ANÁLISE DO CADASTRO RURAL AMBIENTAL NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL: REALIDADE E DESAFIOS

RESUMO

O ponto de partida desse trabalho é fazer uma análise acerca da evolução histórica do Código Florestal brasileiro. Para assim apresentar as propostas da atual legislação (Lei nº 12.651/2012). Refuta-se que é um assunto de grande relevância para o mundo mundo jurídico, pois ainda traz divergências de opiniões entre ambientalistas e ruralistas e, atualmente, são cada vez mais constantes propostas de alterações. O novo Código Florestal também traz consigo inovações que ainda precisam ser regulamentadas e implantadas na práticas, entre elas é o Cadastro Ambiental Rural (CAR) que se apresenta como uma perspectiva positiva. Contudo, ainda são enfrentados desafios na sua concretização.

INTRODUÇÃO

A razão de se obter normas que regulam a questão do direito ambiental brasileiro surgiu há muito tempo. O primeiro Código Florestal apareceu no governo de Getúlio Vargas em 1934 (Decreto 23.793), preocupando-se apenas com à preservação da flora, devido ao desmatamento que a vasta produção de café ocasionou. Diante disso, é importante entender o motivo que leva a buscar-se a tutela do meio ambiente, o autor José Afonso da Silva afirma que “o problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano” (2007, pág. 28).

Logo após o governo de Vargas, veio a atualização do código em 1965 pela Lei nº 4.771, além disso em 1996 a legislação ambiental foi modificada por meio de algumas medidas provisórias, e finalmente em outubro de 2012 surgiu o novo Código Florestal. Atualmente, este novo código vem sendo um tema discutido constantemente, visto que o Brasil possui uma grande área florestal e, dessa forma, precisa de uma legislação ambiental que promova uma proteção eficiente para a mesma.

Tendo em vista a importância do tema abordado, será demonstrado inicialmente uma visão geral sobre o novo Código Florestal, envolvendo a época em que este surgiu, as modificações feitas nele ao longo do tempo, e suas peculiaridades, fazendo assim uma análise histórico-social do mesmo. Em seguida, abordar-se-á sobre a questão do Cadastramento Ambiental Rural (CAR), priorizando a discussão sobre este tema a fim de esclarecer seus pontos principais. Por fim, será tratado a respeito do CAR dentro do novo Código Florestal, como este recepcionou este tipo de cadastramento como uma forma de avanço para o código.

1 O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)

O primeiro Código Florestal no Brasil surgiu em 1934 editado pelo decreto 23.793 no Governo Getúlio Vargas. Tal decreto estabeleceu o conceito de florestas protetoras, muito semelhante ao atual conceito das Áreas de Preservação Permanente (APP’s), contudo, não explicitava as distâncias mínimas para a proteção dessas áreas. Segundo Ahrens (2003), citado por Elaine Oliveira Praes (2012, pág. 3), nesta época “a preocupação do governo em estabelecer normas relativas à preservação da flora surgiu mediante os desmatamentos ocasionados pela produção de café, bem como pela criação de gado no Vale do Paraíba e em outras regiões, que vinham promovendo os desmatamentos de florestas e a escassez dos recursos naturais”.

Medeiros (2005), também citado por Elaine Oliveira Praes, aponta que:

Outros fatores contribuíram para a edição do código florestal de 1934, dentre eles: movimentos relacionados à proteção ao meio ambiente que começavam a pressionar a atuação do poder público, bem como as propostas políticas, do governo Getúlio Vargas, com o intuito de promover a modernidade do país. Além da Constituição de 1934 que foi a primeira a destacar, de forma incipiente, a proteção do meio ambiente como de responsabilidade do poder público (2012, pág. 4).

Para Swioklo (1990), citado por Alexandre Ferreira Brandão da Costa (2012, pág. 11), “apesar das boas intenções, a legislação não funcionou devido à inércia e displicência das autoridades e a que, dependendo da localização, as áreas, que deviam ser declaradas protetoras ou remanescentes continuavam sendo entregues ao machado e ao fogo”.

