fazer valer seu direito contra terceiros (depois de registrado no Cartório de Registro Geral de Imóveis), exercitando as ações necessárias; c) A ação que nasce da anticrese destina-se a torná-la efetiva e é uma ação imobiliária devendo ser proposta no foro do local onde o bem estiver situado; d) O marido, qualquer que seja o regime do matrimonio, não pode constituir anticrese sem a outorga uxória; O credor tem, no contrato de anticrese, um título executivo extrajudicial (art. 585, III, CPC), podendo valer-se dele na hipótese de não se concretizar a esperada produção de frutos do imóvel, ou mesmo se ocorrer à inadimplência. Na leitura de Carlos Roberto Gonçalves5, a anticrese é um instituto pouco utilizado, recaindo preferência, hoje, sobre a hipoteca. A anticrese se mostra atualmente em desuso e inconveniente, uma vez que retira o bem do devedor, impedindo-o de fruir e dispor da coisa, implicando em óbice a obtenção de novos créditos, sendo dessa forma mais utilizados outros modelos de garantia real. 2. OBJETO DA ANTICRESE: Nos termos do Código Civil de 2002 (art. 1.506, C), o objeto da anticrese é sempre um imóvel. Admite-se a coexistência entre a anticrese e a hipoteca, dadas às circunstâncias limitadoras da primeira, assim, o imóvel gravado pela anticrese pode ser hipotecado, e vice-versa (artigo 1.506, § 20). 3. FORMA: Segundo o artigo 1.227, do Código de Processos Civil: ”Art. 1.227. Os direitos reais sobreimóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts.1245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.” Assim, de forma solene, a anticrese será realizada via registro por instrumento público ou particular (contrato), devendo ser registrada no Registro Gera! de Imóveis, onde o imóvel estiver registrado, surtindo efeito erga omnes, (contra todos) - após o registro no Registro Geral de Imóveis, do contrato. Deverá haverá tradição real para que o credor possa auferir os frutos sem a mesma. Com base no art. 108 do Código Civil, deverá ser apresentado ao Registro Imobiliário, instrumento particular ou instrumento público, dependendo do valor estipulado para o contrato anticrético. O registro pode ser requerido pelo credor ou pelo devedor, ou ainda, por terceiro interessado, conforme determina a Lei de Registros Públicos. O primeiro o aspecto formal, que normalmente é o da escritura pública, mediante a solenidade do acordo entre as partes; especialização do bem imóvel, com caracterização certa e determinada; identificação e qualificação das partes e exame de suas capacidades; o valor total da dívida ou dos juros a serem pagos, ou ainda, da estimação do valor devido; o prazo fixado; demais cláusulas e condições obedecendo o que prevê o art. 1.506 e seguintes do Código Civil. O registro é feito no Livro 2, ou seja, na matrícula do imóvel, lançando-se os requisitos do art. 176 da Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/1973). DISPOSITIVOS LEGAIS Instituto da anticrese tem previsão legal no Código Civil. O registro do contrato no Registro Imobiliário da circunscrição do imóvel, está previsto no art. 167, inciso I n° 11 c/c art. 172 da Lei de Registros Públicos. 4. DIREITOS DO CREDOR ANTICRÉTICO: 4.1 Reter o imóvel do devedor: o devedor deve entregar o bem imóvel ao credor para que o mesmo o possua, o administre e o desfrute, mas deverá apresentar-se anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração (artigo 1.507, CC). 5.2 Ter a posse do imóvel, para dele usar e gozar 5.3 Administrar o imóvel (artigo 1.507, CC); 5.4. Preferência (artigo 1.509, CC.) 5.5 Adjudicar os bens penhorados 5.6 Defender a sua posse 5.7 Liquidar o débito mediante a percepção da renda do imóvel do devedor. 5. DEVERES DO CREDOR ANTICRÉTICO: 5.1 Guardar e conservar o imóvel como se fosse seu; 5.2 Responder pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, bem como pelos seus frutos que deixar de perceber por negligência, desde que ultrapassem, no valor montante do seu crédito ( 1.508.CC); 5.3 Prestar contas de sua administração (artigo 1.507, CC); 5.4 Restituir o imóvel, findo o prazo contratado ou quando o débito for liquidado. 