ESTUDO DE CASO

ALIENAÇÃO PARENTAL[1]

José Muniz Neto[2]

 

 

  1. 1.     DESCRIÇÃO DO CASO

Rodrigo e Camilla mantiveram o matrimônio durante 10 anos, o qual lhes proporcionou uma filha, Fernanda. Após este tempo, estes se separaram ficando Camilla com a guarda única da filha. Elas passaram a morar na casa dos pais de Camilla e D. Carmem, a qual é mãe desta, se sentindo magoada por toda a situação na qual a filha foi envolvida, passou a atacar Rodrigo e sua atual esposa, Zélia, fomentando ideias falsas sobre estes na cabeça de Fernanda. Por conta de todos esses fatos, certa vez, no aniversário de Fernanda, quando da chegada de seu pai acompanhado de Zélia, a criança apresentou sintomas de agressividade, falando ao seu pai que o odiava e que não queria mais lhe ver, chegando até a se jogar do terceiro andar de seu prédio, tentando assim o suicídio. Além disso, Camilla, aceitando sugestões de sua mãe, decidiu se mudar na calada da noite para outro estado sem avisar Rodrigo, dificultando assim a convivência deste com sua filha. Informado deste fato e consubstanciando-o com as outras ocorrências envolvendo Fernanda, o pai, sem saber como agir, decidiu procurar um escritório de advocacia para resolver tal situação.

Conforme exposto anteriormente, após a separação de Camilla e Rodrigo, a criança foi entregue àquela, mediante guarda única, entretanto sendo de ambos o exercício do poder familiar sobre a criança. Poder familiar, conforme aduz Roberto Senise Lisboa[3], constitui um múnus legal decorrente da atribuição de direitos e deveres dos pais sobre seus descendentes, podendo ou não ser estes havidos ou não do casamento. Complementa ainda este autor afirmando que tal dever se expressa na obrigação dos pais para com a formação tanto biológica quanto psíquica dos seus filhos, envolvendo inclusive seu patrimônio, e que, por consequência, demonstra-se seus direitos sobre estes e seus bens. Cabe-nos ressaltar também que o Código Civil de 2002, em seus art. 1.630 a 1.638, dispõe sobre este múnus legal dos pais, dispondo especificamente no art. 1.630 a duração de exercício deste poder, o qual se estende enquanto sobrevir a menoridade.

Demonstrado o poder familiar, é necessário explicitarmos o conceito de guarda única. Elucida Érika Fabíola Silva Gomes:

“Ocorre que, em nosso país, o modelo de guarda previsto legalmente é o da guarda única, em que se defere a um genitor o poder familiar e a guarda material (a imediatidade física) da criança, enquanto ao outro genitor, apesar de detentor do poder familiar, incumbe apenas o papel de supervisor da criação do filho, com direito à visitação, e sem qualquer poder de decisão.”[4]

Desta feita, é nítido que, não obstante Fernanda esteja na guarda única de sua mãe, ainda é direito e dever de Rodrigo atuar na formação de sua filha, além de poder posicionar-se em face de decisões da mãe, pensando sempre no melhor para sua descendente, conforme dispõem os art. 1.634 do Código Civil e 229 da Constituição Federal do Brasil.

 

  1. 2.      IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

1.1.  Descrição das decisões possíveis:

  1. a.      Da existência de Alienação Parental.
  2. b.      Da inexistência de Alienação Parental.

 

1.2.Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão.

  1. a.      Da existência de Alienação Parental.

A alienação parental, nas palavras de Washington de Barros Monteiro, são “as estratégias do pai ou da mãe que desejam afastar injustificadamente os filhos do outro genitor, ao ponto de desestruturar a relação entre eles”[5]. Esta conduta foi disciplinada na Lei. nº12.318, de 26 de janeiro de 2010, a qual optou por conceituar esta prática, no seu art. 2º, através de um rol exemplificativo de condutas as quais recairiam nesta situação. Da exegese deste dispositivo, os seus incisos VI e VII são os que se adequam a situação exposta no caso supracitado. O inciso VI prevê a presença de alienação parental quando o sujeito “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”. O inciso VII, por sua vez, aduz a hipótese de mudança de domicílio, injustificadamente, no intuito de dificultar a convivência da criança com o outro genitor, seus familiares ou avós. Revendo o caso em tela, percebe-se que a avó da criança, D. Carmem, reiteradas vezes praticou atos que condizem com o inciso VI, ao tentar colocar sua neta contra seu pai e sua atual esposa. Além disso, quando Camilla planeja mudar de estado, sem nenhuma justificativa, tal conduta subsume-se no disposto no inciso VII.