Em 1962 formou-se um Congresso Nacional onde foi proposto um “novo” Código Florestal. Somente em 1965 o presidente Castello Branco sancionou tal legislação, através da Lei Federal nº 4.771, dentro desse Código buscou-se que a metade dos imóveis rurais da Amazônia deveriam ser preservado, além dos recursos hídricos. De acordo com Sparovek et al. (2011), citado por Elaine Oliveira Praes (2012, pág. 4-5):

O código florestal de 1965 aplica-se a propriedades privadas. Ou seja, o proprietário rural deve reservar parte da sua terra, destinando-a a manutenção da vegetação natural, sendo esta realizada, principalmente, através de dois estatutos: Áreas de Preservação Permanente (APP’s) e Reserva Legal (RL). Sendo que, os proprietários que não estiverem cumprindo as determinações previstas para as APP’s e RL, segundo o código (Lei 4.771), terão que recompor as áreas que foram desmatadas.

Laureano e Magalhães (2011), citado por Yara Mafrin Garcia (2012, pág. 56-57), afirmam ser facilmente observados os avanços na legislação de 1965:

Enquanto o Código de 1934 tratava de proteger as florestas contra a dilapidação do patrimônio florestal do país, limitando aos particulares o irrestrito poder sobre as propriedades imóveis rurais, o Código de 1965 reflete uma política intervencionista do Estado sobre a propriedade imóvel agrária privada na medida em que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação são consideradas bens de interesse comum a todos os habitantes do País (LAUREANO; MAGALHÃES, 2011).

Contudo, como essa legislação foi proposta no período da ditadura, desde a época da publicação mostrou dificuldades quanto a sua aplicação. Com isso, o Código sofreu alterações mediante medidas provisórias, conforme a necessidade, para corrigir eventuais falhas ou criando mais restrições. E apesar de algumas mudanças, serviu de base para até pouco tempo atrás, quando veio então o novo Código.

Nos anos 1980 houve uma forte concepção de mudança da relação do homem com o meio ambiente, uma vez que foi em 1988 que surgiu a nossa atual Constituição Federal trazendo um capítulo dedicado ao meio ambiente como direito de todos os brasileiros e essencial à qualidade de vida. Fomentou-se uma conscientização no Brasil, quanto aos desmatamentos de suas florestas, também começou a ocorrer pressão dos movimentos ambientalistas. Com isso, aconteceram várias conferências, chamadas da ONU, para que sempre fosse colocado em pauta as questões ambientais.

A partir de 1996 o Código Florestal passou a ser modificado por diversas medidas provisórias, até ser totalmente reformulado em outubro de 2012 onde foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidente Dilma Rousseff pela Lei nº 12.651/2012. De modo geral, a atual legislação trouxe apenas ajustes pontuais para que se alcance os objetivos pretendidos pela legislação ambiental. Entretanto, ela traz inovações quanto a implementação e fiscalização das APP’s e RL, é a figura do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O artigo 1º-A da lei dispõe que:

Esta lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento da matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos (Lei nº 12.651/2012).

É certo que atualmente ainda são várias as discussões acerca do Novo Código Florestal em vigor, uma vez que o Congresso Nacional se divide entre ruralistas e ambientalistas que travam uma verdadeira batalha. Para uns a atual legislação trouxe avanços e para outros o retrocesso. Elaine Oliveira Praes comenta que:

Dentre as principais mudanças relativas ao Código Florestal, consiste na incorporação da concepção do desenvolvimento sustentável, através da conciliação entre as dimensões sociais, econômicas e ambientais e, assim contribuir para o desenvolvimento dos interesses do país, considerando a limitação dos recursos naturais (2012, pág. 8).

Só que conciliar interesses não é tão fácil assim, para ambientalistas e acadêmicos deve-se promover a integração entre a conservação dos recursos naturais. Já os ruralistas defendem o desenvolvimento econômico, uma vez que as restrições estabelecidas pelo Código, impossibilitam a expansão de suas propriedades e dificultam a produção agropecuária.