6. DIREITOS DO DEVEDOR ANTICRÉTICO: 6.1 Permanecer como proprietário do bem gravado; 6.2 Exigir do credor a conservação do imóvel; 6.3 Ressarcir-se das deteriorações causadas ao imóvel, culposamente, pelo credor, bem como do valor dos frutos que este deixou de perceber or negligencia. 6.4 Pedir contas da gestão do credor; 6.5 Reaver o seu imóvel assim que o débito se liquidar. 7. OBRIGAÇÕES DO DEVEDOR ANTICRÉTICO: 7.1 Transferir a posse do imóvel ao anticresista; 7.2 Solver o débito, deixando que o imóvel anticrético permaneça com o seu credor até que lhe complete o pagamento; 7.3 Ceder ao credor o direito de perceber os frutos e rendimentos do imóvel que lhe pertence; 7.4 Respeitar o contrato até o final. 8. DESVANTAGENS DA ANTICRESE: 8.1 O credor tem que trabalhar/gerenciar/administrar a coisa sob pena de perdas e danos para o devedor (artigo 1.508, CC); 9.3 A coisa é entregue ao credor, enquanto na hipoteca, na alienação fiduciária e no penhor especial a coisa permanece com o devedor; 9.4 O credor anticrético não se sub-roga na indenização em caso de destruição ou desapropriação do bem; a dívida não vai se extinguir, mas o credor torna-se quirografário (§ 2o do 1.509, CC). /Consoante Gonçalves7, a anticrese como direito real de garantia resolve-se pelo pagamento da dívida, pelo adimplemento da dívida, pelo perecimento do bem anticrético (artigo 1.509, § 2o), pela renuncia do anticretista, pela excussão de outros credores quando o anticrético não opuser se direito de retenção - artigo 1.509, § 1o), pelo resgate feitf) pelo adquirente do imóvel gravado (artigo 1.510, CC) e pelo término do prazo legal i ou ^aducidade (artigo 1.509, § 2o), ou seja, pelo fim do prazo estipulado ou atingido o prazo máximo de quinze anos. Vj A anticrese é indivisível, pois na hipótese de imóvel pertencente a dois ou mais proprietários, estes não poderão ser dados em garantia, salvo comum acordo, aplica-se a regra geral que rege os direitos reais de garantia. 9. EXTINÇÃO 9.1 Pagamento integral da dívida, inclusive antecipada (remição), sendo que a posse do bem por parte do credor passa a ser injusta após o desaparecimento da obrigação. 9.2 Pela renúncia do anticretista - a transmissão da posse do bem ao devedor implica em renúncia tática - pois não há anticrese sem que a posse esteja com o credor. 9.3 Pela caducidade, passados quinze anos da data de sua constituição (art. 1.423 do CC). Há que se ressalvar, porém, que na pendência da garantia anticrética não há curso de prescrição da dívida, podendo esta ser cobrada a qualquer momento, pelas ações pertinentes, iniciando-se o prazo prescritivo para a dívida somente quando o credor deixa de ter a posse do bem. Nos casos de desapropriação ou perecimento do imóvel (art. 1.509, § 2o, do CC), extingue-se a anticrese, permanecendo, porém a dívida na íntegra (computando- se, no caso, os frutos já percebidos até o momento). 9.4 Se o credor não opuser seu direito de retenção ((art. 1.509, § 1 °, do CC), diante de outros credores (embargos de terceiro). 9.5 Pelo resgate feito pelo adquirente do imóvel gravado. 10. CONCLUSÃO São muitos os encargos criados para o credor anticrético* receber os rendimentos; guardar a coisa como se fosse sua; responsabilizar-se por danos ocorridos no imóvel por sua culpa, pagar os impostos e ainda prestar contas ao proprietário. A anticrese vem perdendo grande importância, visto que o credor vem preferindo outros mecanismos, que deixam o devedor na posse do imóvel com a respectiva carga de responsabilidade. O instituto da anticrese é boa forma de pagamento de débitos, porém pouco aceito REFERÊNCIAS DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 1993. 209/215 p. BARIONI, Rafael. Lex Poetelia Papiria, a primeira manobra capitalista! Disponível em: Acesso em: 26 set2011. LESTE, Gisele. Algumas linhas do direito das obrigações. Disponível em: Acesso em: 26 set 2011. LUZ, Valdemar P. da. Manual Prático da Elaboração de Contratos e Documentos. Editora Síntese. 29 p. RUGGIERO, Roberto de. instituições de Direito Civil. Volume 3. 1999. 559 p.