INTRODUÇÃO:

            O caminho da vida está arraigado por quatro fios ou etapas: amar a si mesmo, amar a justiça, amar a sabedoria e gozar desta mesma sabedoria, e a antorcha que ilumina cada uma dessas etapas é a Palavra de Deus, isto é, amar a natureza humana em qualquer pessoa, como meio seguro de purificar o amor de si mesmo, amar a justiça é fazer o que se deve e suportar o merecido. O verdadeiro justo conhece as suas faltas e culpas e aceita as correções da justiça divina que o renova, pois o homem é por si mesmo um grito incessante de verdade e amor, um desejo ardente de sabedoria, processo que acontece pelo conhecimento de si mesmo.

            O conhecimento de si mesmo é algo marcadamente relacional, por isso é dinâmico e vital, um se conhece a si mesmo vivendo com os demais. Nós conhecemos  em Deus vivendo a comunhão existencial desde a fé na aventura de um compromisso comunitário: do conhece a ti e conhece a mim se passa ao nos conhecemos mutuamente, assumindo-nos desde o prisma da fé.

            Bernardo insiste muito na necessidade de entrar em si mesmo: <>.  Para ele, a conversão é um retorno ao coração...., enfrentar-se consigo  mesmo; o afã mais absurdo  é abandonar a guarda do coração e dar crédito aos baixos desejos, ou seja, conhecer a si mesmo implica, portanto, três coisas: O homem deve saber o que fez, o que mereceu e o que perdeu, em outras palavras, “A palavra amor procede de amar, não de honrar. Honrará o que sente horror, estupefação, medo e admiração, mas tudo isso está  mais no amante. O amor se basta a si mesmo, quando chega o amor transforma e cativa todos os demais afetos, portanto, o que ama, ama e não sabe outra coisa”_.

            Quem é o homem à luz do próprio conhecimento? É um livro impresso em letras vivas ,"um hoje no livro da experiência"_, a impressão viva da letra do texto é a consciência da própria realidade, humana, individual, coletiva, sempre limitada, percebida sempre com um desnível entre a realidade e a aspiração, portanto, a consideração de si mesmo abarca três perguntas: si consideras que es, quem es, como es. E' dizer, que és pela tua natureza, quem és pela tua pessoa, como és por teus costumes.

            Bernardo ama também apaixonadamente os seus amigos muitos e de todas as condições. Ele não escreveu um tratado sobre a amizade, mas se pode compor um recorrendo a profusão de textos disseminados pôr seus escritos, como estamos tentando fazer, pois nos seus escritos contemplamos um desfile de amigos. O amigo para Bernardo é, ainda que humanamente falando, um dom que procede do Espirito de Deus e sobrepassa o meramente natural.

            Assim, o conhecimento de si não é autônomo , é uma faceta parcial, intuitiva e operativa que impulsa a pessoa  até um conhecimento mais integral, entitativa e operativamente também, mas de forma  envolvente de todo seu interior no exterior. Trata-se da substância total do homem , réplica da substancia de Deus. O homem é, portanto,  imagem e semelhança de Deus uno e trino.

Para o sujeito que se conhece, os atos empenham as virtudes, assim, a alma adornada pôr todos esses bens se mostra metaforicamente como bela esposa, adornada de pérolas deslumbrantes. "Porque sem um animo grande não podereis alcançar aqueles bens tão grandes de arrebatar o reino dos céus"_, o que nos leva a dizer que ainda que um conheça todos os mistérios, a largura da terra e a altura do céu, a profundidade do mar, se não se conheces a si mesmo, será como o que edifica sem cimentar, e levanta uma ruína, não um edifício. Tudo o que construas fora de ti  será como pó amontoado que leva o vento!

Bernardo tem o homem em alta, capaz de ver dentro de si mesmo o mal, curar-se e ascender ao bem, por isso nos instigas: "Leia homem, leia  no teu coração, leia dentro de ti mesmo os testemunhos da verdade e ainda te julgarás indigno dessa luz comun. Leia no coração de Deus a aliança que se fez firme pelo sangue do Mediador e verás o quanto é distante o que possuis como esperança do que possuis realmente"_.

            Capaz de voltar ao estado natural, primordial de pureza e intimidade com o Criador, a caridade e/ou a amizade é o coração da doutrina bernardiana: ela explica tudo em Deus e no homem. "Quando Bernardo fala do amor é quando dá a medida do seu fervor, de seus dotes de escritor e de sua penetração teológica. O amor é para ele tudo: a lei e a justiça, o desejo e a possessão, a saída de si e a êxtases. E' a explicação de Deus, bondade gratuita e criadora, e do homem criado à imagem de Deus amor. E' o modo mais elevado do conhecimento, o único que permite o abraço e o osculo, a contemplação e a fecundidade ao serviço da Igreja"_.

            A experiência cristã se apoia nuns princípios bem definidos: uma referencia especial a Jesus, como acontecimento ultimo e decisivo da revelação; e como verdade normativa e radical da comunhão Deus-homem.  Essa referencia se expressa e se atualiza pela Palavra de Deus e pelos sacramentos. O cristão vive esse acontecimento como uma “memória”, como uma presença na fé e no amor da pessoa e ação de Cristo. Ter a experiência de Cristo e conhecer a si mesmo significa aceitar e viver o que é próprio da condição humana, do contrario, como se conhecerá a si mesmo o homem que foge do trabalho e da dor? Como si saberá que é um homem se não esta disposto para aquilo pelo qual nasceu?