Relevante se faz a diferenciação entre a Síndrome da Alienação Parental (SAP) e a Alienação Parental. “Aquela é decorrente desta. Segundo Priscila Fonseca, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro. Já a SAP diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança”[6]. Tal síndrome pode ser percebida em Fernanda, como por exemplo, através da tentativa de suicídio, conforme o raciocínio de Washington de Barros Monteiro[7].

Uma vez classificada a conduta da avó e da mãe da criança, faz-se necessário analisar a possibilidade de alienação parental partindo das pessoas dos avós. Da análise do caput do mesmo art. 2º da Lei mencionada, o legislador optou por introduzir como sujeitos ativos de tal prática os genitores, avós ou qualquer outro que exerça autoridade, guarda ou vigilância sobre o menor. Uma vez que Fernanda resida sob o mesmo teto de sua vó, esta, por tal situação, estará exercendo sobre sua neta autoridade, guarda e vigilância sobre ela.

Dispõe o art. 4º da Lei sobre o rito processual a ser observado quando da presença de alienação parental. Este dispõe que o rito será de tramitação prioritária, podendo ser declarado com o simples indício de alienação parental, a requerimento ou de ofício, por ação autônoma ou incidental. Deverá o juiz tomar as medidas provisórias necessárias para a manutenção da saúde psíquica do menor, além de proporcionar a convivência e/ou aproximação com o genitor alienado. Complementando esta norma, o art. 5º aduz que para a identificação da alienação parental, o juiz poderá determinar a perícia psicológica ou biopsicossocial. Coadunando tais afirmações, Pablo Stolze: “E, em nível processual, é digno de nota que, para o fim de aplicar as sanções legais ao alienador, contentou-se, o legislador não com uma prova suficiente da ocorrência do ilícito, mas, sim, com meros indícios do ato”[8].

Por fim, uma vez demonstrada a presença tanto da prática de atos compatíveis com a alienação parental quanto da presença da Síndrome de Alienação Parental em Fernanda, cabe, então, elencar as possíveis atitudes do pai mediante tais conclusões. É de conhecimento que a questão referente à guarda dos filhos sempre tem o escopo de garantir o melhor interesse do menor. Neste sentido, dispõem os art. 3º e 6º da Lei de alienação parental sobre as possíveis atitudes de Rodrigo: ação de danos morais e materiais (Súmula n. 37 do STJ e art. 186 do Código Civil), modificação da guarda, cujos requisitos estão dispostos no art. 1.583, §2º, do Código Civil, suspensão do poder familiar, sendo esta a última opção a ser tomada pelo juiz na análise do caso, e multa. Além destas opções, o art. 129, III, do ECA, estabelece a possibilidade de imposição de tratamento psicológico ao genitor alienador e, no âmbito penal, caberia ainda a responsabilização penal de Camilla por calúnia, difamação ou injúria. Cabe ressaltar que, conforme os ensinamentos de Pablo Stolze, deve ser obedecida uma gradação na aplicação das sanções, partindo da mais branda para a mais severa, além de frisar que a suspensão do poder familiar pode será por tempo indeterminado, até que se note a inexistência de atitudes que podem fomentar a alienação parental ou então até a capacidade civil plena[9].

  1. b.      Da inexistência de Alienação Parental.

Como demonstrado na decisão anterior, o pai, supondo uma possível fuga da mãe, decidiu tomar atitudes para vetar tal conduta de Camilla. Como foi visto, o juiz, para tomar medidas preventivas pode agir de oficio ou a requerimento, desde que haja algum indício de ato que coadune com a alienação parental. Rodrigo, ao afirmar a possível mudança de estado por parte de Camilla e sua filha, não apresentou nenhuma prova e nem mesmo um indício desta possível conduta. A simples alegação do pai não configura este indício, sendo necessário mais do que isso para a comprovação de alienação parental por parte de Camilla. Como se sabe, o Código Civil é regido pelo princípio da Boa-fé, conforme dispõe o art. 118: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Desta feita, revela-se a máxima presente no Direito de que a “boa-fé se presume e a má-fé se prova”. Ainda nesse sentido, por se tratar de processo civil, revê-se o princípio da Boa-fé no art. 14 do CPC: “São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; [...]”.

Neste sentido, dispõe o Agravo de Instrumento nº 0038437-96.2009.8.19.0000 (2009.002.32734) 1ª Ementa, desembargador responsável Marcus Tullius Alves, cujo julgamento se deu em 14 de outubro de 2008, pela Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Percebe-se, de forma reiterada na jurisprudência nacional, a necessidade de demonstração da presença da alienação, ou através de indícios ou através de perícia. Conforme disposto no agravo citado:

“Compulsando os autos, verifica-se que a criança está sendo criada pelo pai, razão pela qual o afastamento, mesmo que provisório, sem respaldo probatório mínimo, pode ser prejudicial à menor, principalmente porque essa medida só deve ser deferida se houver efetiva demonstração de risco, não bastando, portanto, uma simples alegação.”[10]

 

Além disso, fere o princípio processual do contraditório a decisão sem provas e que não apresenta a oportunidade do genitor acusado de se defender de tais alegações. Uma vez apresentada as alegações de alienação parental por parte de Camilla, deve o juiz oportunizar a esta a sua defesa, demonstrando argumentos e provas de que nada fez para contribuir com os sentimentos da filha em face do pai.

