Qual a relação entre o aconselhamento pastoral e a psicanálise? O que acontece num aconselhamento tem semelhança com os fenômenos descritos por Freud como transferência e contratransferência? Qual a relação que tem esses fenômenos com o Pastor no aconselhamento pastoral? Será que da mesma forma que o paciente transfere para o analista seus afetos, assim acontece com o pastor e os membros das suas igrejas?

Freud (1917-1917) em “Conferências introdutórias sobre psicanálise”, disse que o paciente deveria não desejar outra coisa senão encontrar uma saída para seus penosos conflitos desenvolve especial interesse pela pessoa do médico. Psicanalistas, psicólogos, médicos, professores e pastores, ocupam a posição que Lacan chamou de "sujeito suposto saber", para quem procura ajuda, há uma suposição que esses profissionais tenham o saber que vai os ajudar.

Os Pastores vivenciam experiências de transferência e contratransferência, mas diferentemente dos psicanalistas, não tem consciência de que suas "tentações" podem ter origem em carências afetivas que foram recalcadas, e no ambiente do aconselhamento na "transferência" se instala angustias nas quais foram recalcados. O Apóstolo  usa o verbo “consolar” para falar da relação entre os membros da fé cristã:

"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações. (2 Coríntios 1.3,4).

A finalidade do Pastor é "consolar os que estão passando por tribulações", lidar com pessoas que muitas vezes estarão passando pelo que eles já passaram, mas a questão é: "Será que as experiências que viveram foram elaboradas, os afetos produzidos pelas tribulações foram de fato resolvidos no processo de sublimação que é diluição das pulsões em outras atividades ou foram apenas recalcadas?

Se no ato de “consolar”, a experiência trouxer sentimentos que vão se encontrar com os sentimentos de quem está na posição de "sujeito suposto saber", o Pastor vai “consolar com a mesma consolação que recebeu, ou ser consolado com a consolação que desejaria ter recebido quando passou por essa tribulação?

Na clinica psicanalítica Freud chamou de "Transferência" o fenômeno em que o paciente transfere para o analista seus sentimentos de amor, ódio, rejeição, medo, raiva etc. Essa relação paciente/psicanalista é chamada de "relação transferencial", a contratransferência é o sentimento do analista como resposta aos sentimentos do paciente.

O Pastor é "tentado" a ceder aos desejos do paciente, que na realidade é seu desejo que foi recalcado, na relação pastor/aconselhando poderá romper as barreiras do recalque, na psicanálise esse fenômeno é chamado de "retorno do recalcado".

A formação psicanalítica está fundamentada no chamado tripé: (1) Estudo da Teoria, (2) Análise Pessoal e; (3) Supervisão, cada uma dessas etapas tem sua importância, para Lacan, "o analista só poderá ir numa análise com seu paciente até onde foi em sua própria análise", ou seja, a análise pessoal é imprescindível para o Psicanalista.

Porque é imprescindível a análise pessoal? Porque o analista será o objeto de transferência dos sentimentos do paciente, assim, o que fará o analista quando o afeto do paciente for o mesmo que ele viveu e não elaborou, ou seja, não deu sentido? Como reagirá quando o paciente transferir afetos nos quais o analista recalcou?

Na análise o psicanalista poderá trazer esses afetos para o seu psicanalista, da mesma forma que o paciente transfere para ele suas angustias, o psicanalista levará para seu psicanalista como paciente e no setting analítico, poderá elaborar as razões da contratransferência, só assim poderá suportar a dinâmica transferencial e suportar seus desejos.

Quando o Pastor cede a esses desejos no aconselhamento, na teologia infringe a "moral", na psicanálise o psicanalista infringe a ética, o principio da "abstinência".

A análise pessoal tem por objetivo ajudar ao analista:

(1) detectar quais afetos o paciente lhe desperta;

(2) perceber quais sentimentos são do paciente e quais são seus;

(3) entender porque o paciente desperta tais afetos;

(4) identificar as razões que o incomodaram aquele determinado assunto e;

(5) refletir sobre quais as razões de reagir dessa forma e não de outra.

A pergunta para refletir é: Seria ou não importante para o Pastor conhecer um pouco de psicanálise e fazer análise?

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. (1916-1917) Conferências introdutórias sobre psicanálise. Conferência XXVII: Transferência. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 503-521. (Edição Standard Brasileira, Vol XVI.

Bíblia Online. https://www.bibliaonline.com.br/nvi