2 Cadastro Ambiental Rural (CAR): conceito

Diante das inúmeras alterações que surgiram com a Lei 12.651/2012, cita-se o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como uma característica positiva no novo Código Florestal. Segundo o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, o CAR vem a ser:

Um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente - APP, das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país. (Site do Cadastro Ambiental Rural / Sistema Nacional de Cadastro Ambiental).

Diante desse conceito, pode-se destacar ainda que este registro tem o objetivo de obter informações sobre tais áreas a fim de fiscalizar, proteger e consequentemente combater o desmatamento das florestas e vegetações nativas do país. Vale ressaltar que, segundo a página virtual do Ministério do Meio Ambiente foi criado pelo “decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, o Sistema de Cadastro Ambiental Rural - SICAR, que integrará o CAR de todas as Unidades da Federação”. É obrigatório para todas as propriedades rurais brasileiras, para obter-se a regularização ambiental de todas elas. Contudo, o art. 29, § 1º, incisos I, II e III do novo Código Florestal coloca que o prazo para solicitar essa inscrição no Cadastro Ambiental no Cadastro Ambiental Rural é de um ano, este passa a ser contado a partir de sua implantação e poderá ser prorrogado apenas uma vez, o novo Código acrescenta ainda que esta prorrogação é “por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo” (Lei nº 12.651/12).

Cada Estado irá disponibilizar nos seus devidos órgãos ambientais, programas, via internet, referentes ao cadastramento Ambiental Rural, a partir destes programas também será feito o acompanhamento dos imóveis rurais para então, saber sobre sua situação, se esta encontra-se regularizada diante das normas impostas no novo Código Florestal para o mesmo, isso será válido também para o Distrito Federal. Porém, dentre tantas informações que a página virtual do Governo Federal disponibiliza sobre o SICAR, destaca-se que:

Antes de acessar o módulo CAR para realizar inscrição, verifique se o imóvel rural que pretende cadastrar se localiza em unidade da federação no qual o órgão ambiental responsável por recepcionar as inscrições no CAR possui sistema eletrônico próprio e página específica para tal finalidade (Cadastro Ambiental Rural / Site do Governo Federal).

Logo, é necessário que a inscrição seja realizada no órgão ambiental referente ao Estado em que a propriedade rural se localiza, caso contrário, torna-se impossível a inscrição do imóvel na página do CAR. Contudo, de acordo com o decreto nº 7.830/2012 que dispõe sobre o CAR, seu artigo 7º dispõe que “caso detectadas pendências ou inconsistências nas informações declaradas e nos documentos apresentados no CAR, o órgão responsável deverá notificar o requerente, de uma única vez, para que preste informações complementares ou promova a correção e adequação das informações prestadas”.

 O agrônomo Xico Graziliano (2014) em um artigo publicado no Estadão trata a respeito do Cadastramento Ambiental Rural, vendo este como uma alternativa promissora que visa inovações e monitoramento na preservação do meio ambiente, o autor coloca que “quem estiver com tudo regularizado, protegido, fica tranquilo. Vale como um atestado de boa conduta. Mas se, porventura, as áreas ambientais estiverem aquém do legalmente estabelecido, deve o produtor elaborar seu Programa de Regularização Ambiental (PRA)”. (Estadão / Cadastro Ambiental Rural).

Dessa maneira, o produtor poderá elaborar seu programa para regularizar seu espaço rural, após apresentado, terá cinco anos para colocá-lo em prática com o acompanhamento do Estado para que seja alcançado efetivamente o objetivo do PRA. Em concordância com isso Xico Graziliano (2014) acrescenta ainda no seu artigo que “aqui reside o maior avanço da recente legislação florestal brasileira: abre-se a chance da recuperação ambiental no espaço agrícola. Ao aderir ao PRA, o produtor rural assume a tarefa de compensar seu eventual passivo ambiental”. (Estadão / Cadastro Ambiental Rural).