Por fim, cabe a análise sobre quem pratica a alienação parental. Conforme os fatos alegados na descrição do caso, a prática dos atos condizentes com a alienação parental de Fernanda partem de sua avó, D. Carmem. Conforme o conceito de poder familiar exposto no presente trabalho, este é o múnus legal dos pais em face de seus descendentes. A simples exegese deste conceito demonstra que na presença dos pais, estes detêm deveres e direitos sobre seus filhos, não cabendo assim nenhuma parcela deste poder aos avós nesta situação. Por conta disso, a alegação de Rodrigo quanto à alienação parental de Fernanda só pode ser feita em face da avó materna desta, visto que não se tem nada comprovado que a mãe da menor tenha desempenhado papel fundamental nestes atos. Visto isso, não caberia outra decisão senão a de solicitar o tratamento da avó para que esta entenda os efeitos dessas condutas sobre sua neta e possa ser curada deste problema. Desta forma, ela apenas seria afastada da neta até que fosse comprovada a superação dos pensamentos alienadores e, após sanar tal problema, poderia voltar ao convívio normal com Fernanda.

 

  1. 3.                  Descrição dos Critérios e Valores Contidos em cada Decisão Possível.
    1. a.      Da existência de Alienação Parental.

- Atos alienadores; Síndrome da Alienação Parental; possibilidade dos avós cometerem a Alienação; art. 3º c/c 6º da Lei de Alienação Parental; guarda como melhor interesse dos filho;

  1. b.      Da inexistência de Alienação Parental.

- Insuficiência probatória da alienação; Princípio da Boa-fé; Agravo de Instrumento nº 0038437-96.2009.8.19.0000; Princípio do Contraditório; inexistência de alienação por parte da mãe.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei 10.406 de 10/01/2002. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.

 

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869 de 11/01/1973. Brasília: Diário Oficial da União, 1973.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 05/10/1998. Brasília: Diário Oficial da União, 1998.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Menor impúbere - Alegação de suposto abuso sexual. Agravo de instrumento nº 0001100-10.2008.8.19.0000 / 2008.002.13084. Partes: segredo e Justiça. Relator Marcus Tullius Alves. 14.10.2008. Disponível em:http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/31893/ alienacao_parental_08.04.2011.pdf. Acesso em: novembro de 2012.

 

CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook)

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: Direito de família — As famílias em perspectiva constitucional / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. v. 6. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook)

 

GOMES, Érika Fabíola Silva. Guarda única traz prejuízos ao desenvolvimento da criança. Revista Consultor Jurídico, 04 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-ago-04/guarda_unica_traz _prejuizos_desenvolvimento_crianca>. Acesso em: 13 de Outubro de 2013.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: direito de família e sucessões. v. 05. ed. 07. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook)

 

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil: direito de família / Washington de Barros Monteiro, Regina Beatriz Tavares da Silva. v. 02. ed. 42. São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook)



[1] Case referente à disciplina de Direito de Família e Sucessões do curso de Direito, UNDB.

[2] Aluno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, curso de Direito, 6º semestre noturno.

[3] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: direito de família e sucessões. v. 05. ed. 07. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook) p. 194

[4] GOMES, Érika Fabíola Silva. Guarda única traz prejuízos ao desenvolvimento da criança. Revista Consultor Jurídico, 04 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-ago-04/guarda_unica_traz _prejuizos_desenvolvimento_crianca>. Acesso em: 13 de Outubro de 2013.

[5] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil: direito de família / Washington de Barros Monteiro, Regina Beatriz Tavares da Silva. v. 02. ed. 42. São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook) p. 408

[6] CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo : Saraiva, 2012. (ebook) p. 155

[7] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Op cit. p. 409

[8] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: Direito de família — As famílias em perspectiva constitucional / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. v. 6. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook) p. 633

[9] GAGLIANO, Pablo Stolze. Op cit.  p. 635

[10] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Menor impúbere - Alegação de suposto abuso sexual. Agravo de instrumento nº 0001100-10.2008.8.19.0000 / 2008.002.13084. Partes: segredo e Justiça. Relator Marcus Tullius Alves. 14.10.2008. Disponível em:http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/31893/ alienacao_parental_08.04.2011.pdf. Acesso em: novembro de 2012.