            Como vemos, a  doutrina de Bernardo não tem outro objetivo que restaurar, renovar o homem, devolver toda a saúde de que é capaz e que possuiu num outro tempo. Pôr isso, segundo o nosso autor,  o homem não pode se esquecer nunca de si mesmo. Em qualquer grau do amor sempre encontramos o amor a um mesmo. Sua orientação ao bem lhe é tão  natural e necessária, que o homem não pode deixar de querer ser feliz.

            Para externar essa sua consciência de homem que conhece a si mesmo e participa do Mistério de Cristo, Bernardo não abre mão do seu hodie, pôr isso, pode-se dizer que: "A linguagem de São Bernardo é mais a expressão de sentimentos que comunicação de fatos. Sua expressão está continuamente dominada pela tensão de sua experiência religiosa"_. Bernardo repete sempre o triângulo: eu - nós - Deus, porque é assim que ama a alma que  vive na sua presença e que se julga  a si mesma sem dissimulo, pois nos exige esse juízo para nosso próprio proveito, porque se nos julgamos a nós mesmos, não nos julgarão a nós, do contrario não poderíamos dizer que a virtude que praticamos não é verdadeira si é completamente alheia à de nosso modelo, Cristo, Modelo autentico e único de virtude.

            São Bernardo é o fundador da ordem dos Cistercienses. É confessor e doutor da Igreja, nasceu perto de Dijon, na França, no ano de 1090. Morreu em Claraval em 1153. Entrou na Ordem do Cister com 19 anos, e logo se tornou um líder e um mestre de espiritualidade. Atraiu centenas de jovens, inclusive seus irmãos para a vida religiosa. Cerca de 900 monges fizeram votos em sua presença. Construiu cerca de 340 mosteiros para abrigar todos os que ingressavam na Ordem. Bernardo foi um incansável batalhador pela paz e pela unidade da Igreja. Escreveu várias obras, privilegiando sempre o amor e a ternura de Deus.  Segundo os especialistas, foi o homem mais influente e mais santo de sua época. Bernardo é daqueles santos que mesmo passado tanto tempo, a sua vida e seus escritos ainda causam impactos, curiosidade e atração.      

            A chegada de Bernardo e dos seus companheiros a Citeaux em 1112, significou não somente a possibilidade de sobreviver do mundo monástico beneditino, mas assinalou o início de um período de renovo que nunca mais seria repetido. Essa reforma iniciada por Roberto de Molesmes, era em alternativa  ao movimento reformativo de Cluny.

            Já dissemos que Bernardo teve uma extraordinária influência na sua época, e a ocasião que maior contribuiu para esse conhecimento e empenho de Bernardo foi a situação emergente com a dupla eleição papal de fevereiro de 1130, logo após a morte de Onório II, quando Bernardo tomou posição em favor de Inocêncio II, intervindo em Sínodos, visitando Países, até chegar o fim da questão, ocorrida depois da morte do outro Papa (Anacleto II) e com o concílio Laterano I, em abril de 1139.

            As razões do prestígio de Bernardo e de sua autoridade não se dá por cogitações políticas, mas na sua fama de santidade, fundada numa rigorosa e coerente ascese pessoal, como também na sua particular sensibilidade que o fazia capaz de ser presente em todas as questões relevantes que interessavam a vida espiritual, cultural e política da Europa contemporânea, e sem esquecer da sua habilidade retórica que o fazia capaz de por argumentações de tal modo a excitar  uma pressão moral e emotiva, como aconteceu na disputa com Abelardo.

            No ambiente cisterciense a autoridade de Bernardo foi enorme, não somente entre as abadias dependente de Claraval, mas também naquelas que apareceram das outras “filhas” de Citeaux: a maior parte do capítulo geral cisterciense logo- logo foi constituída pelos amigos e discípulos de Bernardo, e assim, ele podia exercitar um controle sobre a inteira Ordem.. Bernardo gozava de grande prestígio também em Roma, e podia contar com alguns fortes apoio na cúria pontifícia.

            Bernardo sempre quis mostrar o monaquismo , aquele cisterciense se intende, como pedra de comparação e unidade de medida da perfeição, apreciando nas outras observações religiosas, que fossem monásticas ou eremitas ou canônicas pouco importa, o que na vida concreta ou na espiritualidade era mais vizinho a Citeaux.

            Nos últimos anos de vida, o abade de Claraval se retirou progressivamente da atividade pública, mesmo que viessem continuamente requisitada a sua intervenção por uma ou por outra circunstância. Confiou entretanto as sua intervenções sempre mais às cartas, procurando ficar o mais possível no mosteiro, ali continuou até a morte pregar aos seus monges e a escrever.

            Como já dissemos, na manhã do 20 de agosto de 1153 Bernardo morreu. No seu funeral, dois dias depois, quando o corpo do abade, revestido com um “hábito” de Malaquias, foi solenemente depositado diante do altar da Igreja, uma imensa multidão se fez presente em Claraval, testemunho primeiro e vivo de um culto que se estendeu rapidamente, superando rapidamente os confins da Ordem cisterciense. A fortuna e a riqueza de Bernardo ficam ligadas sobretudo aos seus escritos, certamente entre os mais difusos dos textos medievais, e a sua grande herança, ainda hoje desfrutável, é confiada àquela espiritualidade da qual ele foi certamente um dos mestres mais significativos.