Nota-se, portanto, uma forma de beneficiar a recuperação das áreas degradadas no meio ambiente. Um avanço trazido pelo Novo Código Florestal para colocar o produtor rural a seguir o caminho da sustentabilidade. Entretanto, os autores José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho afirmam em seu livro que:

O papel do Direito Administrativo Ambiental deve consistir em assegurar a fiscalização e a repressão eficazes dos poluidores, bem como estabelecer mecanismos de incentivo à produção limpa e ao respeito pelos bens ambientais. Ao cidadão deve ser reconhecida a liberdade de agir na defesa destes valores, deitando mão dos instrumentos jurídicos que melhor conhece e também melhor servem os seus interesses individuais e coletivos. (2004, pág. 7)

Dessa forma, vale ressaltar que a intenção de propor esse Cadastramento Rural Ambiental está diretamente ligada com o essa perspectiva do papel do Direito Administrativo Ambiental citado pelos autores.

Por fim, a página virtual referente ao Cadastro Ambiental Rural do Estado do Pará frisa uma informação relevante para o tema, onde expõe que “o CAR é fundamental para o crescimento econômico dos produtores rurais. Em busca de ações sustentáveis, cada vez mais, as principais cadeias produtivas, sejam elas frigoríficos, compradores de grãos, granjas, agroindústrias, etc., investem na aquisição de produtos ambientalmente corretos de produtores que possuem o CAR.” Além disso, frisa-se que os bancos só fazem financiamento para aqueles regularmente inscritos no CAR.

3 O Cadastro Ambiental Rural no Novo Código Florestal

O novo Código Florestal, aprovado em outubro de 2012 trouxe novas normas que regulam a proteção do meio ambiente, dentre elas destaca-se o Cadastro Ambiental Rural, tendo como propósito de regular a proteção em propriedades rurais. No novo código tal regulamentação é encontrada no capítulo VI, nos artigos 29 e 30. O art. 29 trata do que vem a ser este cadastramento, nos seguintes termos:

Art. 29º. É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento (Lei nº 12.651/2012).

O SINIMA foi criado pelo artigo 9º, VII, da Lei nº 6.938/1981. Édis Milaré aponta que “o SINIMA tem como objetivo sistematizar as informações necessárias para apoiar o processo de tomada de decisão na área ambiental em todos os níveis. A informação deve ser um instrumento que possibilite auxiliar a detectar problemas, buscar alternativas para a sua solução, avaliar e monitorar as medidas adotadas e possibilitar o controle social relacionado ao acesso a esse conjunto de dados e informações” (2007, págs. 444 - 445).  Lucas Lehfeld et al. complementa que “é, portanto, um instrumento de sistematização de informações ambientais, contanto com as mais diversas ramificações para o exercício dessa importante função” (2013, pág. 192). Logo, baseado nesse contexto que se criou o CAR, e seu respectivo Sistema de Cadastro Ambiental Rural.

No entanto ainda há obstáculos para a concretização de forma eficaz de tal instrumento. Para inscrição e acompanhamento é necessário o preenchimento de formulário no eletrônico do órgão ambiental estadual, ou no próprio site do Sistema de Cadastro Ambiental mediante as declarações previstas no art. 29, § 1º. Lucas Lehfeld et al. descreve que “em se tratando de pequena propriedade rural ou posse familiar o procedimento é simplificado, bastando a identificação do proprietário ou possuidor, comprovação da propriedade ou posse e croqui indicando o perímetro do imóvel, as APP’s e os remanescentes de vegetação nativa que formam a reversa legal. A captação das coordenadas geográficas dessas pequenas propriedades deverá ser realizada pelos próprios órgãos competentes do SISNAMA.” (2013, pág. 196).

O desfio para implementação do Sistema consta na falta de estrutura dos órgãos ambientais estaduais e municipais para tomar as inscrições, conforme exigido pelo art. 29, § 1º, do Código Florestal. Lucas Lehfeld et al. preconiza que:

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